Califórnia da Canção, consolidação e
desafios.
Luiz Coronel – escritor/compositor
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Afirmei, não poucas vezes, e o argumento ganhou ressonância
em outras vozes, que a Califórnia foi nossa “Semana de Arte Moderna”, fazendo
um paralelo com o movimento cultural que inaugura no país o Modernismo,
deixando para trás os modismos clássicos. Uma estagnação reprimia a livre
criatividade de pintores, músicos, poetas e romancistas. Rompe-se o dique. E
surge Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Villa-Lobos e tantos
personagens que formam a honrosa galeria da Geração de 22.
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A Música Regional Gaúcha vivera momentos de esplendor com os
Farroupilhas. Porém, como movimento cultural, estávamos pálidos ou melhor
dizendo: roucos. E as águas da criatividade que cantam nos caminhos,
reprimidas, acumuladas, beirando o topo das represas. De repente, “não mais que
de repente”, a Califórnia da Canção, iniciada nos anos 1970. Guitarra em punho,
peito aberto, pilchas a preceito, músicos, instrumentistas, cantores, letristas
foram se achegando. De imediato, formou-se um mosaico da alta diferenciação.
Havia um triunfo do estilo. E sem estilo, a galinha corre o galo do galinheiro.
Compositores diferenciados. Letristas não se repetiam, intérpretes eram
inconfundíveis. E assim a Califórnia se afirmou, em seu espectro amplo,
preservadora da tradição e proponente de frondosa inovação. Isto soube ver
muito bem Colmar Duarte ao posicionar-se como defensor das linhas criativas que
embasaram o Festival.
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Sim, a Califórnia consagrara-se como um fato cultural e não
como um evento, pois eventos o vento leva. E como é próprio do tempo, ele se
pôs a correr. E os festivais multiplicaram-se como coelhos em livre acasalamento.
A quantidade não gerou a qualidade. Triunfou, salvo honrosas e valiosas
exceções, a música festivaleira, gritante, vazia, regional em seus aspectos
ornamentais e alegóricos, mas órfão da benção essencial da criatividade.
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A Califórnia por berço, origem e vocação não deve e não pode
enfileirar-se como mais um festival. Ela é muito mais do que isto. Ela destina-se a ser paiol de composições
da melhor qualidade. Partidor de composições vencedoras, que se inserem nos
cantares de nossa gente, caso contrário ela deixa de ter razão de existência.
Bem andaram os que a colocaram nos trilhos em sua 40ª. Falta agora uma vigorosa
decisão de enquadrá-la em sua mais perfeita moldura, ostentando sua mais
inconfundível nitidez e propósito.
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Ouso propor, em níveis de aprimoramento
das próximas edições:
1.
Que seja contratado um diretor de palco, para
que o espetáculo tenha um andamento, um ritmo profissional. Billy Wilder, cineasta
americano, dizia: “Ganhe o público pelo pescoço e não o solte mais”.
2. Que
sejam repropostas duas linhas de composições: Tradição e Renovação.
Somente assim o Festival retomará seu caráter emblemático e proponente, caso contrário
terá uma feição mais próxima a um belo baile de Centro de Tradições, o que foge
a sua destinação. Tenhamos como exemplo o show de Mario Barbará e Chico Saratt.
Lá estava o Rio Grande com os pés no passado, trilhando o futuro. Ou as gravações de Leontina das Dores, por
Fafá de Belém e a Orquestra Sinfônica da Unisinos. Também o Rio Grande em
essência e ostensiva performance.
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3. Penso a tela de
projeção do Festival no pátio ou recinto reservado ao convívio dos músicos
um bom expediente, caso contrário temos uma “gravitação em torno de si mesmo”,
sem o intercâmbio de experiências
criativas.
4. Quero sugerir o melhor
aproveitamento do telão lateral ao palco, onde são expostos os comerciais de patrocinadores. A
repetição desses comerciais, a cada composição, não promove ou retribui apoios,
por excessiva. Assim, a este espaço seja conferido também à memória da Califórnia,
projetando cada uma das Calhandras e seus vencedores Projetando também momentos
valiosos deste fato cultural.
5. Entendo que o show
de abertura deve ser cancelado, pois ele secundariza a apresentação das músicas
concorrentes. Deslumbra o show com sua roupagem e fadiga o festival. Nossa percepção
apreciativa de arte tem limites inexoráveis. Guardem-se os shows para o momento
de avaliação das composições, por parte dos jurados.
6. Tenha a cidade, em local adequado, uma faixa, um banner,
construção pictórica ou escultórica, onde se diga: Uruguaiana, cidade da
Califórnia da Canção, um patrimônio cultural do Rio Grande. Busca-se assim conferir permanência do espírito Califórnia,
evitando encarcerar o evento em seu calendário.
7. Creio, como tentei outrora, conferir um caráter nacional à Califórnia em sua repercussão. Músicos como Renato Texeira, Almir Sater,
Fafá de Belém, revelam uma trajetória artística que nos faz rimados e irmanados
às suas obras. Músicos cuja identidade fuja a estas similitudes, carecem de
razão para suas presenças, mesmo que honrosas ou alarmantes sejam suas
biografias profissionais.
Conclusivamente: a Califórnia da Canção, numa
percepção mais ampla, foi à terraplanagem por meio da qual se abriu caminho
para este ciclo de músicas de temática rural, de discutível legado, pois
desfigurou a poética consistência da música sertaneja. Estendendo palmas aos vencedores da 40ª
edição. Longe de mim o intento de distanciar-me de cada um dos compositores
cujos trabalhos se inserem na história da Califórnia, ontem e hoje. Cada um
deles, em pleno direito, faz o que sabe, o que quer e o que pode. Projeto
apenas uma visão panorâmica do Festival. Almejo que se tenham as minhas
ponderações como um gesto honesto e profissional de quem não existiria na
condição de compositor sem a montagem e a presença da Califórnia em nosso
cenário cultural. A ela reverencio e quero honrá-la com minha criação literária
e musical.
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