Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: 2021

21 de dez. de 2021

#quemsambasabe @delcueto.studio verão2022


Chegou o verão e as coleções 2022 de #photodesign do @delcueto.studio ocupam a pista.

Carnaval te amo

Resistência

Céu estrelado

Uma flecha só

É de São Sebastião

#quemsambasabe

Pega a visão @no_rumo das peças no link

http://colab55.com/@delcueto?=new

Studio na Colab55

13 de dez. de 2021

A folia sempre alcança - crônica de Valéria del Cueto


Texto e foto de Valéria del Cueto

O ar está bem pesado e já se escuta o barulho da chuva. Primeiro foram as trovoadas que chegaram anunciando o que virá daqui a pouco.

Melhor assim, ninguém se lembrará, nem tentará me mover enquanto o céu estiver caindo e as prioridades forem outras. Como os alagamentos que sempre acontecem ali pros lados do Maracanã, por exemplo.

Fico aqui aos seus pés, onde passei desapercebido até uma twittada entregar, com direito a prova documental fotográfica, minha permanência na praça. A despretensiosa postagem na rede social continha a imagem em que grades e tapumes, sabedores e cúmplices da minha ventura, tentavam camuflar meu disfarce alegórico quase abraçado a Apoteose. Ela chamou a atenção do mundo (pelo menos o do samba) para minha localização inusitada.

Sem querer ofender (pelo contrário), o ilustre responsável pelo conteúdo maravilhoso da plataforma Ouro de Tolo, acho que rolou uma certa invejinha boa.

Não pude acreditar quando eu, um chassi apaixonado pelo carnaval, cujo nirvana para o povo do samba é chegar a Apoteose, fui dirigido a esse local icônico após o hiato do calendário carnavalesco provocado pela pandemia.

Quer saber? Pode chamar de paixão, classificar como doença ou dizer que é um vício irrecuperável. Arrio todos os meus pneus pela emoção de cruzar aquela Sapucaí de ponta a ponta. Topo tudo! A imobilidade exasperante e os maus tratos na preparação da alegoria do ano, o peso insuportável dos ferros, madeiras, forrações, esculturas, traquitanas, badulaques. O remelexo extra nos meus já cansados amortecedores das composições e destaques que sacolejam no percurso da pista nos desfiles das agremiações carnavalescas.

Ultimamente atravessava a avenida apenas uma vez por ano, no Grupo Ouro. Mas já reinei imponente numa escola do Especial! Daquelas que além do desfile oficial têm vaga cativa no sábado das campeãs. O esforço de minha robusta estrutura de ferro era reconhecido e saudado pelo concreto armado dos arcos da Apoteose. Sempre gentil e incentivadora dos que se aproximavam. Corações palpitantes, corpos suados, mentes em êxtase no caso dos componentes das agremiações. Sempre dedicou um cumprimento estimulante às estruturas inumanas incorporadas a procissão profana.

Assim nasceu nosso querer. Nos aproximamos num momento em que os acessórios anteriormente descritos, aliado ao calor insuportável da iluminação e parte elétrica da alegoria quase fizeram com que me rendesse ao mau humor recorrente da torre traiçoeira que desejava uma pane nas engrenagens acopladas para travar a maravilhosa apresentação que a escola fazia. Foi o estímulo revigorante da visão dos arcos da Apoteose e sua energia que geraram o esforço extra necessário para impedir o colapso eminente e me fizeram deslizar para o aconchego do seu abraço.

Quando o desgaste natural fez com que fosse substituído por um equipamento mais novo, agradeci ao deus do carnaval por ter sido doado a uma afilhada do grupo de acesso. Pelo menos uma vez por ano podia cair nos braços da Apoteose e, felicidade das felicidades, conseguia avistá-la do barracão situado no bairro do Estácio, nas proximidades da Sapucaí!

Até que a pandemia chegou. Diante do estado deteriorado em que me encontro temi nunca mais voltar ao abraço da icônica escultura de Oscar Niemeyer. Foi quando o milagre aconteceu. Fui acionado e movimentado para a Sapucaí. Meus Deus! E, em vez de uma passagem cronometrada deixado bem ali embalado no berço do samba. Aos pés dos guias, os arcos, e da mítica de minha paixão carnavalesca, a Apoteose.

Até Pedro Migão me notar, registrar e postar.

Não guardo mágoas nem rancor. Se tiver que partir tive o que, talvez, outros não tenham. A oportunidade de matar essa saudade doída ritmada pelos sons distantes que chegam a você, Apoteose, e a mim, chassi véio de guerra, das quadras que começam seus ensaios para o carnaval. Sou pura esperança. Daquele que podemos não saber quando, mas certamente virá.

Como a espera, a folia sempre alcança.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “É carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Cola
Studio na Colab55

17 de nov. de 2021

Historinhas em tempo de lua - crônica de Valéria del Cueto


Historinhas em tempo de lua

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Aqui quem fala é Pluct Plact, o extraterrestre, entre um deslocamento e outro. Aproveito o raio de luar poderoso do eclipse que, sei, você observa ensandecida pela fresta da janela da cela onde (faz tempo, querida cronista), está voluntariamente recolhida do outro lado do túnel. O luar nos re-une.

O tempo nesse mundo que você habita e onde pluctplacteio está cada vez mais veloz. O que não faz sobrar tempo para coisas básicas como ter tempo de “deslocamento”. É isso, esse quesito tornou-se dispensável. O ser humano acredita que pode ser e estar em qualquer lugar, só trocando a roupinha do avatar e seus poderes. Tipo game. É só mudar de sala. Tudo ao mesmo tempo. Para o bem e para o mal.

Da Itália para Glasgow e, depois, Emirados Árabes. Os chefes do mundo se encontram em diferentes eventos. G20, Cop26 e EXPODubai atraem as atenções. Incluindo a dos observadores intergalácticos que andam por aqui. A quem tento traduzir o significado de tantas pantomimas, sempre com os mesmos atores.

Começo pelo X da questão para o universo. A COP26, as urgentíssimas mudanças de paradigmas e novos conceitos, necessários para evitar (se ainda for possível) o colapso do planeta Terra anunciado. Com você, em nossas noites de luar, aprendi duas expressões que caem como uma luva e definem a conclusão das negociações: “cara de paisagem” e “fazer a egípcia”.

Enquanto cientistas, jovens, ativistas, minorias, ecologistas e humanos preocupados com o presente e o futuro se manifestam nos fóruns apontando a seriedade e urgência da crise, os responsáveis por grande parte dessa situação apresentam seus esforços tecnológicos para minimizar os efeitos dos danos causados pela devastação planetária. Ficaram conhecidos como “chapas verdes”. No caso do Brasil entre suas representações sequer houve diálogo. Após o emocionante discurso da indígena Txai Surui na abertura da conferência sobraram intimidações, desinformações e fakenews contra a brasileira que falou na cerimônia.

O terceiro grupo, o dos que realmente decidem, os governantes, não se abalou nem o com o discurso do ministro de quase tudo, Simon Kofe, da ilha de Tuvalu que fica no meio do Oceano Pacífico e corre o risco de desaparecer. Ele falou num púlpito com água até os joelhos. Ao final promessas e algumas indicações, nenhuma imediata, além de mais um empurrão intencional em questões graves, como a dos combustíveis fósseis.

Querida cronista lamento informar que as coisas andam difíceis e não é só na questão do clima. A inflação galopa, a economia patina desgovernada, o dólar sobe, o mercado geme e o povo quer é festa!

Todos precisam de um refresco e facilitam. Apesar dos sinais que avisam ao Brasil que a pandemia não acabou. Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro que você habita, anda fantasiado de Dudu, o boa praça, incentivando o “liberou geral” e sambando, sem máscara, na multidão. O povo, cansado, segue o flautista de Hamelin tocando bumbo pela passarela da inconsequência.

A (má) fama fica com o carnaval, criminalizado nos trends das redes sociais. No eterno Fla x Flu, a festa vira “coisa de esquerdista” na cruzada eleitoral. Seria apenas essa a questão, não fossem os turistas e seus dólares maravilhosos para a economia combalida.

Caso a ser desenrolado depois de um raid pelo mundo encantado brasileiro da EXPODubai2021. Que vida louca, essa aqui fora. Do desastre climático eminente à exposição monumental tecnológica sem escala.

No deserto, “a Floresta Amazônica não pega fogo porque é úmida”, afirma o líder da nação que, por causa do conjunto da obra destrutiva de seu governo, não foi a conferência do clima, apesar de dias antes estar comendo pizza em Roma na reunião do G20. Sozinho e isolado do grupo dos mandachuvas do planeta.

Deve ter sido por isso que levou a tiracolo para Dubai filhos, assessores e amigos numa comitiva digna de um sheik árabe, dono de poços de petróleos. Não fosse bancada pelos contribuintes. Foi você que me contou a história infantil da “Roupa Nova do Rei”, lembra?

Pois é, aguarde. Na volta pra casa será o tempo (aquele, que está cada vez mais curto), de fazer o relato comparativo de outra historinha. A da “Dona Baratinha”. Afinal, quem será o Dom Ratão que cairá na panela da legenda eleitoral do grupo presidencial para as eleições do ano que vem?

Em breve, mando notícias em mais “uma carta sincera”. Vamos ver o que virá após o eclipse...    

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



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25 de out. de 2021

Cego dos "óio" - crônica de Valéria del Cueto


Cego dos “óio”

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Com secura de mar. Foi assim que chegou na praia. Saboreou cada detalhe do caminho antecipando alcançar a sensação irreal de normalidade de buscava.

Deu bom dia ao porteiro elogiando as orquídeas que floresciam abraçadas na árvore da rua em frente ao prédio.

Trocou uma ideia na portaria vizinha sobre as birutas sonoras amarelas instaladas depois de anos sem serem necessárias e colocadas, aliás, no momento em que a energia elétrica que aciona as geringonças está pela hora da morte.

Subiu a rua quase ladeira rumo ao Arpoador, Ipanema, cartão postal do Rio de Janeiro. O sol, que andara escasso em outubro, estalava no céu surgindo no rendado das folhas de amendoeiras frondosas que sombreiam a rua.

Quando cruzou a última pista e precisou prestar atenção ao espaço dos ciclistas, já ouvia o som do trompete do músico que bate ponto no primeiro banco na entrada do Garota de Ipanema. Enquanto contornava o parque ouvia os tristes acordes de Assum Preto, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, o cego dos “óio” que canta de dor.

Na passagem lateral que leva à praia as pitangueiras coladas ao muro grafitado estão carregadas de frutos amarelos. Os vermelhos, perpitolas, como dizem os cuiabanos, são colhidos por quem reconhece as árvores frutíferas, ainda mais nessa época de escassez.

A praia se descortina à frente. O sol, sem uma nuvem no céu, reina soberano e absoluto.

A blusa de manga comprida parece quente demais. Só parece. Quem “é da praia” sabe que ela é essencial na hora de voltar pra casa quando, com o corpo quente, tiver que percorrer o caminho sombreado e, talvez, enfrentar os corredores de vento nas ruas do bairro.

A areia da praia não está cheia (ainda) e o mar bate num som que, não pergunte como, indica a subida da maré. O truque é não ficar na beirada para poder escrever tranquilamente. Esquecer a linha de frente. Isso é o que garante não haver surpresas quando a maré subindo der o bote para recuperar seu espaço.

Antes da água surpreender a distraída com o caderninho, os banhistas instalados próximos à água darão o alerta. Para facilitar, usa como marcação o homem-camarão. Aquele que dorme distraído ao bronzeamento se preparando, inadvertidamente, para uma noite de sofrimento inesquecível.  

O mar baixou e tem uma linha animada de surfistas. Pelo horário e o estilo dominante não está nela a rapaziada local que prefere as ondas que fazem a fama do point em dias de ressaca.  

O Rio está cheio e o sotaque do grupo ao lado é de sulistas. Comentam sobre o visual das acomodações que ocupam na cidade.

Definida a ocupação é estender a canga na direção sul, tirar a máscara (sim, ainda necessária para quem não está afim de bater palmas pra maluco Bolsonaro ou Eduardo Paes dançar) e, finalmente, ser invadida pelo tão almejado cheiro da maresia.

Ao sacar o caderninho está decretado o fim de todos os incômodos. Até o do som da música porcaria do grupo que se confraterniza a alguns metros adiante. É hora de mergulhar nas sensações de um dia normal.

Tudo cronometrado. Quando as linhas definidas pelo editor do jornal para o espaço ideal da crônica estão se esgotando o homem-camarão pula, levantando seus pertences. Sua toalha é alcançada por uma onda atrevida!

Hora de levantar a cabeça, focar a vista em direção ao sol que desce cinematográfico em direção a ponta do Vidigal e fazer aquela foto cartão postal “cego dos óio” pela beleza para ilustrar a crônica.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Arpoador do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

 


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13 de out. de 2021

O que foi - crônica de Valéria del Cueto

O que foi

Texto e foto de Valéria del Cueto

Tudo na mão. Caderninho, caneta, livro (se a inspiração rateasse). Lá fora é cinza e chove. Solidão. O silêncio barulhento do mato. Café tomado, distância do celular, computador, das redes sociais que aprisionam e viciam.

Tudo pronto, nada preparado. Ou vice-versa. No pé da ladeira o córrego respira e festeja depois da estiagem. Chuva encharcada, bastante e constante. Antecedida pela entrada dramática da comissão de frente com nuvens pesadas e ligeiras tocadas por ventos carrascos prenunciando raios e trovoadas.

Agora não. Tudo é suave. Várias texturas sutis se distinguem a um olhar atento produzindo muitas imagens. Deixados de lado, caderninho, apetrechos e opcionais se retiram da pista para largar desocupados mãos e olhares para o que descortina.

O alerta veio do pé de jacarandá, só galhada, já dramático no rendilhado ressecado na pesquisa visual ainda no inverno, lá por meados de agosto. De lá para cá, como performance da comissão de frente de raios e móveis sendo arrastados por São Pedro enquanto lavava o céu, na chegada da primavera, a retorcida figura do jacarandá começou a se transformar.

Esse não é um clima comum em outubro. É a máxima que define a prioridade de ação no quesito “registrar”. “O que foi nunca mais será”, já avisavam Mario Barbará e Sérgio Napp, em “Desgarrados”, vencedora da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, nos idos de 1981. Homens e natureza.

Câmeras nas mãos, é observar. Se a chuva diminui os passarinhos se manifestam, caso contrário, é se deixar embalar com o canto animado do Córrego das Mulatas e o chiado das chuvas miúdas. Contra o céu enevoado parece que é só. Mas tem mais. Dependendo da intensidade das chuvas, se formam as gotas nos ramos das árvores, aquelas que florescem e brotam aliviadas da secura da terra.

A nova vida que explode nas filigranas acolhe a delicadeza das gotas que vão se formando vagarosas e, de tempos em tempos, despencam sobre o peso da água acumulada para saciar a sede da floresta.

As lágrimas nas árvores da Mata Atlântica são captadas quando outro som se sobrepõe. Os passarinhos não passeiam barulhentos na galharia e na ponta da varanda as correntes da calha chacoalham com o peso do aguaceiro no telhado. Chove com mais intensidade. A imagem é linda, incluindo o movimento da água descendo desobediente esparramada em volta dos elos de ferro. Tem drama, é forte, orgânica e, quem sabe, única.

Imobilidade para capturar a dança na corrente. Minutos contados com a memória para ter noção do tempo, como nos games da vida virtual que aprisiona nossa imaginação e doma a atenção de quem opta pelo mergulho existencial nos subterrâneos digitais.  

O olhar, antes focado, vagueia pelas curvas do vale. Da força do ferro que guia a água do telhado, novamente para as lágrimas brilhantes do orvalho da chuva. Então, passeando, ele alcança o jacarandá.

Da cor escura, verde esmeralda da ressurreição da natureza, se veste de prateado como um destaque do primeiro setor no desfile da primavera. Suas folhas, minúsculas, resplandecem do orvalho salpicado na parte superior dos ramos mais altos. Como a luz não reflete nas folhinhas de baixo, formam-se desenhos, renda delicada de um manto resplandecente. Aquele que cobre e protege, ou tenta, sua fonte de energia natural.

Para fechar, a boa notícia. Depois da vida levar, surgiu esse relato da chuva que, parece, vai perdurar por uns dias. O que abrirá espaço para cumprir a terceira missão. Mergulhar na leitura do livro quase esquecido. Isso, se a natureza não chamar novamente...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



Studio na Colab55

27 de set. de 2021

Vela no breu - crônica de Valéria del Cueto


Vela no breu

Texto e foto de Valéria del Cueto

Para começar, previna-se. Sempre que chegar em algum lugar localize os apetrechos indispensáveis em casos de apagões elétricos. Velas, fósforos ou isqueiro. Também é de bom tom saber onde está - e deixar carregada, a bateria extra do celular se ela existir.

Essas recomendações não se baseiam em hipóteses científicas. São frutos de experiência empírica, ou seja, brotaram de fatos reais. Que o apagão viria e outros virão era sabido. Uns alertaram, outros negaram. Aqueles que, quando negam, a gente tem cer-te-za que vai acontecer. Então, sempre é bom relembrar alguns procedimentos básicos.

Na caída da noite, depois de ouvir o canto de uma cigarra perto do meio dia (sinal de tempo bom), veio um ronco do céu. Olhando para ele uma camada cinzenta encobria o entardecer. Nuvens carregadas se juntando a oeste corriam em direção ao vale. As chuvas começaram a cair já era noite. Os sons foram se transformando regidos pelos raios. Depois dos relâmpagos iluminarem o contorno das montanhas os trovões gemiam, roncavam ou retumbavam.

Foi em meio a essa sintonia celestial, um pouco depois da boca da noite, que a luz começou a piscação. 

Continuamos, agora, as lições. Tire os aparelhos da tomada mesmo que pareça desnecessário. É melhor prevenir que remediar. Nunca se sabe a intensidade do vai-e-vem e dos picos feéricos. Comece pelo wi-fi se estiver num local isolado. E pense na dificuldade de cobrar o prejuízo da operadora de energia.

A lanterna acoplada no celular poderá leva-lo até aquela vela e os fósforos do início da conversa. Um conselho: não abuse do recurso caso não tenha ou não esteja carregada a bateria extra anteriormente também citada.

Se precisar avisar alguém da situação, lembre-se de ser breve. Economize sua carga. Parta do princípio de que nunca se sabe o tempo decorrido entre o início e o fim do apagão. E se der, só se der, mande uma mensagem à empresa de energia para registrar o problema. Ajuda em caso de reclamação. E deu. Esqueça as redes sociais, os joguinhos...

Ah, se a fome chegar não esqueça de apelar para o fósforo/isqueiro já mencionados. Não para iluminar a cozinha, mas para substituir o acendedor automático do fogão. É importante um bom posicionamento da fonte de luz, vela ou lanterna. Segurar o celular, riscar o fósforo e girar o botão do fogão é complicado. Mais ainda se a intenção for acender um forno com aquelas grades fixas do grill. A sugestão é apoiar o aparelho na grade para conseguir esgueirar as mãos e acender o fósforo já perto do bico do gás. Operação pouco usual já que os fogões têm acendedor. Elétrico.

Com sorte a luz já deve ter piscado algumas vezes enchendo de esperanças os usuários. Certamente você já terá assuntado para saber a extensão da escuridão. Olha o celular... A bateria está comendo. Sai desse corpo. Já encontrou o que fazer?  Não, rede social não! Música só se tiver equipamento a pilha. Se não, concentre-se no barulho da tempestade caso ela ainda esteja acontecendo. Morando em apartamento, se for sair, lembre-se que se descer tem que subir! Ao contrário do que dizem por aí. 

Encurtando o exercício "do que fazer" vai o caminho das pedras para quem gosta. A opção é ler. Livros! Mais uma pista: o melhor lugar, na hipótese de não ter um lampião (que prático), é numa mesa. Posicione a vela na parte da frente do livro que é para não fazer sombra nas páginas. Evite, por favor, ler na cama. É possível, mas arriscado. E pode dar trabalho. Há uma boa possibilidade de esbarrar na vela. Também é melhor colocá-la num pires com água embaixo. Essa dica é muito útil caso o evitável aconteça. 

Foram mais de três horas no breu total abrindo a temporada 2021. Temperadas por duas horas de muita água e merecidas chuvas para aliviar a terra ressecada. Que cheiro delicioso...

Último conselho. Sabe a louça do jantar? Aquele no escurinho. Deixe para lavar à luz do dia seguinte. Vela, pia e louça, assim como sistema energético mal administrado, costumam dar em quebradeira e gerar muitos prejuízos.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


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10 de set. de 2021

Mitolândia - crônica de Valéria del Cueto


Mitolândia

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querido Pluct Plact, amigo extraterrestre.

Antes de mais nada peço que não estranhe essa mudança de sentido em nossa correspondência pelo raio de luar que ilumina minha cela do outro lado do túnel. Pela primeira vez (que me lembre) inverto a mão desse vem e não vai de comunicação.

Até aqui me sentia tranquila com sua evolução no conhecimento e narrativa dos fatos e acontecimentos desse mundo novo para você. Ver pelos seus olhos dava um frescor às notícias. Não sentia a menor necessidade de interferir ou opinar sobre análises, descobertas que iam se descortinando nas suas cartas. Nosso sempre surpreendente cotidiano, a interlocução com os ilustres visitantes intergalácticos que circulam por aí... Tudo ia bem. Mas não vai mais.

Cabe a mim, quebrando a redoma de ouro do silêncio voluntário, alerta-lo de forma clara e contundente que algo está errado no sistema de codificação dos relatos dos últimos capítulos da saga brasileira.

Lamento que meu isolamento não permita uma abordagem 100% objetiva do problema. Algum defeito mecânico, orgânico, cibernético ou, quem sabe, biológico. Essa definição está fora do meu alcance com o pouco que sei da vida na Terra.

Só posso afirmar, de forma categórica, ter algo errado no front da sua narrativa épica sobre os últimos acontecimentos. Além de um toque alucinógeno, consigo sentir notas de descompasso neurológico e ausência prolongada de conexão com a realidade.

Senão vejamos, caro e desorientado simbiótico amigo das estrelas. “Independência ou morte” é o grito de D. Pedro de Alcântara que consolidou a separação do Brasil de Portugal. Ano que vem será o bicentenário da data, sabia? Motivo de comemorações. Não é justo que também seja o primeiro das comemorações de um monumental fiasco no Eixo, como você tenta descrever.

Não bastasse a pandemia, a delta, a inflação, as crises: energética e alimentar, desemprego? Só pode ser delírio a existência da inexistência de um pingo de juízo da massa que se reuniu sem seguir protocolos, como usar máscara e não aglomerar, em vários pontos do Brasil para se manifestar. O que esse povo (não) tem na cabeça?

Pluct Plact, acorda! Quem seria tolo a ponto de ir se grudar nas multidões e acampar na secura insuportável de setembro em Brasília fantasiado de Copa do Mundo?

Amigo, deu tilt na sua placa mãe. Zé Trovão é um peão, personagem de uma novela da extinta TV Manchete, interpretado por Almir Sater (que, se bem entendi, é o dono de um dos aviões levados na mão grande ali de Aquidauana/MS, onde vão rodar o remake de Pantanal). Coincidências existem, reconheço, mas esse outro Zé Trovão é Trojan, cavalo de Tróia que se insinuou na confusão mental dos slots da sua narrativa, só pode.

Quer a prova? Onde já se viu a interrupção de uma partida de futebol entre o Brasil e a Argentina? Um formulário da Anvisa concursado provocar um evento sísmico desse porte! Como essa estupidamente bela lua cheia, o feito esportivo argentino obscureceu, inclusive, as Paraolimpíadas.

A Covid-19 está passando uma rasteira tsumamica nos paradigmas do terceiro milênio. Quem viver verá as consequências, se acreditar nelas.

E aí está a prova definitiva da desorientação da sua última cartinha. Reproduzo: “Fuga! acampamento, caminhões, reza, verde e amarelo, impeachment, Zé Trovão, STF, caminhão de som, invasão, Esplanada, Hino Nacional, bandeira, bloqueio nas estradas, vídeos, áudio presida, fake, Tarcísio, verdadeiro, Otone, falso, tira caminhão, fica, estado de sítio, Barroso, Senado, Zambelli, cara na porta, presidente, ultimato, México, barreiras, flopou, nota, Moraes, live...”

Cá entre nós, amigo das estrelas, elas estão dominando sua mente. Você precisa se realinhar. É muita informação para desenhar a lambança que pode se resumir numa simples hashtag #forabolsonaro

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... 


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12 de ago. de 2021

Ao sabor - crônica de Valéria del Cueto


Ao sabor

Texto e foto de Valéria del Cueto

Com o fim dos jogos olímpicos de Tokyo 2020 em 2021 o esporte liberado é perseguir o sol e o calor numa montanha da serra fluminense. Caprichosos, os raios do “astro rei” requebram na varanda do lado norte da casa encarapitada na encosta.

Claro que o requebro não se dá por seu movimento leste/oeste, nem pelos obstáculos da construção, projetada para acolher seu calor. No inverno protegendo e no verão refrescando seus habitantes (os quartos ficam para o lado sul e os reflexos ao cair da tarde são belíssimos).

São as nuvens da franja final de mais uma frente fria que fazem o esquenta/esfria de quem estiver ávido para armazenar um pouco de calor nesse inverno incomumente rigoroso no Rio e outras parte do país. Elas dançam embaladas pelo vento querendo chamar a atenção para seus movimentos imprevisíveis.

Primeiro escurecem o céu como uma parede e esfriam a varanda, obrigando um movimento na direção da camiseta e da camisa de flanela que, assim como o moletom, foram sendo retirados com muita alegria anteriormente quando o corpo foi ficando quentinho e aquecido no lagarteio.

Aí, já rolou a primeira olhada para o paredão cor de chumbo. Ele se apresentou compacto. Perseguia umas nuvenzinhas apressadas que pareciam passar pelos ramos mais altos das árvores da Mata Atlântica que emolduravam o céu antes azulzinho, azulzinho.

Parece que a resenha “quarar ao sol” terá que ser encerrada. Recolhe-se os objetos ao redor. Moletom ainda não vestido, celular, bolsa com a máquina fotográfica, caneca de chá...

Só deu tempo de estruturar o conteúdo do texto em pensamento. Seria o mesmo tema que rola de quatro em quatro anos. O êxito individual e a falta de incentivo aos esportes de base como parte da estrutura educacional no crescimento, inclusive emocional - já que o assunto pipocou nessa edição olímpica, de nossos estudantes e novas gerações de talentos.

Força de vontade, foco, disciplina e resiliência são algumas qualidades desenvolvidas no cotidiano de um ambiente esportivo. Assunto pra mais de metro.

Tudo pensado antes da passagem das nuvens na Sapucaí térmica de Araras. Elas estão para o texto como o DJ que tomou de assalto as provas brazucas no Japão.

Ele não era o objeto dos eventos. Se destacou agregando um novo sentido à sua função precípua (vai pesquisar a palavra pra aumentar seu vocabulário) ao usar seu “setlist” para criar uma nova camada de comunicação ao dialogar e incentivar, não quem seria seu público inicial, as torcidas presenciais inexistentes nos espaços esportivos, mas com os espectadores que acompanhavam as competições do outro lado o mundo.

O DJ Stari mandou seu recado e contextualizou sua narrativa amarrando pontas até então intocáveis(!?). Estimulou, também, o entusiasmo dos jogadores. Ligando personagens e momentos especiais com as músicas do set, preencheu um vácuo. Mandou a letra, soltou os bichos e conectou dois pontos desse mundão. Ecoou.

Como as nuvens que gritam por atenção! Trocaram a configuração de parede para um entra-e-sai da frente do sol, num vai-e-vem de frio e calor. É tanto tira-e-bota camisa, moletom, meias e alpargatas que escrever que é bom, nada.

Diz que vai esquentar enquanto esperamos os Jogos Paralímpicos. Mesmo assim, é melhor brincar com as nuvens de “cadê o sol” e usufruir dos caprichos do vento.

É ele quem, na realidade, manda no pedaço. Apesar de não vê-lo podemos senti-lo e ouvir sua voz enquanto movimenta as nuvens que têm poder de apagar o sol e proporcionar, ou retirar, o calor que nos aquece.

Mais ou menos como aquele, a divindade que nos conduz. Múltipla, plural, incompreensível e que você leva, ou não, no coração...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

27 de jul. de 2021

Força maior - crônica de Valéria del Cueto

Força maior

Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse veranico de julho é de lei! Andava com saudades. Danadas. Ano passado praticamente passou batido. Sem a relativa margem de segurança que a vacina e os protocolos proporcionam a ida ao Arpoador para usufruir do combo sol, sal e areia, mar, céu e calor no inverno ficou praticamente inviável.

Ano passado, disse, e sinto que você, leitor das crônicas do Sem Fim, entendeu a sutileza do recado.

Pois é, caderninho no colo, canga colorida, mochila com a alça presa no braço, havaianas viradas de barriguinha pra baixo, que é para não queimar os pezinhos quando for calçá-las na saída, e eis-me aqui. Caneta em punho riscando a folha pautada, texteando no Arpex, Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil.

Mal comparando, o dia de hoje é como a pausa olímpica que encanta nossa rotina, agora nas ondas do fuso horário do Japão, no outro lado do mundo.

Um refresco emocional para quem está vivendo o reality show da pandemia que se desdobra em capítulos e reviravoltas na CPI da Covid, a estrela da política brasileira, que anda levantando a beira do tapete do sempre surpreendente cenário nacional.

É, tipo assim, um respiro em que temos ídolos olímpicos, histórias edificantes e até uma fadinha de verdade que leva a gente em seus voos saltitantes. Logo ali.

Aqui ao lado vejo pranchas sentinelas cujas sombras crescem surfando na areia ao cair do sol. Fotografo a mensagem. Sei lá, né? E não é que deu o não tão midiático Ítalo Ferreira na cabeça?

As férias um dia acabam, em todos os sentidos. Primeiro, voltam as aulas logo depois da próxima frente fria acabar com o refresco do veranico.

Talvez quando você estiver lendo essa crônica, o bicho frio já esteja chegando e pegando. No Sul, já quase é. O corre começou com chuvas lá para as bandas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Mas pode ser que não… A esperança é a última a dizer “pode ir” a esse calorzinho delicioso. Como eu, ela não quer render-se às promessas de frio intenso, geada e neve!

Pensa num azul quase Caribe.  Um mar não muito pesado ainda se desvestindo da força das ondas pós ressaca. O sacode veio na última passagem de massa polar pelo pedaço, antes do sol se reinstalar para manter a lenda viva do veranico.

Pela ordem dos acontecimentos, todos agendados, após o frio quem retorna é a CPI. Vai embolar a programação com o (con)fuso olímpico!

Tem mais um monte de coisas acontecendo, mas só tenho ouvidos para os sons da praia onde se destacam as ladainhas dos pregoeiros que circulam na areia oferecendo seus produtos. A todos os apelos junta-se mais um item à cantoria. O atrativo é a facilidade do pagamento: “Temos PIX!!!”

Aí, chega aquela hora em que passa no miudinho a ideia que nunca devemos pensar, o que dirá formular. “Que dia lindo, o que pode dar errado?”. Pensei, levei, caro leitor, como sempre. Não, não foi o vento. Poderia entrar gelado, encarneirando o mar, levantando areia anunciando a mudança o tempo.

Foi mais simples e definitivo. Quando a cor começou lentamente a empalidecer e perder aquele excesso que sempre deixa marcas? Adivinhou, curioso? Não foi um céu sendo encoberto, nuvens, bruma ou maresia empalidecendo o azul. O azul desbotou as letras, a tinta da caneta que bordava as palavras.

Se despediu lentamente enquanto a maré subia avisando que era hora de recolher a canga, rumar pra casa e fazer o acabamento no restinho de palavras que falta para arrematar a escrevinhação. Rapidamente. Antes do início de outro amanhecer olímpico em Tokyo 2021. O sol ainda ilumina as pranchas para alunos de surf, o esporte em que somos os primeiros campeões olímpicos.   



*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

13 de jul. de 2021

À flor da pele, cronica de Valéria del Cueto


À flor da pele

Texto e foto de Valéria del Cueto

O rendilhado dos raios de sol atravessando as folhagens se projeta nas cortinas cor de mostarda do quarto. Ditam a hora do primeiro movimento do dia.

Ainda é um esforço pequeno, apenas o suficiente para jogar o edredon de lado, chegar ao pé da cama e abrir as janelas deixando a luz solar que ultrapassa a borda da montanha entrar e aquecer a parede da estante e da escrivaninha, passeando ao lado do notebook detentor de escritos, imagens e segredos.

O murmúrio rouco e contínuo do riozinho predomina até os passarinhos começarem a algazarra intermitente entre as espécies que visitam a mangueira, a goiabeira as bananeiras e o bambuzal, do outro lado do fluxo da água, pirulitando entre as folhas e sacudindo os galhos, única forma de pressentir a dança das espécies que circulam na floresta.

É melhor nem respirar e evitar movimentos bruscos. Eles podem atravessar a cantoria e alertar a passarada da presença do ser estranho que espreita o espetáculo. Humanos assumidos não são bem-vindos na colorida e inquieta festa matinal, só os que aceitam a imposição da exigência da imobilidade e conseguem adequar o ritmo da respiração à sintonia da mãe natureza.

Até o acionamento da máquina fotográfica tem que ser delicado, nada brusco. Lento e seguro como o dedo no gatilho de uma arma. Que comparação terrível. Mas é verdadeira. O “tiro” da imagem não pode ser brusco. Tem que ser leve e constante. Quando se alcança essa afinidade os passarinhos quase fazem poses dançando, nesse caso, nos galhos e folhas largas do mamoeiro.

Depois é tempo de seguir o fluxo do riacho indo pela estradinha de terra que ladeia a água, cruzar a ponte de madeira, atravessar o gramado e, fazendo um esforço imenso para não se perder do objeto de desejo, evitar - não sem marcar a luz especial, a tentação de parar para “desenhar” com a máquina fotográfica as muitas flores e a vegetação. Elas tremulam com a brisa acenando suas cores em busca de atenção, o que desviaria o foco ainda não alcançado do projeto da manhã ensolarada de inverno.

As pedras do riozinho por onde a água cristalina brinca de deslizar é o destino quase inalcançável. São muitas as tentações. O guia sonoro fica mais definido a medida em que a aproximação da margem vai sendo feita. É o som da água que muda sua linguagem acrescentando tonalidades e notas, agora distinguíveis e estimulantes, diferentes do murmúrio rouco do despertar.

Tentar entender o diálogo das nuances do encontro das pedras com o serpentear aquático que forma cachoeirinhas, redemoinhos, ou se espreguiça nos remansos arenosos, é tão impossível quanto assistir um filme turco sem legenda. Mal dá para distinguir o início, o meio e o fim das frases dos diálogos, o que dirá compreender as palavras. Traduzi-las então...

O fluir deslizante no leito pedregulhento é assim. A gente, no máximo, capta o sentimento, a energia despendida no movimento capturada pelos reflexos espelhados que mudam de cores e alteram suas múltiplas tonalidades dependendo do ângulo, da intensidade e dos caprichos dos raios de sol.

Pensa no que acontece, por exemplo, com o passar festivo das nuvens ligeiras que sassaricam ao sabor das brisas e correm quando fustigadas pelos ventos. Lembre-se que falamos de um dia ensolarado.

Tudo é leve. Profunda, só a percepção para acionar a camada da sensibilidade (capaz de detectar a sutileza dessas nuances) e a memória. Ela, que permite esse registro. Feito no inseparável caderninho que vai sendo escrevinhado sobre a canga que protege a pele do cimento da piscina de água natural, abastecida pela bica que vem da mina, exigindo atenção com seu som forte e constante.

Assim vai se derramando e ritmando as palavras dessa que é mais uma crônica @no_rumo do Sem Fim...  

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

28 de jun. de 2021

8.916.100.448.256 = 12¹² - crônica de Valéria del Cueto


8.916.100.448.256 = 12¹²

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista. Que desafio virou trazer notícias pelo raio de luar. O que já foi prazeroso está se transformando num esforço hercúleo com variantes quase infinitas, como o vírus da Covid-19.

Se o semideus da mitologia grega cumpriu 12 trabalhos, no mundo contemporâneo eles não seriam multiplicados, mas elevados a sua própria potência (12¹²). Não precisa calcular esse número trilhométrico, amiga voluntariamente enclausurada, basta olhar para a nesga de céu da janela de sua cela e amplificar o número de estrelas que você enxerga para uma parte considerável da abóbada celeste e... voilá!

Assustei, né? Essa é a sensação que tenho e não consigo disfarçar (nem por uma boa causa) como é difícil manter-me fiel as conversa pelo raio de luar que a conecta com o mundo exterior.

As demandas intergalácticas são tantas! A tarefa de interlocução e tradução das pouco sutis intervenções humanas no curso dos acontecimentos dessa galáxia me consomem.

É muito complicado explicar aos seres extraterrestres que requisitaram minha expertise a velocidade e o rumo dos eventos produzidos pelos humanos, especialmente os de forma voluntária. Por exemplo: como e por quê alguém se acha no direito de lotear a Lua e, até, Marte? Quando eles, os visitantes, voltam seus sentidos para o conjunto da obra planetária as coisas se complicam mais ainda...

Quanto mais tento explicar que em meio a barbárie travestida de sofisticação tecnologia há, sim, um fio de esperança e a possibilidade de avanços da raça humana, mais os fatos me contradizem. É tiro, porrada e bomba para todos os lados.

Massas de refugiados, povos originários sendo atacados, dizimados e usurpados, grandes potências se enfrentado por um poder efêmero (como a história já cansou de comprovar), o número crescente de esfomeados e novas formas pouco sutis de escravidão. Claro que há, por parte de alguns poucos, um enorme esforço pelo bem comum. Porém, essa guerra está sendo perdida em várias frentes, infelizmente.

Cronista, eles não se satisfazem em causar destruição entre sua própria raça. Estão determinados a dizimarem outras espécies em prol de sua ganância insaciável. O planeta não está aguentando o impacto de tanta expropriação de seus recursos naturais.

A natureza reage e contra-ataca mandando alertas desesperados e mostra, por exemplo, com o vírus que evolui mais rápido que a ciência, quem dará as ordens no quesito evolutivo.

Não é possível que seres capazes de criar maravilhas partam para a ignorância de uma forma tão autodestrutiva. Só penso num personagem que você me apresentou quando, ainda cheio de ingenuidade, desembarquei por aqui. Santos Dumont, o pioneiro em fazer um objeto mais pesado que o ar voar (outros estavam chegando junto). Mas o que você me fez observar foi a decepção do inventor quando viu seu sonho virar uma máquina de guerra destruidora.

É isso que os deuses devem sentir em relação a sua criação, o ser humano. Por isso eles devem ter desistido da espécie. Os criadores abandonaram as criaturas. E eu, pobre Pluct Plact, não tenho mais argumentos para evitar o destino. Essa praga não pode se apossar de outros mundos!

O que me diferencia dos demais visitantes é que, na nossa osmótica convivência, quando aprendi a chorar também descobri um dos sentidos de amar, que é o não abandonar.

Por isso, me uno a você no seu silêncio e isolamento, (a forma mais digna de não se deixar vencer pelos inimigos, os arautos da morte de da destruição quando perdemos as forças), até que a sorte nos favoreça e, revigoradas, as energias divinas restaurem a sinergia natural de Gaia: a esperança no renascimento da vida...

*Essa Fábula Fabulosa é dedicada a Enock Cavalcanti e espero que responda a sua pergunta “vertical”

**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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15 de jun. de 2021

Ruptura - crônica de Valéria del Cueto



Ruptura

Texto e foto de Valéria del Cueto

Nem é preciso abrir os olhos. Basta aguçar os demais sentidos. Os sons não ferem.

O do fundo é contínuo. Água correndo nas pedras, mas não muita. Um murmúrio alto em tempo de pouca chuva.

Um pássaro solitário cantante e um grilo quase falante de tão animado discutem! Também dá para perceber a conversa mansa do bambuzal, mas só quando venta.

Nada de tecer comparações, que é para não precisar fazer um exercício de memória e transpor para o papel a tortura dos meses a fio de enclausuramento.

Os cheiros também são outros. Até o de comida, única possível semelhança entre os ambientes.

Terra, plantas, flores e frutos. Carambola. O de cachorro molhado também.

Sangue bom é um vira-latasss aventureiro e, quando volta das viralatices que podem durar vários dias, vem todo estropiado. E fedorento...

Mesmo sem nenhuma tentativa de aproximação escolheu a mesa baixa da varanda, junto ao interruptor da luz pra se recuperar das estrepolias.

Dependendo da direção do vento o cheiro de cachorro molhado chega até a rede que balança tão vadia quanto ele.

Quando o vento muda de lado as roupas penduradas nos varais próximos da lavanderia exalam um leve perfume enquanto secam num vai-e-vem. Tão preguiçosas ao sol do pé da serra.

O tempo do tempo mudou, mas continua sendo pouco, seja na cidade ou por aqui. Ainda falta tempo para fazer um monte de coisas, tudo no seu próprio tempo. Que urge, porém não se adianta.

A rotina agora é outra. Também marcada pelas risadas, correrias e a gritaria animada das menininhas felizes, sapecas e saltitantes que se sobrepõe ao cantar distante do galo equivocado. Sempre às quatro horas da tarde.

Daqui a pouco começa a esfriar. O sol está caindo cedo...

Ah! Tem o céu. É o mesmo. Só que o daqui é emoldurado pelas copas das árvores gigantescas que fazer um desenho aleatório e filigranado contrastando com o azul, o branco e o cinza plúmbeo, mais pesado.

Nessa época a chuva é pouca. Num amanhecer seus sinais eram visíveis nas gotinhas dançarinas refletindo a luminosidade que brincavam de quase cair pela beirada do telhado da varandinha.

Dava pra vê-las do posto de observação. Dava até para tentar igualar o ritmo das idas e vindas com a queda dos pingos.

Leva tempo para sincronizar os movimentos. E tempo, sabemos, temos só algum. Porém não para muitas gotas.

Pra acabar com a experiência bate um sopro de vento da nuvem de algodão que passa rápida. Não muito forte.

O suficiente para jogar por terra a brincadeira junto com a pingação se precipita da calha, reanimada com a água derramada pelas folhas das árvores em cima da casa.

O sol reaparece, as roupas tremulam na corda e o dia recomeça.

O tempo já não nos pertence. O dono dele é o cheiro forte que vem da cozinha. Sangue bom se anima, sabe o que o espera.

Hora de tomar um café...     

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

11 de mai. de 2021

Contas de luz, rosário de Deus - crônica de Valéria del Cueto


Contas de luz, rosário de Deus

Texto e foto de Valéria del Cueto

Sumi na fumaça, cronista. Voltei na cauda do foguete chinês desgovernado e dei um mergulho olímpico na sua passagem celestial por Santa Catarina. Não tenho desculpas para ausência além dessa osmose cósmica que me faz cada vez mais humano na tentativa de, ao assimilar seus atos, entender (um pouco) suas atitudes. Sei que é complexo e não imagino a que ponto irei nesse processo. Me assusto diante de ações (ou falta delas) como essa. Combinado não é caro e tinha (ops, quer dizer, tenho) o compromisso de mantê-la conectada a realidade.

Pensando bem, diante das últimas essa pode ser uma razão para, justamente, rarear as comunicações com você, cronista voluntariamente encarcerada do outro lado do túnel. Minha parte não tomada pela crueldade humana reluta em transformar nossa conversa ao luar num rosário de, no mínimo, vinte e nove contas que se juntam as centenas de milhares elevadas em orações dedicadas aos deuses por aqui cultuados.

Essa força poderosa, a energia positiva por elas gerada, não está sendo suficiente para amenizar tanta maldade. Foi a onda de ódio e a barbárie que juntaram ao rosário as vinte nove contas que mencionei. Vinte e oito vieram da favela carioca do Jacarezinho. De uma chacina que ensanguentou casas, ruas e vielas marcadas pelas balas da guerra que se instalou, apesar da proibição do STF da realização de operações durante a pandemia. A incursão foi realizada pela Delegacia de Proteção ao Menor e ao Adolescente, acredite.

“Tudo bandido”, cravou Madame Mourão, a vidente que habita o vice presidente brasileiro antes da divulgação dos nomes dos 27 mortos, o que só aconteceu mais de 24 horas depois do confronto que barbarizou a comunidade numa manhã do outono carioca. A vigésima oitava ou, talvez, uma das primeiras vidas perdidas foi a de um policial civil. O mundo pede explicações.

Por aqui tentam entender o aumento da violência inexplicável em ataques como o de um adolescente que entrou numa creche e tirou a vida de professoras e bebês em (que ironia) Saudades/SC. Mas não é só no Brasil. Segue o sacode no mundo...

Tem conflito pra todo lado enquanto a epidemia da Covid-19, que está na fase 4.0 de suas mutações, explode! A Índia é o epicentro. A quebra das patentes das vacinas é discutida e apoiada, pasme cronista, por Joe, o presidente dos USA. A atitude surpreendeu o mundo. A Alemanha, por exemplo, não apoia. O Brasil da CPI também não. A tese da imunidade de rebanho está levando um baile do poder avassalador das mutações do vírus.

A cloroquina continuava nas orientações do Ministério da Saúde até levantarem a bola na sessão da CPI com o Ministro da Saúde, o quarto do governo atual. O terceiro, o general da logística, refugou e seu depoimento foi adiado por 15 dias.  Agora, temos o BBBdaCPI, o “Big Brazilian Baixaria” com altas audiências e poucas vacinas. Tema que promete incendiar essa semana, inclusive com a convocação do chefe da Secretaria de Comunicação do governo que, dias atrás, teceu críticas ao 03, seu ex-colega de ministério. Confuso? Piora. Ele vai esclarecer seu papel nas conversações com... a China!

Aquela que o presidente e seu zeros filhos continuam atacando, aquela de onde vem o componente para as vacinas que poderia salvar vidas e diminuir as contas do imenso rosário de perdas e saudades, sentimento amplificado nas orações insuficientes para romper essa corrente de maldades que sufoca a alegria desse mudo.

Cronista, sei que a conta ainda não fechou. Falei em 29 contas no rosário. A última simboliza as centenas de milhares que a antecederam. Pediu pela vacina, ajudou a quantos pode, foi homem para ser mulher, lutou como um leão... foi a mãe de todos! Sucumbiu para brilhar no firmamento, seu novo lugar.

Quem esperava a volta do desgovernado foguete chinês viu o que eu vi quando “jumpei” em Santa Catarina. Lá ia ele, Paulo Gustavo, seguindo no sentido oposto. Como tantos, foi chamado. Vai bagunçar o coreto, acabar com a seriedade, embaralhar os fios e alegrar o rosário de luzes que enfeita do céu, repleto de estrelas como ele...     

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval.

Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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20 de abr. de 2021

Danço eu, dança você - Fábula Fabulosa de Valéria del Cueto


Danço eu, dança você

Texto e foto de Valéria del Cueto

Que o raio de luz do luar, esse que invade sua cela, querida cronista voluntariamente isolada do outro lado do túnel, seja suficiente para iluminar sua alma e gerar o perdão que agora, euzinho, Pluct Plact, o extraterrestre, peço por minha ausência, cada vez mais prolongada. Juro (humanamente) que vou mudar de atitude.

Seu amigo está exausto de tanto interlocutar! Quantas vezes procurei um tempo para atualiza-la sobre os últimos eventos planetários. Não consegui abrigo num pôr do sol que estimulasse o exercício (tão prazeroso antigamente) de procurar assuntos que fisgassem sua imaginação e funcionassem como estímulo à manutenção do seu fio terra.

Foi nele que me enrolei nessa tarefa hercúlea de intermediar os contatos entre os seres intergalácticos que chegam e os locais. Não consigo desenrolar o mapa mundi do panorama mundial com a mesma clareza e generosidade que você, cronista, me aplicou nos nossos diálogos pela janela da cela. Não há luz do luar para dourar a pílula dos fatos que por aqui se desenrolam.

Não tem sequência de jogada de xadrez tridimensional capaz de provocar uma mexida tão radical no tabuleiro quanto as que tenho registrado meticulosamente. Haja nuvem e capacidade de combinação no banco de dados.

Para começar, existimos oficialmente! Reconhecidos pelo Pentágono. Também, como permanecer incógnito depois do deslumbrante desfile dos faraós pelas ruas do Cairo? Todas as divindades ali, a céu aberto, solenemente conduzidas pela avenida cenograficamente iluminada... Não, não foi um desfile de carnaval (tá com saudades, é? Pois vai ficando). Foi à vera, foi real e atraiu energias poderosas, desconhecidas para terráqueos. Nem você, cronista aluada, imagina o que aconteceu com o equilíbrio dos visitantes. Tipo um gole único e completo numa dose dupla de Jack Daniel’s. Bateu e voltou.

Enquanto batia e, na embriaguez as naves pirilampearam despidas de discrição em vários pontos do planeta, a galera liberou geral. No sentido mais amplo e irrestrito da expressão. Até o ex-presidente Lula recebeu passe livre, acredite! A chacoalhada energética produziu outros fenômenos numa cadeia improvável de modelagem (anda na moda com os estudos estatísticos da covid-19) inalcançável, como um desvio de trajetória ocasionado por um acidente de percurso.

E voltou. As coisas iam de mal a pior com o “coiso do meu”. Meu exército, meu poder, meu (des)governo encaminhando o país da pandemia ao pandemônio anunciado e, sabemos, inevitável, garante a modelagem (de novo ela). Povo na corda bamba, economia no V de vão sem fundo, inflação que nem pipa em vento ascendente, falta de hospitais, médicos, insumos, vacina, vergonha na cara. E o Centrão centrão. Sugando o sangue coagulado da facada eleitoral no povo, pra variar, bucha de canhão.

Com a boiada ambiental passando sob os olhos coniventes de quem jurou defender o Brasil e a Amazônia vendados por cargos comissionados da estrutura do governo, dançaram as florestas, os índios, as riquezas naturais. E não é um minueto. É o funk do quadradinho com todas as expressões sexuais que se aprende no TikTok. Estão arrombando a festa!

Então, antes que você me pergunte, com seu olhar de Capitu enluarada, por que estou desenrolando esse babado? Mando na lata: agora é a hora do miudinho! Chamaram na chincha a diretoria do governo genocida.

Aqui, tem CPI pelo conjunto da obra negacionista xexelenta no gerenciamento da pandemia. 375 mil mortes depois...

Na Cúpula do Clima, convocada pelos USA, diante das maiores nações do mundo, sob o peso de um aumento de 216% de desmatamento na Amazônia Legal em relação a março do ano passado, haverá 3 minutos de “explicação” do inexplicável e promessas minúsculas, diante dos estragos e o desmonte feitos na estrutura de proteção ambiental nos últimos 2 anos.

Tudo isso de pires na mão diante de quem, até outro dia, contrariando os princípios da diplomacia, o que fazia o negacionista? Negava. Justamente a lisura da eleição alheia. É palpite infeliz que chama a música?

Cronista, estou quase humano. Estou usando você. Transformando essa cartinha numa isca para ouvi-la gritando aos quatro cantos da cela em sua imaginação enclausurada por suas paixões viscerais. As águas, o Pantanal, A Amazônia, matas, rios, o meio ambiente. Enlouquecidamente!

Essa energia gerada da indignação é a única capaz de trincar os escudos da maldade acumulada que sustentam a cunha da destruição planetária. Só esse grito gutural e uníssono de amor e preservação tem poder para impedir a outra opção disponível. E tem que ser pra já. #ClimateAction. Se não forem os próprios humanos, estamos em prontidão para salvar a Terra do perigo eminente.

E você, cronista visionária, sabe perfeitamente qual será o primeiro inimigo a vencer na batalha pela vida no planeta. Aqueles que a ameaçam e destroem...    

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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