Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: setembro 2021

27 de set. de 2021

Vela no breu - crônica de Valéria del Cueto


Vela no breu

Texto e foto de Valéria del Cueto

Para começar, previna-se. Sempre que chegar em algum lugar localize os apetrechos indispensáveis em casos de apagões elétricos. Velas, fósforos ou isqueiro. Também é de bom tom saber onde está - e deixar carregada, a bateria extra do celular se ela existir.

Essas recomendações não se baseiam em hipóteses científicas. São frutos de experiência empírica, ou seja, brotaram de fatos reais. Que o apagão viria e outros virão era sabido. Uns alertaram, outros negaram. Aqueles que, quando negam, a gente tem cer-te-za que vai acontecer. Então, sempre é bom relembrar alguns procedimentos básicos.

Na caída da noite, depois de ouvir o canto de uma cigarra perto do meio dia (sinal de tempo bom), veio um ronco do céu. Olhando para ele uma camada cinzenta encobria o entardecer. Nuvens carregadas se juntando a oeste corriam em direção ao vale. As chuvas começaram a cair já era noite. Os sons foram se transformando regidos pelos raios. Depois dos relâmpagos iluminarem o contorno das montanhas os trovões gemiam, roncavam ou retumbavam.

Foi em meio a essa sintonia celestial, um pouco depois da boca da noite, que a luz começou a piscação. 

Continuamos, agora, as lições. Tire os aparelhos da tomada mesmo que pareça desnecessário. É melhor prevenir que remediar. Nunca se sabe a intensidade do vai-e-vem e dos picos feéricos. Comece pelo wi-fi se estiver num local isolado. E pense na dificuldade de cobrar o prejuízo da operadora de energia.

A lanterna acoplada no celular poderá leva-lo até aquela vela e os fósforos do início da conversa. Um conselho: não abuse do recurso caso não tenha ou não esteja carregada a bateria extra anteriormente também citada.

Se precisar avisar alguém da situação, lembre-se de ser breve. Economize sua carga. Parta do princípio de que nunca se sabe o tempo decorrido entre o início e o fim do apagão. E se der, só se der, mande uma mensagem à empresa de energia para registrar o problema. Ajuda em caso de reclamação. E deu. Esqueça as redes sociais, os joguinhos...

Ah, se a fome chegar não esqueça de apelar para o fósforo/isqueiro já mencionados. Não para iluminar a cozinha, mas para substituir o acendedor automático do fogão. É importante um bom posicionamento da fonte de luz, vela ou lanterna. Segurar o celular, riscar o fósforo e girar o botão do fogão é complicado. Mais ainda se a intenção for acender um forno com aquelas grades fixas do grill. A sugestão é apoiar o aparelho na grade para conseguir esgueirar as mãos e acender o fósforo já perto do bico do gás. Operação pouco usual já que os fogões têm acendedor. Elétrico.

Com sorte a luz já deve ter piscado algumas vezes enchendo de esperanças os usuários. Certamente você já terá assuntado para saber a extensão da escuridão. Olha o celular... A bateria está comendo. Sai desse corpo. Já encontrou o que fazer?  Não, rede social não! Música só se tiver equipamento a pilha. Se não, concentre-se no barulho da tempestade caso ela ainda esteja acontecendo. Morando em apartamento, se for sair, lembre-se que se descer tem que subir! Ao contrário do que dizem por aí. 

Encurtando o exercício "do que fazer" vai o caminho das pedras para quem gosta. A opção é ler. Livros! Mais uma pista: o melhor lugar, na hipótese de não ter um lampião (que prático), é numa mesa. Posicione a vela na parte da frente do livro que é para não fazer sombra nas páginas. Evite, por favor, ler na cama. É possível, mas arriscado. E pode dar trabalho. Há uma boa possibilidade de esbarrar na vela. Também é melhor colocá-la num pires com água embaixo. Essa dica é muito útil caso o evitável aconteça. 

Foram mais de três horas no breu total abrindo a temporada 2021. Temperadas por duas horas de muita água e merecidas chuvas para aliviar a terra ressecada. Que cheiro delicioso...

Último conselho. Sabe a louça do jantar? Aquele no escurinho. Deixe para lavar à luz do dia seguinte. Vela, pia e louça, assim como sistema energético mal administrado, costumam dar em quebradeira e gerar muitos prejuízos.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

10 de set. de 2021

Mitolândia - crônica de Valéria del Cueto


Mitolândia

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querido Pluct Plact, amigo extraterrestre.

Antes de mais nada peço que não estranhe essa mudança de sentido em nossa correspondência pelo raio de luar que ilumina minha cela do outro lado do túnel. Pela primeira vez (que me lembre) inverto a mão desse vem e não vai de comunicação.

Até aqui me sentia tranquila com sua evolução no conhecimento e narrativa dos fatos e acontecimentos desse mundo novo para você. Ver pelos seus olhos dava um frescor às notícias. Não sentia a menor necessidade de interferir ou opinar sobre análises, descobertas que iam se descortinando nas suas cartas. Nosso sempre surpreendente cotidiano, a interlocução com os ilustres visitantes intergalácticos que circulam por aí... Tudo ia bem. Mas não vai mais.

Cabe a mim, quebrando a redoma de ouro do silêncio voluntário, alerta-lo de forma clara e contundente que algo está errado no sistema de codificação dos relatos dos últimos capítulos da saga brasileira.

Lamento que meu isolamento não permita uma abordagem 100% objetiva do problema. Algum defeito mecânico, orgânico, cibernético ou, quem sabe, biológico. Essa definição está fora do meu alcance com o pouco que sei da vida na Terra.

Só posso afirmar, de forma categórica, ter algo errado no front da sua narrativa épica sobre os últimos acontecimentos. Além de um toque alucinógeno, consigo sentir notas de descompasso neurológico e ausência prolongada de conexão com a realidade.

Senão vejamos, caro e desorientado simbiótico amigo das estrelas. “Independência ou morte” é o grito de D. Pedro de Alcântara que consolidou a separação do Brasil de Portugal. Ano que vem será o bicentenário da data, sabia? Motivo de comemorações. Não é justo que também seja o primeiro das comemorações de um monumental fiasco no Eixo, como você tenta descrever.

Não bastasse a pandemia, a delta, a inflação, as crises: energética e alimentar, desemprego? Só pode ser delírio a existência da inexistência de um pingo de juízo da massa que se reuniu sem seguir protocolos, como usar máscara e não aglomerar, em vários pontos do Brasil para se manifestar. O que esse povo (não) tem na cabeça?

Pluct Plact, acorda! Quem seria tolo a ponto de ir se grudar nas multidões e acampar na secura insuportável de setembro em Brasília fantasiado de Copa do Mundo?

Amigo, deu tilt na sua placa mãe. Zé Trovão é um peão, personagem de uma novela da extinta TV Manchete, interpretado por Almir Sater (que, se bem entendi, é o dono de um dos aviões levados na mão grande ali de Aquidauana/MS, onde vão rodar o remake de Pantanal). Coincidências existem, reconheço, mas esse outro Zé Trovão é Trojan, cavalo de Tróia que se insinuou na confusão mental dos slots da sua narrativa, só pode.

Quer a prova? Onde já se viu a interrupção de uma partida de futebol entre o Brasil e a Argentina? Um formulário da Anvisa concursado provocar um evento sísmico desse porte! Como essa estupidamente bela lua cheia, o feito esportivo argentino obscureceu, inclusive, as Paraolimpíadas.

A Covid-19 está passando uma rasteira tsumamica nos paradigmas do terceiro milênio. Quem viver verá as consequências, se acreditar nelas.

E aí está a prova definitiva da desorientação da sua última cartinha. Reproduzo: “Fuga! acampamento, caminhões, reza, verde e amarelo, impeachment, Zé Trovão, STF, caminhão de som, invasão, Esplanada, Hino Nacional, bandeira, bloqueio nas estradas, vídeos, áudio presida, fake, Tarcísio, verdadeiro, Otone, falso, tira caminhão, fica, estado de sítio, Barroso, Senado, Zambelli, cara na porta, presidente, ultimato, México, barreiras, flopou, nota, Moraes, live...”

Cá entre nós, amigo das estrelas, elas estão dominando sua mente. Você precisa se realinhar. É muita informação para desenhar a lambança que pode se resumir numa simples hashtag #forabolsonaro

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... 


Studio na Colab55