Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: abril 2022

28 de abr. de 2022

Enfim, o título da Grande Rio. Fala, Majeté! - por Valéria del Cueto

Foi na encruza de Duque de Caxias que a esperança acendeu e firmou o ponto no carnaval 2022.
Enfim, o título da Grande Rio. Fala, Majeté!

“Fala Majeté! Sete Chaves de Exú” mostrou que o caminho para o título tão almejado nunca foi o do luxo e dos famosos que fazi am a fama da Grande Rio.

O pote de ouro no final do arco-íris estava bem ali, nas ruas, nas feiras, no carnaval, nas encruzilhadas, na história de Estamira, a catadora de lixo com problemas mentais, retratada no documentário de Marcos Prado, no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, que conversava com o orixá pelo telefone.

Confeccionado com restos de material do barracão, o carro da Grande Rio é uma obra de arte.

A façanha inédita era o objeto de desejo da comunidade de Duque de Caxias, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, desde que a Grande Rio ancorou definitivamente no Grupo Especial, em 1993.

Seu desfile seduziu o público presente no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Ficará na memória como um dos mais empolgantes do… século!

A forte mensagem do Salgueiro: Resistência!

Não foi exatamente um carnaval tranquilo. A começar pelos problemas de estrutura, o que é de se estranhar depois do período conturbado de Marcelo Crivella na Prefeitura do Rio. Quem pensou que Eduardo Paes pegaria o trem na estação onde desembarcou no final de seus 8 anos de prefeitura perdeu feio a aposta.

Do credenciamento conturbado, passando pela falta de segurança no entorno e a precariedade do sistema de transporte, até chegar a estapafúrdia novidade, a iluminação milionária da pista, o que se viu foi uma sequência de erros e equívocos inaceitáveis para quem não era marinheiro de primeira viagem.

Mesmo assim, Dudu Boa Praça fez a fama e se sentiu à vontade pontificando em cada escola mostrando sua  intimidade com o povo do samba.

A nova iluminação da pista cantada em verso e prosa é, para dizer o mínimo, um desconforto para o público nos intervalos entre as apresentações. Ninguém via ninguém entre as idas e vindas erráticas dos fachos de luzes e a troca das cores performáticas do equipamento composto por 144 moving lights, 144 projetores de led, duas mesas de controle DMX, rede de controle, 24 quilômetros de fibra, etc, ao custo aproximado 16 milhões de reais.

Nos desfiles a luz fixa, mas irregular, dificultou os registros de vídeos e fotos e, com desenho luminoso antes e depois das escolas, se perdia a profundidade das imagens. Prejuízo geral. Especialmente para quem pagará a extravagância desnecessária gerada por meio de uma Parceria Público Privada: o povo carioca.   

No quesito sonorização, em vez de excesso, houve ausência de qualquer melhoria no sistema. Esse, sim, um gargalo que a organização do carnaval não consegue solucionar, apesar de ser elemento essencial ao desempenho das agremiações e solicitação recorrente.

As deficiências foram minimizadas pelas saudades sentidas por milhares de componentes e o público, ávidos por sentirem, novamente, brotar a energia do amor incondicional que o Desfile das Escolas de Samba desperta em cada folião.

DESFILE DAS CAMPEÃS

A forte mensagem do Salgueiro: Resistência!

Foi por um décimo que o Salgueiro ficou entre as 6 escolas do desfile das campeãs. Desbancou a Mangueira, com o mesmo número de pontos da Mocidade, mas uma posição acima pelo critério de desempate. “Resistência”, o enredo de Alex de Souza, é um libelo à força da raça, à luta do povo negro e suas conquistas.

Lucinha Nobre e Marlon Lamar, o casal da Portela.

Resistência segue na fita da segunda escola a se apresentar, agora em sua forma orgânica, o Baobá. “Igi Osè Baobá”, enredo da Portela, fala do pilar que une o céu a terra, a árvore da vida, da… resistência. A porta-bandeira Lucinha Nobre, vencedora do Prêmio Estandarte de Ouro, desfalcará a escola de Madureira. Indo dar um beijo em seu irmão durante a passagem da escola que fechou a disputa do Grupo Especial, no sábado, Lucinha quebrou o pé.
Iaiá do Cais Dourado, do samba enredo de Martinho, representada pelas baianas da Vila.

Esse irmão é Dudu Nobre um dos autores do samba sobre Martinho da Vila que deu o quarto lugar à Vila Isabel num desfile pra lá de animado. Saudar a vida e a carreira do compositor só poderia ser dessa maneira. Uma festa familiar e popular na avenida.  
Eita família animada! Dandara Ventapane, porta-bandeira do Paraíso do Tuiuti, se diverte na homenagem a seu pai, Martinho da Vila.

Essa animação vai continuar com a Viradouro, a terceira colocada. Talvez, sem estar numa disputa, o delicioso samba da “carta sincera” possa ser levado em um andamento um pouco menos acelerado, o que tornará a passagem da escola de Niterói mais leve e solta.
Ludicidade na concepção visual da história de amor do Pierrô da Viradouro.

O quilombo nilopolitano ocupará a Sapucaí ao som inconfundível da voz de Neguinho da Beija-Flor impondo, mais uma vez, a força da comunidade que quase levou mais um título com o enredo de Alexandre Louzada “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”.
Recado do Quilombo Beija-Flor sobre racismo e democracia.

Conhecida como a escola dos globais e do glamour, foi com a chegada de dois carnavalescos que estreavam no grupo Especial, Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que a Grande Rio deu uma guinada na temática de seus enredos. Se voltou para o próprio universo, foi vice no último carnaval. Bateu, mais uma vez, na trave com o enredo sobre o famoso babalorixá Joãozinho da Goméia. O samba dizia: “Eu respeito seu amém, você respeita minha fé”.

Não por acaso o tema deste carnaval foi lançado no dia 13 de junho, dia do orixá Exu. A divindade é o senhor dos caminhos, a energia do movimento que a igreja sincretizou em demônio, em ser do mal. Desmistificar essa visão era um dos objetivos do enredo caxiense que levantou a Sapucaí. Levou o campeonato, o primeiro da Grande Rio.
Oxum é destaque na criação de Alexandre Louzada, carnavalesco da Beija-Flor.

O desfile das Campeãs do RJ será transmitido no sábado, pelo Multishow, a partir das 21:15h, horário de Brasília.

Ordem dos desfiles: Salgueiro, Portela, Vila Isabel, Viradouro, Beija-Flor e Grande Rio.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “É carnaval”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

A pomba-gira e a sedução do povo de rua

Studio na Colab55

21 de abr. de 2022

Valei-nos São Jorge! Um carnaval pra você, por Valéria del Cueto


Desfile de Escolas de Samba no feriado dedicado a São Jorge e ao Choro, no Rio de Janeiro.


Valei-nos São Jorge! Um carnaval pra você.

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Desfile de Escolas de Samba no feriado dedicado a São Jorge e ao Choro, no Rio de Janeiro.

Se alguém contasse, dariam risada da ideia (aparentemente) impossível... Após um ano e outro fevereiro perdido, a disputa carnavalesca carioca de 2022 se realiza nos dias 22 e 23 de abril. Vem depois do descobrimento do Brasil que passou em ritmo das apresentações do Grupo Ouro, o acesso, abrindo os trabalhos da pista do Sambódromo da Marquês de Sapucaí desde quarta-feira. 

Ensaio técnicos, o povo do samba na pista

O Desfile do Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro já chega com mudanças significativas.  Depois da realização do mini desfile de lançamento na Cidade do Samba, em fevereiro, março entrou com a volta dos ensaios técnicos nos finais de semana no Sambódromo, como há anos não acontecia!

Os encontros coroaram o calendário prolongado por mais de 40 dias de preparação nos ensaios das quadras das escolas e ruas das comunidades. Ensaios de canto, bateria, dos segmentos. Como o casal de mestre-sala e porta-bandeira, a comissão de frente, as alas coreografadas. Carnaval não se faz da noite para o dia, o povo do samba trabalha o ano inteiro!

Pista? Sim. Rua, não...

Estão todos ansiosos para botar o bloco na rua. Quer dizer, as escolas na Sapucaí. Porque os primeiros, os blocos, oficialmente não ocuparão as ruas novamente, apesar dos apelos feitos ao prefeito Eduardo Paes. Ele justificou a negativa à realização da folia dizendo que “dá trabalho” montar a estrutura carioca. Fica a pergunta: quem nasceu primeiro, a festa ou a organização?  A resposta está nas ruas da cidade.

Luz, sim. Som? Não...

Também foram feitas mudanças por muitos carnavais adiadas, apesar de exigidas inclusive pelo Ministério Público, na área do Sambódromo. A pista da Marquês de Sapucaí foi recapeada, depois das obras de drenagem e saneamento, a estrutura reformada. A novidade mais chamativa é a nova iluminação cenográfica. Por enquanto os recursos serão usados nos intervalos das apresentações.

A maior reivindicação de todos os frequentadores da Sapucaí, no entanto, segue sem ser atendida. O som da avenida continua precário. Nele, deveriam ser aplicados os esforços para melhorar o espetáculo. Ele, sim, faz parte e interfere na qualidade da maior manifestação cultural do Brasil.

Enfim, era agora ou nunca, como desse, quem pudesse. E, cá pra nós, as escolas e suas comunidades estão ansiosas para ocuparem a pista!

Para quem quiser acompanhar os dois dias de maratona carnavalesca carioca serão transmitidos pela TV Globo, após o horário nobre, e pelo Globoplay a partir das 22 horas. A dica, como sempre, é ver pela TV ouvindo os comentários pelas rádios. A TupiFM - 96.5, por exemplo, segue as imagens com comentaristas como Fábio Fabato e João Gustavo Melo, do canal do youtube Boi com Abóbora, um fenômeno carnavalesco durante a pandemia. Veja no final do texto a ordem das apresentações. 

Pista liberada após a lavagem pelas baianas

Sexta-feira, 22 de abril

A primeira noite será aberta pela Imperatriz Leopoldinense, campeã do Grupo Ouro 2020. Voltando do acesso a verde e branco convocou Rosa Magalhães para lembrar os carnavais de Arlindo Rodrigues, os tempos áureos de escola de Ramos e seu patrono, Luizinho Drummond, com o enredo “Meninos eu vivi... Onde canta o sabiá, onde cantam Dalva & Lamartine"Um diferencial é o samba ter um único autor, Gabriel Melo.

“Se a saudade é certeza / Um dia a tristeza será cicatriz / Eterna seja! Amada Imperatriz!”

Com “Angenor, José & Laurindo” Leandro Vieira também conduz os componentes da Mangueira, a segunda agremiação a se apresentar, a um mergulho na própria identidade abordando ícones da comunidade. Cartola, Jamelão e Delegado representam a poesia, a voz e o corpo em movimento verde e rosa. Esse é um dos sambas de Moacyr Luz que estarão na Sapucaí. Ele também está  na parceria do Paraíso do Tuiuti que abre o segundo dia de desfiles.  

“Mangueira… teu cenário é poesia / Liberdade e autonomia / Que o negro conquistou”

Viviane Araújo, a rainha salgueirense anunciou a gravidez.


O Salgueiro também se volta para seus pilares com o enredo de Alex de Souza “Resistência”. Viviane Araújo, rainha da bateria Furiosa, anunciou recentemente sua gravidez e personifica os versos do samba-enredo.

“Sambo pra resistir / Semba meus ancestrais / Samba pelos carnavais”

O comediante Paulo Gustavo é o homenageado da São Clemente em “Minha vida é uma peça!”. Desenvolvido por Tiago Martins o tema traz, acima de tudo, uma mensagem de esperança, otimismo e apoio à diversidade.

“Rir é resistir, seguir em frente / Paulo Gustavo pra sempre”

Campeã do último carnaval, a Viradouro foi uma das primeiras escolas a anunciar seu enredo logo depois do início da pandemia. “Não há tristeza que possa suportar tanta Alegria,deMarcus Ferreira e Tarcísio Zanon, aborda o carnaval de 1919, o primeiro após a epidemia da gripe espanhola.

O samba causou polêmica nos meios carnavalescos por ser em forma de... carta! O cantor Zé Paulo Sierra e Mestre Ciça estão se preparando para tentar o bi-campeonato apoiados pela comunidade niteroiense, a que bancou a ousadia para declarar o amor do pierrô à sua colombina e à folia.

Encostei os lábios suavemente / E te beijei na alegria sem fim / Carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim

A carta sincera inspira a busca do Bi da Viradouro


Alexandre Louzada, carnavalesco da Beija-flor, avisa no texto de apresentação que “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor, “é de autoria coletiva. Foi escrito pelas mãos, vozes e memórias de cada componente da nossa comunidade”. Emicida também é citado. Neguinho da Beija-Flor como sempre, brilha no samba nilopolitano que fecha a primeira noite de desfiles. Veja o recado:

Cada corpo um orixá! Cada pele um atabaque / Arte negra em contra-ataque

Beija- Flor e o trabalho de excelência da comissão de frente.


Sábado, 23 de abril

Dia de São Jorge e, portanto, de Ogum. Dia de incorporar conhecimentos, cantar em línguas ancestrais, dar passagem às entidades de rua. Se a primeira noite foi de reverência, essa é de referência. São nelas, as referências, que o povo do samba se apegou para navegar na rebarba do tsunami pandêmico que passou por aqui nos últimos dois anos.

O carnavalesco Paulo Barros se volta para a comunidade do Paraíso do Tuiuti em “Ka ríba tí ÿe - Que nossos caminhos se abram”. O samba usa uma palavra recorrente em outros concorrentes: RESISTÊNCIA. É uma das escolas que homenageia Mercedes Batista, a bailarina negra, por seu centenário, assim como a Beija-flor, a Grande Rio, o Salgueiro...

“Tem sangue nobre de Mandela e de Zumbi / Nas veias do povo preto do meu Tuiuti”

Renato Lage e Márcia Lagena Portela, também retornam às origens com “Igi Osè Baobá”, falando do Baobá, árvore que tem um significado especial na cosmologia africana. É a árvore da resistência, palavra, mais uma vez, citada na letra do baobá musical, o samba.

Quem tenta acorrentar um sentimento / “Esquece” que ser livre é fundamento / Matiz suburbano, herança de preto / Coragem no medo!

A Mocidade Independente de Padre Miguel, criou até gíria. O carnavalesco Fábio Ricardo vem “areretizando”. Desenvolve o enredo “Batuque ao Caçador” fazendo a conexão entre o toque para o santo da escola, Oxóssi, e os herdeiros do lendário Mestre André. O da famosa paradinha da bateria “Não Existe Mais Quente”. Entre os autores da composição está Carlinhos Brown.

“Arerê, Arerê, Komorodé / Todo Ogã da Mocidade é cria de Mestre André”

Waranã e a tribo Mawe, tema do enredo da Unidos da Tijuca


Foi mais ano de um período crítico para as etnias e reservas indígenas brasileiras. Ameaçadas por garimpeiros e invasores amparados pelo descaso das autoridades responsáveis e a desconstrução da rede de proteção legislativa que garante seus direitos, inclusive os constitucionais. Coube ao carnavalesco Jack Vasconcelos, na Unidos da Tijuca, abordar a temática dos primeiros habitantes locais contando a história do guaraná em “Waranã – A Reexistência Vermelha”.

“E se a cobiça e o fogo chegarem na aldeia / Deixa a força Mawé ressurgir”

O povo de rua vai passar pela pista da Marquês de Sapucaí em “Fala Majeté! Sete Chaves de Exú”, enredo de Leonardo Bora e Gabriel Haddad. A representante de Duque de Caxias deu uma guinada na temática de seus carnavais e ficou com o vice-campeonato em 2020 falando de Joãozinho da Goméia. Esse ano, mergulha mais fundo no universo das religiões afro-brasileiras em busca do título inédito.

“Boa noite, moça, boa noite, moço... / Aqui na terra é o nosso templo de fé”

Alegorias de mão e muita alegria no ensaio das alas


A noite se encerra com uma celebração. O homenageado da Vila Isabel é da casa e de casa. O carnavalesco Edson Pereira faz azul e branco abraçar Martinho da Vila. É festa do povo do samba no enredo “Canta, canta, minha gente! A Vila é de Martinho”.

“Em cada verso, mais uma obra-prima / Ousar, mudar e fazer sem rima”

BOX

Desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro

Transmissão pela TV Globo, depois do horário nobre e o G1 a partir das 22h.

Sexta-feira 22/04

Imperatriz Leopoldinense

Mangueira

Salgueiro

São Clemente

Viradouro

Beija-Flor

Sábado 23/04 

Paraíso do Tuiuti

Portela

Mocidade Independente

Unidos da Tijuca

Grande Rio

Vila Isabel

Torcidas reunidas para saudar as escolas

Studio na Colab55