A Luiz Soares o que é de Cabeção
Desinformação oficial deturpa e omite a atuação do ex-político mato-grossense
Texto e fotos de Valéria del Cueto
“A história é contada pelos vencedores”. A frase é atribuída a George Wells, autor de “A revolução dos Bichos” e “1984”, na revista britânica inglesa Tribune, em 1944. E ele tinha razão.
Em Mato Grosso, numa instituição que deveria ser guardiã da memória política do estado, a Assembleia Legislativa, uma informação divulgada no seminário de comemoração dos 35 anos da promulgação da Constituição Estadual foi mais um tijolo na construção da “nova” história política local.
A desinformação
Para um documentário, apresentado sem
ficha técnica e, portanto, autoria, sobre os trabalhos de elaboração da
Constituição Estadual de 1989, o atual conselheiro do Tribunal de Contas e ex-deputado
constituinte, Antônio Joaquim deu a seguinte declaração “...Mas no final eu
acho que o deputado Hermes de Abreu propôs muitas coisas inusitadas, modernas.
O deputado Luíz Soares deu uma grande contribuição. Todos os dois também foram
relatores da Constituição Estadual” (aos 13’13” do vídeo do evento). https://www.youtube.com/live/
A verdade
O único relator da Constituição de 1989 de Mato Grosso foi o deputado Luíz Soares, falecido em 16 de junho de 2022. Seu colega, Hermes de Abreu era sub-relator da Comissão de Organização do Estado, Antônio Joaquim foi o sub-relator da Comissão do Executivo, assim como outros parlamentares desempenharam a mesma função nas demais sub-relatorias. No total foram 7 comissões que, depois de sistematizadas, viraram o que foi apelidado pela equipe da relatoria de Frankenstein, tantas eram as demandas apresentadas pelos setores da sociedade. Não foi essa colcha de retalhos que virou o anteprojeto votado pelos constituintes.
Depois de tudo sistematizado Luiz Soares apresentou um substitutivo integral com as inovações mencionadas por Antônio Joaquim. Este material recebeu emendas dos parlamentares e, então, foi concebida a atual Constituição de Mato Grosso, uma das mais avançadas entre as dos estados brasileiros, com a relatoria de um único deputado: Luizinho Cabeção.
Para comprovar, basta olhar na última página da Constituição. Após os Atos das Disposições Transitórias, se encontram os créditos dos parlamentares constituintes. Lá, há somente um relator.
A massificação da desinformação
O documentário, que ilustrou o evento comemorativo dos 35 anos da Carta Magna mato-grossense, uma sessão especial que contou com as presenças dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, autoridades estaduais de todos os poderes e convidados, contém a desinformação que está sendo divulgada nos canais de mídia da Assembleia de Mato Grosso. Até o dia 26 de novembro, somente no youtube, o material já havia sido reproduzido mais de 1.700 vezes.
Segundo o site Isso é Notícias, o concorrido seminário, que durou 2 horas e 53 minutos, foi produzido por uma empresa de Brasília, a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) Ltda, contratada sem licitação pelo valor de R$ 393 mil.
Omissão provoca apagamento
É a História que, mais uma vez, vem sendo alterada, desconstruída e remodelada. Basta abrir o site da Assembleia, que deveria ser um repositório das informações transparentes da rica trajetória política de Mato Grosso, para encontrar outros sinais desse desmonte.
Na lista de parlamentares, desde o falecimento de Luíz Soares, em junho de 2022, seu nome e o link para seu currículo político já não constavam nas 10ª, 11ª, e 13ª legislaturas, as que o parlamentar foi eleito com os votos do povo de Mato Grosso.
A substituição
Agora, verifica-se um acréscimo: pela ordem alfabética dos deputados, no L de Luiz, aparece o nome da Procuradora do Estado Sueli Capitula e a informação de que ela não tinha partido nos períodos em que, supostamente, atuou no parlamento de Mato Grosso.
Informada da inclusão de seu nome na lista de parlamentares estaduais, Sueli deixou nos comentários da postagem da página do facebook do jornalista Enock Cavalcanti, a seguinte mensagem: "Acabei de confirmar que no site da ALMT consta na ordem alfabética, ao invés do nome de Luíz Soares, o meu nome em três legislaturas e nunca fui deputada, na realidade sempre fui cabo eleitoral de Luiz Soares, o deputado que está sendo injustiçado com a omissão do nome dele como um dos mais atuantes da história de Mato Grosso, além de que foi relator da Constituinte de MT e senador...”
Às futuras gerações
Que diferença isso faz para a história política de Mato Grosso? Muita. Para um pesquisador que tentar fazer um levantamento da divisão partidária no parlamento estadual os resultados não serão reais já que, por exemplo, na 10ª e na 11ª Legislaturas, ao retirarem Luiz Soares e incluírem Sueli Capitula, ela sem partido, o MDB perde um parlamentar, alterando a composição das forças políticas na época.
Ao se omitir o nome de Luiz Soares das listagens a base de informações deixa de ser uma opção de fonte confiável dos registros das atuações parlamentares do período, fechando uma linha de pesquisa nas atividades legislativas.
Outra constatação desse apagamento legislativo pode ser feita por meio de uma busca no site da Assembleia. Coloque o nome Luiz Soares no espaço intitulado “O que você procura?” na página inicial. Do parlamentar, que trabalhou na casa fazendo leis por 12 anos, foi 1º secretário da mesa diretora, relator da Constituição, vice-prefeito de Cuiabá, senador, secretário de saúde municipal de Cuiabá, Várzea Grande e do estado de Mato Grosso, aparecem somente 2 referências. Uma de 2003 e outra de 2017.
A história dos vencedores se faz assim, alterando e omitindo dos canais oficiais os feitos dos demais protagonistas dos eventos narrados. O resultado pode ser lido nas obras de George Wells mencionadas no início dessa matéria.
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Reportagem da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com
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