Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA

13 de nov. de 2024

Fica! É tudo deles, crônica de Valéria del Cueto


FICA! É tudo com eles

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista. Vou começar pelo final. FICA! É isso aí. Esta é a ordem. Sim, a ordem que o viajante interplanetário, seu amigo e correspondente, Pluct Plact, ainda pipocando por este mundão que dizem ser de Deus (hipócritas!), tem a lhe dar neste momento. E, pelo visto, por um bom período.

É vero. Sei que ando sumido tentando um jeito de picar a mula desta estratosfera que atua como imã de poluentes e não deixa minha nave intergaláctica alcançar o espaço sideral. O máximo que consigo é pipocar pela crosta terrestre. E, agora, tomando um cuidado extra para não esbarrar na "renda" de satélites distribuídos pelo espaço, antes apenas singelamente celestial, do planeta.

Que perigo, cara amiga. Indico a localização desejada, ligo os instrumentos, os propulsores e tudo vai bem até um satélite borboletante coligir com a nave e desviar sua rota. Sabe em quantos lugares indesejáveis já acabamos, a nave doida e seu amigo aqui, pousando?

Vou resumir em um único exemplo: na faixa de Gaza que, certamente, não é a que mora na sua desatualizada imaginação. Ali agora é terra arrasada. O que era ruim, muito ruim está terrivelmente pior. E não pense que mirei no Líbano, na Ucrânia, nos países africanos conflagrados... Nada disso! Queria chegar no Egito onde continuam descobrindo incríveis resquícios de civilizações antigas que, como a que vejo hoje, entraram em declínio total e desapareceram.

Culpa de um encontro indesejado com um satélite mal colocado! É um perigo real e quase imediato viajar na órbita terrestre. E aqui embaixo também!

Que o diga seu ídolo Zeca Pagodinho. Precisou expulsar do palco um drone enxerido e atrevido no meio do seu show. O danadinho do artefato tirou a concentração do cantor, atrapalhou o ritmo da cozinha do show e mereceu uma reprimenda do malandro que mandou a letra exigindo em alto e bom som que a geringonça saísse do seu pedaço. Parece brincadeira, cronista voluntariamente enclausurada do outro lado do túnel, mas é isso mesmo! Respeito zero com o indivíduo. "O que é de todos é para ser usado”, prega o novo normal sem noção, nem respeito.

Se antes já era difícil garantir os seus direitos... está praticamente impossível. Como se não bastasse os seres humanos abusados, temos as inteligências artificiais que absorvem e chupam a ignorância vigente, moldadas que são de acordo com seus criadores. Egoístas e sem medidas como eles.

FICA! Cronista, se você visse o que está acontecendo com os direitos autorais dos artistas e criadores iria pi-rar. Quer dizer, surtar a décima potência. Porque um ser isolado há anos por livre espontânea vontade como você, que recebe minhas mensagens por um raio de luar que invade sua cela, está definitivamente fora da casinha! Melhor assim. Sinto lhe informar que a casona, no caso o planeta Terra, vai muito mal, obrigado. Com perspectivas de uma piora imensurável nos próximos anos.

Baseio essa trágica previsão nos últimos acontecimentos. Trump, aquele, o Donald que não é pato, será o próximo presidente dos EUA. Ganhou de lavada. Recebeu, inclusive, apoio e aplausos dos imigrantes que, entusiasmados com sua campanha contra os democratas, em breve serão repatriados. Segundo os masoquistas em via de deslocamento "É a vontade de Deus, seja o que Ele quiser".

Amiga, já concluímos que esta civilização está em plena decadência como tantas que desapareceram na face da Terra e de outros pontos do universo. Mas o que o povo tem na cabeça para trocar uma suave aterrissagem por uma queda livre num precipício? Não precisamos de um novo Messias, mas de um Freud repaginado, tipo um influencer psicológico. Seria muito bom para entendermos esta loucura suicida! E não vou nem mencionar a expropriação insana e irresponsável dos recursos do planeta.

Cronista, o último conselho antes do raio de luar desaparecer: nem pense em bancar a freirinha das Carmelitas e pular o muro do convento para passear nas ruas de Santa Teresa nos próximos dias. Espere o mini desfile das escolas, nas comemorações do Dia Nacional do Samba.

Seu Rio de Janeiro está sob cerco policial. O G20 se reúne na cidade conflagrada. Como sempre e mais que nunca maravilhosa ela recebe os chefes de estado e as comitivas dos países mais ricos e poderosos do mundo. Todos estarão reunidos aqui, vigiados por terra, mar e ar enquanto aos habitantes da cidade é recomendado, mais uma vez, um FICA! Fica em casa no feriadão, do dia da Proclamação da República até o da Consciência Negra.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM ...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

31 de out. de 2024

O tu e o tu mesmo - de Valéria del Cueto



O tu e o tu mesmo

Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse ano não consegui acompanhar as escolhas dos sambas para o Carnaval 2025 nas quadras. Não compareci em nenhuma delas nas finais.

O Paraíso do Tuiuti, primeira escola a apresentar seu samba sobre o enredo "Quem Tem Medo de Xica Manicongo?”, preferiu fazer uma encomendada aos compositores Cláudio Russo e Gustavo Clarão. Das outras onze escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro, zapeei nas finais transmitidas ao vivo pelo streaming.

 É a mesma coisa? Certamente que não. Mas supre a carência de foliões do Brasil e do mundo interessados na emoção de ver as acirradas disputas. As transmissões, principalmente das finais, são uma forma de expandir o alcance da onda da folia e furar a chamada bolha carnavalesca.

As lives são perfeitas? Certamente que não. É um “tour de force” dos responsáveis pela captação e geração do material. Acontecem em espaços variados espalhados pela zona metropolitana. Nas quadras de se desenrolam por semanas as eliminatórias, até a grande final.

Tecnicamente é quase impossível garantir um resultado homogêneo já na largada do planejamento e produção dos eventos. Diferentes arquiteturas, variadas condições acústicas, de iluminação, cada escola com um roteiro e uma direção artística personalíssima.

O básico: shows dos segmentos, apresentações dos sambas, intervalo para fechar o escolhido e, finalmente, o anúncio tão esperado do hino do ano. A estrutura pode ser semelhante, mas as peculiaridades são muitas. Os resultados não são lineares. Cada roteiro é um roteiro. O mesmo ocorre com a ocupação dos espaços dos shows. A maior parte se desenrola no palco ou numa área demarcada da quadra emoldurada por uma intensa iluminação cenográfica.

Registrar tudo isso é um trabalho hercúleo que, com o passar dos anos, tende a se aprimorar cada vez mais, valorizando este período tão importante na dinâmica do calendário carnavalesco.

Claro que nada substitui a energia única que une a quadra de uma escola de samba no movimento do anúncio do samba. Mas pra quem não tem tu, vai tu mesmo.

Agora as atenções se voltam para os resultados das gravações da @RioCarnaval das composições com os intérpretes oficiais, componentes dos carros de som, coros e ritmistas das agremiações. Nelas já aparecem algumas bossas das baterias, a base do que irá para avenida no carnaval em março de 2025.

Os preparativos estão a todo vapor. Os calendários de mini desfiles da Cidade do Samba, que comemoram o Dia Nacional do Samba, de 29 de novembro a 01 de dezembro, no início de dezembro, e dos ensaios técnicos, em fevereiro, definidos. Em 2025 estão marcados dois ensaios técnicos de cada escola do Grupo Especial.

Como a segunda rodada acontece inteirinha no fim de semana que antecede a folia para que, nesses quatro dias, todas as agremiações possam fazer testes de luz e de som (antes eram apenas as mais bem colocadas), já estou pensando em como realinhar minha ordem de trabalho.

Vai ser preciso programar a produção detalhadamente. Não pelo período na pista em si, mas para sistematizar e editar o material para os parceiros. O restante das imagens e vídeos que, para mim é ouro, fica para depois. Até para pensar depois. Daqui a pouco.

No momento o empenho é em ouvir e decorar os 12 sambas da elite do carnaval 2025. É nessa viagem que começo a escolher os “portos” onde pretendo ancorar as lentes da câmera, definindo os melhores momentos para captar a emoção do povo do Samba.

Como faz isso? Cantando os sambas e sentindo onde eles tocam o coração. Quando acabar essa etapa faço o mesmo com as escolas da Série Ouro. Se pudesse faria também com as menores, as que desfilam na Intendente Magalhães. Mas não tenho, nem teria, tempo para produzir as matérias e as fotos que distribuo para o jornal e os queridos parceiros que reproduzem o material do carnavalerio.com.

Para terminar o texto deixo uma pergunta para você leitor: sabe a quantos carnavais mantenho e desenvolvo essa rotina maluca, que só uma paixão avassaladora sustenta?

Pois é...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

1 de out. de 2024

Sente o clima, por Valéria del Cueto


Sente o clima

Texto e foto de Valéria del Cueto

É de lei um registro sobre as eleições. Sem muito prazer pela constatação de que a política está tão degradante quanto a sociedade que ela representa. O que estamos acompanhando é um show de horrores.

O tempo e a História nos levam à constatação que as crises são cíclicas. A gente não aprende! Parece que foi ontem que o país se encantou com um “Caçador de Marajás”. O mesmo que depois de eleito sequestrou as contas bancárias da população.

Motivo extra para, reconhecendo a extrema necessidade de não me omitir diante dos fatos e desempenhando o papel de jornalista cidadã, fazer o alerta de sempre sobre o poder do seu voto, e-leitor. Quantos textos já produzi antes de eleições? Sei lá... Me mantenho fiel a norma de pecar por excesso, não por omissão.  Sim, sua escolha tem poder e consequências.  

As pesquisas indicam que boa parte do eleitorado ainda não escolheu seu candidato, especialmente para vereador, aquele que o representa na Câmara Municipal. O encarregado de fiscalizar a atuação do poder executivo, representado pelo prefeito, e fazer as leis que regem o município.

Muitos podem ser os pesos que o eleitor coloca na balança para fazer sua escolha. Experiência, juventude, gênero? Projetos? Segurança (que não está na esfera municipal?), saúde, educação, transporte, saneamento...

Tenho certeza que em qualquer lugar do Brasil o povo tem sentido na pele as ondas de calor que assolam o continente (entramos na oitava desse ano). A atual é um alerta amarelo que abrange partes do Sudeste, o Centro-Oeste e o Paraná, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. Com queda da umidade relativa do ar, lógico. Nuvem de fuligem, também.

Baseada nessa sensação que não nos deixa, pensei que a questão do clima estaria entre os quesitos que os eleitores iriam pesquisar. Vamos tomar por exemplo Cuiabá. A capital de Mato Grosso. Ela já foi a Cidade Verde, com suas mangueiras sombreando os quintais. Sua alcunha hoje é Cuiabrasa.

O que fazer para minimizar os efeitos, por exemplo, da arquitetura contemporânea da metrópole que se projetou verticalmente usando e abusando de vidros e janelas espelhadas, as que refletem... a luz do sol?

Quando comecei o treinamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a ABRAJI, “Eleições e Jornalismo Ambiental” mergulhei numa caixa de ferramentas para analisar e combinar bases de dados para pesquisar, entre outros itens, a evolução da degradação (sim, degradação) ambiental.

Claro que meu foco é Mato Grosso, o estado com três ecossistemas, o Cerrado, a Amazônia e o Pantanal, como já destacava em vídeos e filmes que produzi enquanto tive uma base por aí. Não dá para ficar impassível quando o estado é o campeão de queimadas em setembro, com mais de 18 mil focos de incêndios, por exemplo.

Entre as opções de consulta conheci a plataforma “Vote pelo clima”. A iniciativa visa dar visibilidade a candidaturas que se comprometam em enfrentar as mudanças climáticas nas cidades. Transporte, mobilidade, gestão de resíduos, transição energética, adaptação e redução de desastres... Várias linhas de atuação podem ser pesquisadas no banco de dados por estado, cidade, partido, etc. A inscrição de candidaturas é liberada.

Aí, chegamos ao empurrãozinho que faltava para que eu desenrolasse esse texto pré-eleição. Foi um choque verificar a adesão dos candidatos a prefeitos e vereadores de Mato Grosso na plataforma. Prefeitos? Nenhum. Vereadores? Dois de Cáceres, dois da Chapada dos Guimarães, um de Cuiabá, Rondonópolis e Tangará da Serra. Duas mulheres, cinco homens. Três candidatos do PT, um do PV, PDT, PSD e PCdoB. E só.

Ainda dá tempo de colocar um foco nos requisitos climáticos na hora de escolher seus candidatos. Cobrar deles algo mais que a promessa de sempre de plantar mais árvores em sua cidade. O tempo é pouco para ações efetivas que mitiguem os efeitos dos danos que nos levaram à situação quase irreversível que vivemos.

Vote certo! Boa sorte, eleitor. Sente o clima...

O link do Vote pelo Clima: https://votepeloclima.org/

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

19 de set. de 2024

Capim navalha não falha

Capim Navalha não falha

Texto e foto de Valéria del Cueto

Quem não sabe que Cuiabá remete a duas coisas: ao calor e ao atraso? Não ao atraso de vida, maldoso leitor, mas aquele de nunca chegar na hora aos compromissos? Sofria com ambas características, especialmente a segunda, para fechar as pautas das reportagens nas TVs. Os jornais não levavam em consideração essa dinâmica tão cuiabana.

No samba também é quase assim. Menos na Sapucaí, com o horário rígidos e cronometrado das escolas que desfilam. Menos no sábado das campeãs, que não tem transmissão global.

Dito isso, quero fazer mea culpa. E aí, entra o capim navalha que corta tudo, menos esse atraso-preguiça cuiabano. Acontece que anos atrás, mais especificamente entre 2021 e 2022, o jornalista Rodrigo Vargas desenvolveu o projeto “O propósito de Aline”, sobre a renomada crítica de artes Aline Figueiredo. Era composto por um livro e um documentário média metragem.

O livro recebi do autor antes do lançamento. Caí dentro e, poucos dias depois, mandei pra ele minhas elogiosas impressões. Na sequência, exatamente no dia 2 de fevereiro de 2022, recebi o link do vídeo e a informação de que havia sido rodado na casa de Aline.

Corta para: Enquanto morei em Cuiabá fui frequentadora assídua dos maravilhosos almoços pantaneiros que juntavam horas de conversas as delícias preparadas por Márcia e sempre regadas a vinho tinto, já que não tomo cerveja. Não listarei meus pratos preferidos, nem os temas abordados porque foram justamente esses que me fizeram deixar correr o timeline de outras mensagens trocadas com Rodrigo sem abrir o link do vídeo.

Sabia que se o conteúdo aguçasse as saudades não poderia voar para Mato Grosso. A pandemia estava acabando, o carnaval adiado seria em abril, e tinha outras prioridades na vida. Rodrigo nunca perguntou o que achei do trabalho audiovisual, fotografado por José Medeiros, nem eu me justifiquei.

Aline andou pelo Rio em outubro numa palestra da exposição “Podre de Chic”, com obras de Adir Sodré, no Paço Imperial. Fiz fotos e gravei pequenos trechos de sua aula com ótimo conteúdo e nenhuma qualidade das imagens captadas. Faltava luz. Novamente arquivei o assunto e guardei o material sem publicá-lo. Sabia que ele seria a isca para pescar minhas saudades.

De vez em quando lembrava do vídeo, mas nunca achava que era o momento certo para explorá-lo. Queria que fosse num intervalo de foco total, quando não estivesse mergulhada, por exemplo, no carnaval. Depois decidi que só o veria quando a falta do calor cuiabano fosse insuportável.

Com o passar do tempo e acompanhando o cotidiano da cidade concluí que a distância que me separava da minha Cuiabá só aumentava. E, pela velocidade das transformações locais o progresso tratorou parte do encanto do local que tão calorosamente me acolheu. Portanto, nada “Eu sou de Capim Navalha”!

O que virou a chave foi esse fenômeno climático que assusta e surpreende o país inteiro. “Já vi esse filme, já usei esse filtro fotográfico que parece um fog londrino, esconde o sol e, quando a gente abre a porta ou a janela, é aquela pancada de calor”, pensei. E também lembrei do vídeo que não tinha assistido. Resolvi desvendar a lenda e assistir a obra.

Não me arrependo de ter guardado a última bolacha do pacote com tanto cuidado. Com as câmeras de José Medeiros e Diogo Diógenes passei pelos recantos da casa e, “tertuliei” nos diálogos de Aline Figueiredo sobre sua vida, seus trabalhos e suas paixões.

É quase só ela na tela, meio desnuda e crua, sem firulas e muitas edições. Exemplo claro de que menos pode ser muito mais quando o objeto do trabalho esbanja riqueza de ideias e personalidade. Passou pelos meus sentidos a essência da Cuiabá que tanto amo, a que me cercou de amigos, muitos citados no documentário, e referências que levo pra vida.

Sabiamente o vídeo não mostra a mesa posta e as delícias que brotam das mãos de Márcia. Um bom motivo para que volte aos meus planos uma ida à antiga Cidade Verde, depois que esse inferno amainar.

No fim do doc, a surpresa: meu nome - escrito errado, pra variar, aparece! Nos créditos, na lista de agradecimentos. O que deve aumentar a pena pelo crime de não o ter assistido antes... Desculpe, Rodrigo, foi o espírito do atraso cuiabano que permanece vivo em algum lugar da minha alma carioca.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

bônus!

Material em vídeo produzido na palestra de Aline Figueredo durante a Exposição "Podre de Chic", no Paço Imperial mencionada na crônica "Capim Navalha não Falha".



Palestra da crítica de artes Aline Figueiredo em "Podre de Chique: uma retrospectiva extraordinária de Adir Sodré", exposição de obras do artista mato-grossense Adir Sodré (1962-2020) no Paço Imperial, com apresentação do vídeo sobre o artista de José Medeiros.

A mostra reuniu obras inéditas ao público, de diversas coleções brasileiras que, desde cedo, reconheceram a importância artista mato-grossense. A retrospectiva de Adir Sodré dimensiona a relevância de sua obra. Temas tratados há mais de três décadas permanecem atuais: defesa ambiental, crítica ao poder político, o perfil elitista do sistema de arte e... sexualidade.

Organizada de forma não linear a exposição mescla obras em cinco eixos: Cuyaverá (Cuiabá), Tapa na cara pálida (horrores da branquitude), Ditos e malditos (imundos das artes), O pop não poupa ninguém (cultura de massas) e Manifestos paus, Brasil! (fabulações estético-eróticas)”.

Faixa Bonus 2

Sem usar o flash durante a palestra um estudo sem luz, como a luz que se perde no olhar de Aline, mencionada em "Eu Sou Capim Navalha", documentário de Rodrigo Vargas.

Clique no link para acessar as fotos 


 

Studio na Colab55

4 de set. de 2024

Folheando Recuerdos , por Valéria del Cueto


Folheando Recuerdos

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Estou voltando ao meio do mundo depois de uma temporada carioca. O que significa que dele poderei ir a qualquer lugar ao fazer uma das coisas que mais gosto: mergulhar na leitura.

Depois de um tour de force pela mais longa dinastia da Rússia Imperial, de um passeio pelos meandros do zoológico do Barão de Drummond e os mistérios do jogo do bicho, uma temporada em Cuba na passagem de Obama e dos Stones pela ilha, durante a solução do roubo do sinete de Napoleão (num caso policial do detetive Mário Conde), precisei usar meu valioso tempo pra me dedicar a questões burocráticas.

Não, caro leitor. Não mencionarei essa aventura kafkaniana inconclusa. Daria um tratado que não caberia numa série, o que dirá numa reles crônica. Andei tudo que podia e, claro, ainda não resolvi quase nada. Porém, mais do que fiz não poderia fazer no momento. É tempo de esperar respostas e certidões.

Para desopilar caí no samba na Noite do Enredos. O evento agitou a Cidade do Samba, no Rio de Janeiro, reunindo 7 mil pessoas para acompanhar performances audiovisuais e musicais das 12 escolas da elite carnavalesca carioca. Cada agremiação teve 12 minutos para apresentar o tema que desenvolverá na Sapucaí em março do ano que vem.

O destaque foi, sem dúvida, a Portela. Seu homenageado no enredo do próximo carnaval, o cantor Milton Nascimento, surgiu no palco e saudou o público ao final de uma imersão em clássicos de seu repertório.

Outros eventos, promete Gabriel David, presidente da Liesa, ocuparão o espaço que reúne os barracões do Grupo Especial na temporada.  Para alegria do povo do samba, apreciadores e turistas que alimentam a economia do já presente carnaval 2025.

Tomei rumo, voltei pro paraíso e, daqui, parti para a Índia dos marajás, no começo do século XX. O que traz esse assunto às crônicas não é o que leio. Mas como leio. O livro era da minha avó. Na primeira página, a do título, seu nome e o ano que chegou a sua biblioteca: “Ena, 2006”. Foi o que me estimulou a escolhe-lo numa estante do apartamento de Copacabana.

Só quando cheguei no meu local preferido de leitura é que atentei às frágeis condições do volume. Acontece que a cola da brochura ressecou e as páginas, muitas delas, se soltaram. Para recupera-lo só fazendo uma nova encadernação. Pensei em desistir da empreitada “É difícil ler um livro assim desmantelado”, pensei folheando cuidadosamente suas folhas que iam se descolando cada vez mais.

Quando ia tomar a decisão um maço ainda colado se abriu na página 150 e, mais uma vez, lá estavam elas. Três letras escritas a caneta que indicavam a presença da avó na saga indiana. Ena. Em letras cursivas de uma caligrafia impecável. Tão linda a ponto de ser ela a encarregada de escrever as mensagens enviadas ao Vaticano pelas freiras do Colégio Sacré-Coeur de Jésus, onde a menina Maria Ena e sua irmã Júlia foram alunas internas na infância e na adolescência.

Acontece que, leitora voraz, minha avó escrevia seu nome em todos os seus livros a cada 50 páginas. Em alguma parte delas. Normalmente, entre os parágrafos do lado externo da página sem nunca o fazer, ao que me lembro, onde houvesse texto impresso. Sempre em espaços em branco.

Tem até uma história pitoresca de que ela emprestou um livro para um vizinho e ele, ao devolver, comentou ter reparado nas assinaturas e as relacionou com o que era mencionado nos textos, abordando o que achava que ela “havia destacado”. Dona Ena, a gentileza em pessoa, não teve coragem de esclarecer que não havia a relação mencionada, apenas uma questão aritmética e de espaço adequado para que desenhasse seu nome...

É ele que, impacientemente, me fez encarar o livro desmilinguido de sua biblioteca que nunca li. A certeza de que, a cada página terei a alegria de saber que sim, ela também esteve na Índia e viajou na mesma leitura que me espera.

Tomara que o livro seja bom. Antes de encontrar a segunda assinatura já posso dizer que há fineza na estrutura narrativa. Ela, como a vida, não é linear. Já me levou à Málaga, Madri, Paris e desembarcou em Bombaim para fazer um longo trajeto de trem rumo ao exótico mundo indiano do início de 1900 que se desfolha em minhas muito cuidadosas e pouco habilidosas mãos.   

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com




** O título da crônica vem da letra de Retorno, de Juarez Bittencourt e Os Campeiros do Cambai, concorrente da 9 Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul. Meus peçuelos estão pesados de ausência...





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