Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: O poeta Luiz de Martino Coronel fala de Califórnia, consolidação e desafios!

13 de dez. de 2017

O poeta Luiz de Martino Coronel fala de Califórnia, consolidação e desafios!



Califórnia da Canção, consolidação e desafios.
Luiz Coronel – escritor/compositor

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Afirmei, não poucas vezes, e o argumento ganhou ressonância em outras vozes, que a Califórnia foi nossa “Semana de Arte Moderna”, fazendo um paralelo com o movimento cultural que inaugura no país o Modernismo, deixando para trás os modismos clássicos. Uma estagnação reprimia a livre criatividade de pintores, músicos, poetas e romancistas. Rompe-se o dique. E surge Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Villa-Lobos e tantos personagens que formam a honrosa galeria da Geração de 22.
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A Música Regional Gaúcha vivera momentos de esplendor com os Farroupilhas. Porém, como movimento cultural, estávamos pálidos ou melhor dizendo: roucos. E as águas da criatividade que cantam nos caminhos, reprimidas, acumuladas, beirando o topo das represas. De repente, “não mais que de repente”, a Califórnia da Canção, iniciada nos anos 1970. Guitarra em punho, peito aberto, pilchas a preceito, músicos, instrumentistas, cantores, letristas foram se achegando. De imediato, formou-se um mosaico da alta diferenciação. Havia um triunfo do estilo. E sem estilo, a galinha corre o galo do galinheiro. Compositores diferenciados. Letristas não se repetiam, intérpretes eram inconfundíveis. E assim a Califórnia se afirmou, em seu espectro amplo, preservadora da tradição e proponente de frondosa inovação. Isto soube ver muito bem Colmar Duarte ao posicionar-se como defensor das linhas criativas que embasaram o Festival. 
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Sim, a Califórnia consagrara-se como um fato cultural e não como um evento, pois eventos o vento leva. E como é próprio do tempo, ele se pôs a correr. E os festivais multiplicaram-se como coelhos em livre acasalamento. A quantidade não gerou a qualidade. Triunfou, salvo honrosas e valiosas exceções, a música festivaleira, gritante, vazia, regional em seus aspectos ornamentais e alegóricos, mas órfão da benção essencial da criatividade.
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A Califórnia por berço, origem e vocação não deve e não pode enfileirar-se como mais um festival. Ela é muito mais do que isto. Ela destina-se a ser paiol de composições da melhor qualidade. Partidor de composições vencedoras, que se inserem nos cantares de nossa gente, caso contrário ela deixa de ter razão de existência. Bem andaram os que a colocaram nos trilhos em sua 40ª. Falta agora uma vigorosa decisão de enquadrá-la em sua mais perfeita moldura, ostentando sua mais inconfundível nitidez e propósito.
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Ouso propor, em níveis de aprimoramento das próximas edições:
1.    Que seja contratado um diretor de palco, para que o espetáculo tenha um andamento, um ritmo profissional. Billy Wilder, cineasta americano, dizia: “Ganhe o público pelo pescoço e não o solte mais”.
    2.   Que sejam repropostas duas linhas de composições: Tradição e Renovação. Somente assim o Festival retomará seu caráter emblemático e proponente, caso contrário terá uma feição mais próxima a um belo baile de Centro de Tradições, o que foge a sua destinação. Tenhamos como exemplo o show de Mario Barbará e Chico Saratt. Lá estava o Rio Grande com os pés no passado, trilhando o futuro. Ou as gravações de Leontina das Dores, por Fafá de Belém e a Orquestra Sinfônica da Unisinos. Também o Rio Grande em essência e ostensiva performance.

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3. Penso a tela de projeção do Festival no pátio ou recinto reservado ao convívio dos músicos um bom expediente, caso contrário temos uma “gravitação em torno de si mesmo”, sem o intercâmbio de experiências criativas.
4. Quero sugerir o melhor aproveitamento do telão lateral ao palco, onde são expostos os comerciais de patrocinadores. A repetição desses comerciais, a cada composição, não promove ou retribui apoios, por excessiva. Assim, a este espaço seja conferido também à memória da Califórnia, projetando cada uma das Calhandras e seus vencedores Projetando também momentos valiosos deste fato cultural.
5. Entendo que o show de abertura deve ser cancelado, pois ele secundariza a apresentação das músicas concorrentes. Deslumbra o show com sua roupagem e fadiga o festival. Nossa percepção apreciativa de arte tem limites inexoráveis. Guardem-se os shows para o momento de avaliação das composições, por parte dos jurados.
6. Tenha a cidade, em local adequado, uma faixa, um banner, construção pictórica ou escultórica, onde se diga: Uruguaiana, cidade da Califórnia da Canção, um patrimônio cultural do Rio Grande. Busca-se assim conferir permanência do espírito Califórnia, evitando encarcerar o evento em seu calendário.
7. Creio, como tentei outrora, conferir um caráter nacional à Califórnia em sua repercussão. Músicos como Renato Texeira, Almir Sater, Fafá de Belém, revelam uma trajetória artística que nos faz rimados e irmanados às suas obras. Músicos cuja identidade fuja a estas similitudes, carecem de razão para suas presenças, mesmo que honrosas ou alarmantes sejam suas biografias profissionais.

Conclusivamente: a Califórnia da Canção, numa percepção mais ampla, foi à terraplanagem por meio da qual se abriu caminho para este ciclo de músicas de temática rural, de discutível legado, pois desfigurou a poética consistência da música sertaneja.  Estendendo palmas aos vencedores da 40ª edição. Longe de mim o intento de distanciar-me de cada um dos compositores cujos trabalhos se inserem na história da Califórnia, ontem e hoje. Cada um deles, em pleno direito, faz o que sabe, o que quer e o que pode. Projeto apenas uma visão panorâmica do Festival. Almejo que se tenham as minhas ponderações como um gesto honesto e profissional de quem não existiria na condição de compositor sem a montagem e a presença da Califórnia em nosso cenário cultural. A ela reverencio e quero honrá-la com minha criação literária e musical.

Studio na Colab55

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