Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna Atos & Fatos, por Soares Tubino - Cronista e poeta - Membro da AUL

20 de abr. de 2009

Coluna Atos & Fatos, por Soares Tubino - Cronista e poeta - Membro da AUL

A FIGURA DO TRAIDOR

Acordei-me assustado hoje pela manhã, quando meu neto Pinduca, puxou-me por uma perna, entrando sorrateiramente em meu quarto, gritando alto:
- Vô Jorge, até quando o senhor pretende dormir? Estava perdido no tempo, nas dobras de um sono profundo, quando o garoto assustado, sabendo que sempre fui madrugador, ainda estava na cama, àquela hora, quase meio-dia, bem enrolado nas cobertas.
Abrindo bem os olhos, cansados de uma noite, povoada por um sonho e onde havia retrocedido no tempo, sentindo-me aquela criança que fui, há mais de meio século, atrás.
Pinduca assentou-se a beira de minha cama, e ficou a me olhar, cobrando-me os motivos que me levaram a ficar tanto tempo a dormir. Antes mesmo, de escovar os dentes, tomar meu banho matinal, ali mesmo na própria cama, contei-lhe o que havia sonhado:
- Preste muita atenção, que vou lhe contar, algo que talvez você nunca pensou, nem ouviu ninguém, talvez falar em sua escola.
- Pinduca mostrou-se atento, olhando-me frente à frente, quando iniciei meu bate-papo! Falei no estranho sonho que havia me retido todo aquele tempo na cama. Nos meus tempos de criança, na minha zona, aconteciam fatos estranhos, durante a Semana Santa. Depois dos quarenta dias de quaresma, chegava a histórica Sexta-Feira Santa. A Igreja Católica e outras que acompanhavam as mesmas cerimônias, realizavam a Procissão do Senhor Morto, conduzindo um corpo, imitação da figura de Jesus, em sua crucificação. Os que a acompanhavam conduziam velas, imagens do Mestre, entoando cânticos pelas ruas da cidade. Isso até hoje se faz, não é verdade, Pinduca? O garoto sacudiu a cabeça, afirmativamente. Pois bem, no dia seguinte, as pessoas em homenagem ao Sábado de Aleluia e a Páscoa da Ressurreição, confeccionavam um estranho boneco, de pano, enchido com tecidos velhos, com semelhanças a pessoas do lugar. Isto tudo era feito á noite, para depois de pronto ser amarrado a um poste de rua, e queimado, aos apupos e gritos dos que participavam do ato, dizendo: Judas, traidor! Traíste o Mestre!. E quanto mais gritavam, mais o boneco era consumido pelas chamas.
O garoto interrompeu minha narrativa, perguntando se tudo que ouvira acontecia mesmo, nos meus dias de criança em Uruguaiana?
- Claro menino, lá em casa eu e meu mano mais velho, todos os anos, depois da Semana Santa, no sábado da Ressurreição, usando retalhos que sobravam das oficinas de papai, que era alfaiate, e juntando outras coisas inúteis, mas que se prestavam para este ato, montávamos o estranho boneco, criticando a figura de alguma pessoa amiga da zona, sem identificarmos o autor, para não haver transtornos.
O boneco, simbolizando “Judas a trair no ósculo da ceia”, como dizia o poeta gaúcho Mário Totta.
Encerrando o caso para meu neto, rematei a conversa: “Pois foi com esse fato, que sonhei esta noite, causando estranheza a você.
Pinduca, todo arrepiado de emoção, não duvidou do que ouvira e simplesmente me perguntou:
- E hoje, por que não fazem isso?
Minha resposta foi: os tempos mudaram, a era da tecnologia substituiu as antigas crendices. Vivemos os tempos do computador e da globalização. E, antes que ele me perguntasse mais sobre o sonho, levantei-me para o banho matinal. Vivemos a geração de 2009. Ele prometeu contar a professora no colégio...

Uruguaiana, abril de 2009.

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