Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna ATOS & FATOS.

6 de abr. de 2009

Coluna ATOS & FATOS.

Soares Tubino – Cronista e poeta – Membro da AUL

Pescaria

Estava anoitecendo. Um colorido incandescente dourava as águas do rio Uruguai. As aves noturnas recortavam os ares, buscando fugir da escuridão, quando Narciso chegou à frente do casebre. Descabelado, sujo, calças amarrotadas, chinelos tapados de pó, tarrafa às costas, sacolas vazias, apenas com alguns lambaris, a lata onde guardava as iscas, rosto enxovalhado e uma cara amarga.
Não sabia o que aconteceu, a ele, um excelente pescador, com prática de tantos anos, nas águas do Uruguai, nos riachos, sangas e lagoas e este ano, por que não conseguira pescar nada, apenas peixes pequenos, alguns bagres e filhotes de traíra que não conseguiriam compradores?
Abriu a porta do rancho, não cumprimentou a mulher que estava à sua espera, já com o chimarrão pronto, como ele gostava, e jogou-se na cama. Envolvendo o rosto entre as mãos magras, começou a chorar. Luciana, sua companheira, procurou agradá-lo, mas ele estava envolto de amargura. A Semana Santa estava chegando e ele, que sempre era um dos pescadores que mais vendia, na Feira do Mercado Municipal, por trazer peixes de todas as qualidades e em tamanhos exigidos pelo consumidor; este ano fracassou. Não sabia o porquê de tudo aquilo. Recorrera todos os lugares onde sempre costumava ir, e estes estavam tomados de gente. O rio Uruguai de nível baixo, aquém do normal, não dava para pescar. Os arroios, lotados de outros pescadores, não ofereceram chance ao velho Narciso, conhecido da turma como um dos melhores pescadores de água doce. Tudo, este ano contribuiu para que voltasse para casa, com as mãos vazias, como se diz em boa gíria. “E agora, José”, lembrou-se de um verso de Carlos Drummond de Andrade, que os filhos sempre estavam lendo nas antologias escolares? Que seria feito dele, sem dinheiro, para pagar a conta do bolicheiro, comprar cadernos, canetas e material escolar para a gurizada? Pagar a luz, a água e comprar roupas para a pobre Luciana e também para a filharada?
Estava sem solução no momento. Será que teria de pedir dinheiro emprestado para os colegas? Era muito amado por todos, ele um homem, apesar de sua pobreza, decente em seus negócios, nunca foi “caloteiro”, cumpria com a palavra quando devia a alguém. Mas, desta volta estava sem coragem para enfrentar seus credores. Já tantas vezes o fizera. Por que só ele pedia, os outros nunca o ocuparam em nada?
Narciso estava envergonhado de si mesmo. Da sua luta, do pouco que conseguia ganhar, mesmo que a mulher o ajudasse, lavando roupas para sua clientela, mesmo assim, vivia sempre na pobreza.
Atirou-se na cama, sem tomar banho, sem trocar de roupa. Estava derrotado, desta vez, somente um “milagre” poderia salvá-lo. Envolvendo o rosto transfigurado de tanto chorar, começou a rezar...rezar bastante, até conseguir dormir...

Uruguaiana, 04 de abril de 2009.

Um comentário:

xxx disse...

Feliz o que consegue conciliar o sono com todos esses problemas, e manter o nome, Narciso, com toda essa humildade.Na vida, a convivência dos contrastes supera a mesmice da harmonia meu caro Montardo.