Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Logo ali, por Valéria del Cueto

23 de ago. de 2018

Logo ali, por Valéria del Cueto

Logo ali

Texto e foto de Valéria del Cueto

Fiz que fui, quase fiquei mas, para felicidade geral, acabei indo. A vida é uma partida de futebol interminável incluindo os deslocamentos pelo campo que é esse mundão de Deus. Como todo bom jogador completo vou para onde o técnico manda. Porém, confesso, tenho minhas preferências e, quando posso, faço escolhas próprias baseadas em algumas variáveis.

Adoro ir onde o vento leva. Mas hoje, além do bom tempo, sigo as correntes dos preços das passagens aéreas, as cotações das moedas de países da lista de desejos e outros critérios mais objetivos do que gostaria esse ser viajandão.

Reconheço que em alguns momentos apago as prioridades e tomo um rumo certeiro por exigência de sobrevivência do equilíbrio básico necessário para fortalecer meu eu interno. Aí, troco o oceano de água salgada por um imenso mar de água doce no centro do continente sul americano. Nele, me dispo das camadas do convívio ligeiro e superficial para encarar o mais difícil e complexo personagem do repertório da vida: ser eu, apenas eu.

Tá, já sei sua pergunta: “o que a água doce te dá que a salgada não te traz?” A resposta é dolorosa, mas real. Entre outros benefícios, a segurança.

Na minha praia carioca todos os sentidos têm que estar alertas. Mesmo em momentos como esse de concentração literária. Tudo pode acontecer e, das duas uma, ou vira crônica ou motivo de, com toda a agilidade disponível, levantar acampamento e seguir outro destino.

Foi assim, quase traumática, a última experiência no Arpoador. Do luxo ao lixo em poucos e preciosos minutos. De uma crônica inspirada sobre o paraíso  “Quase perdido”, a ser testemunha involuntária de uma barbárie oficial no horário nobre do por do sol mais famoso do Rio de Janeiro, talvez do Brasil, quiçá da América do Sul. Tirei de letra a crônica da felicidade e registrei em vídeo a violência oficial da guarda municipal, cotidiana e banal na cidade partida.

No impacto dos acontecimentos concluí que era hora de trocar o tempero das águas cariocas por correntes menos imprevisíveis. No “unidunitê” dispensei os “salameminguês” e usei um critério climático para cravar o novo destino.

Na dúvida, entre o Pantanal de Mato Grosso e o irmão do sul o segundo levou a melhor. Nele, como em todo nosso Centro Oeste agro pop, a umidade do ar está um pouco mais relativa e amigável. Volto às origens, agora partidas, de uma terra especial que (re)conheço desde criança. Fugindo da secura caí para o oeste e para o sul.

Do alto da serra de Maracaju vislumbro o doce mar que tanto anseio. Quero o silêncio barulhento das águas, da terra e dos animais para substituir as batidas das paredes sendo derrubadas nas múltiplas reformas do meu quadrado copacabanense. O sussurrar das folhas ao vento ao invés do som do corte do esmeril que entra pela janela transformando meu pequeno mundo numa cadeira de dentista com a broca indo e vindo 8 horas por dia.

Não, não é aqui no avião que atingirei o nirvana. Pelo menos no trecho Rio-São Paulo. No agradável trajeto uma menininha de uns três anos resolveu decretar o apocalipse e, da decolagem ao pouso, berrou delícias a todo pulmão do tipo: “Estou com meeedo”, “Balançoou...”, “O avião vai cair...”.

Tirando a gritaria em si, nada disso me abala, mas pegou na veia de outros passageiros que, de tanto aguentarem a ladainha desesperada da pequena, foram emprenhados pelo ouvido e, apesar da tranquilidade do voo, resolveram distraí-la. Adiantou? Não.

Os excelentes pais sem domínio sobre a cria deixaram o tumulto correr frouxo. Nada que meio Dramin, para fazer a malinha sem alça e sem rodinhas descansar, não resolvesse. Ou um pouco de autoridade familiar. Mas aí também era querer demais... Melhor abstrair e ignorar as expressões da metade dos passageiros enfurecidos e incomodados. Eles que se mudem! Mas para onde?

Foi a última prova antes de alcançar o nirvana que buscava. Duríssima! Não sucumbi e resisti. Agora, estou no trecho como gosto. O paraíso é logo ali...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fronteira oeste do Sul”, do SEM FIM...delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

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