Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: O acalanto do desencanto - por Valéria del Cueto

18 de jul. de 2024

O acalanto do desencanto - por Valéria del Cueto


O acalanto do desencanto

Texto e foto de Valéria del Cueto

Se a fila anda, por que não quebrar a rotina e mudar o local da escrevinhação no caderninho? Vou jogar a responsabilidade pela alteração nesse tempo instável que parece o inverno.

Por aqui estamos todos meio perdidos. O frio veio forte, mas partiu rapidinho, já dá lugar ao tempo ameno e o anúncio de outro veranico. Tipo Cuiabá, onde o inverno passa num sopro e nunca dura mais de 3 dias.

Situação:  habemos sol entre as árvores (afinal, pelo menos ele se mantém firme e forte em sua trajetória e, nessa época do ano, está passando coladinho as montanhas que compõem o horizonte). Também temos uma temperatura agradável que sugere toalhas e travesseiros na janela para espantar a friaca e arejar a vida. O que me resta? Seguir o exemplo.

Me preparei para aproveitar a tarde ao ar livre. Um (ou uns) fator(es) altera(m) o objetivo inicial. Biquini (olha que ousadia) canga, caderninho, caneta, boné, água mineral (da casa), celular pra fazer a foto da crônica, óculos escuros, filtro solar no rosto e... Pra variar, mudei o rumo. Em vez de sair porta a fora subi as escadas e me aboletei no janelão do mezanino.

Daqui vejo o meio do mundo da Mata Atlântica sentada numa das cadeiras de ferro da mesa da varanda banhada pelo sol. O conjunto faz parte da mobília que me acompanha desde que nasci. Ficava na varanda comprida do apartamento em que morei quase uma vida no Leme. Só saiu de lá quando o imóvel foi vendido.

Sempre que tenho uma casa é colocado num lugar especial. Ainda no Leme foi pra varanda que virou floresta no pé da ladeira. Depois, foi cedido pra Araras e resgatado quando vim pro meio do mundo.

Não pergunte como, sempre coube direitinho entre os braços de ferro da melhor cadeira que conheço pra ficar horas lendo sem parar. Consigo me aboletar desde criança em várias posições diferentes. Jogando, por exemplo, as pernas por cima de um dos braços pra aliviar a coluna do tempão “concentrada”.  

Tudo lindo, mas preciso ressaltar meu próprio espanto ao constatar que nunca escrevinhei por aqui. Gosto de esticar as palavras ao ar livre quando deixam.

Fiquei semanas emudecida, me recusando a registrar os últimos acontecimentos. Pelo menos duas perdas me afastaram do intuito de manter a regularidade das crônicas. Tem coisas que, na minha cabeça, só se concretizam quando coloco no papel. Como não queria que essas fossem verdade, calei a escrita enquanto pude e um pouco mais...

Falo primeiramente da partida silenciosa do meu guru mangueirense Aluízio Derizans, o amigo que abriu as portas da verde e rosa pro acervo carnevalerio.com, que só descobri no dia do seu aniversário e a quem não poderia deixar de registrar @no_rumo do Sem fim meu agradecimento eternizado nas incríveis imagens que que registrei nos anos que por lá passei.

Ainda estava depurando a perda quando o advogado e colega cronista Renato Gomes Nery foi tocaiado em Cuiabá. Fui sua assessora na presidência OAB-MT e nossa amizade sempre me fez recorrer a ele nos poucos “causos” legais que enfrentei. Assim como a sociedade mato-grossense, aguardo esclarecimentos sobre esse filme violento que já vimos tantas vezes em Mato Grosso.

Precisei alterar a paisagem para conseguir destravar minha escrita cheia de indignação e revolta. Não o fiz por livre e espontânea vontade. O que me levou ao movimento que libertará meu peito, esse poço até aqui de mágoa, destilando no caderninho minhas dores foram... os mosquitos.

Sempre eles que, como eu, não reconhecem as estações do ano e, vorazes, me empurraram para a proteção e o acalanto da mobília varanda da vovó que desrepresou meu desencanto. Lá fora o sol brilha, mas a nuvem do desequilíbrio ambiental não dá folga.

Os efeitos de suas picadas duram menos, mas são tão doídos como choro que aperta meu peito e brota nas lágrimas de despedida aos amigos tão queridos e insubstituíveis que encerram essa crônica.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

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