Minhas regras
Texto e foto
de Valéria del
Cueto
Estou enrolando, pra variar. Se tenho um motivo, o prazer de abrir
um novo caderninho para rabiscar as crônicas do Sem Fim, outras razões me levam
a procurar uma rota de fuga da atividade e da realidade.
A troca de caderninho é a passagem que os
leitores fiéis já a reconhecem de outras leituras. Acontece graças ao costume
de escrevinhar textos que começou a surgir nas areias da praia do Leme, sempre
às sextas, há uns 20 anos atrás). A “Ponta do Leme” foi a primeira série que
surgiu, seguida de outras tantas definidas, inicialmente, geograficamente. O “Parador
Cuyabano”, a “Fronteira Oeste do Sul” e a sempre abastecida “É Carnaval” estão
sendo chuleadas há décadas (ui).
Raramente troquei o caderninho pelo teclado
do computador. Não é a mesma coisa. O pensamento flui numa velocidade diferente. Daí
eles vão se acumulando, ocupando um espaço considerável na estante. E sabe que
me apego ao caderno da vez? Quando vejo que estão chegando ao fim a letra vai
diminuindo na intenção de prolongar nossa convivência. Já houve caso do vazio
ser tão sentido que falhei na periodicidade evitando a realidade da troca de
companheiro. O inevitável a não ser no dia que encerrar a saga do Sem Fim.
Trocar o caderninho demanda adaptações. Passei por vários modelos e
formatos. Uns foram espirais, outros não. Sempre capa dura. Maiores ou menores,
mas nunca grandes ou pesados demais. Têm que caber nas bolsas. Uns tinham
pautas, outros não. Nesses, as linhas imaginárias formavam muitas curvas e
poucas retas.
A única coisa que evito na escolha dos caderninhos é que as folhas
sejam porosas, que os rabiscos vazem pra a página de trás. Sei a dificuldade
que é decifrar o que escrevi na hora de preparar o material para enviá-lo aos
parceiros que publicam as crônicas.
Apesar da angústia da busca do caderninho perfeito a chegada do
novo companheiro é sempre um prazer. Por isso procuro inaugurá-lo com palavras
e pensamentos otimistas e de alegria quando dá.
Esse é um caso que, infelizmente, não dá. Considere as razões que
citei no início dessa conversa e as intenções do Sem Fim de manter um vínculo
com a realidade.
Ela está horrorosa e piorou mais um pouco com as más intenções
eleitoreiras do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Em busca de
votos para fazer seu sucessor no comando da casa, ele cravou um regime de
urgência, votado no tempo recorde de 24 segundos, no projeto de lei 1904 do
deputado Sóstenes Cavalcante, do PL carioca, que prevê pena de 20 anos para a
mulher que fizer aborto após 22 semanas de gestação, nos casos previstos em
lei.
Se vamos dar nome aos bois, vale citar que o primeiro da lista dos
fundamentalistas que aprovaram a urgência maladeta é o do candidato a prefeito
de Cuiabá, Abílio Brunini. Como Deus está vendo o tamanho dessa aberração espero
que a manobra eleitoreira seja a pá de cal na sua pretensão.
Certamente, nenhum dos aqui citados imaginaram o tamanho da reação
que a proposta esdrúxula geraria. O estuprador, um dos casos em que o aborto é
permitido por lei, é condenado a 10 anos. A estuprada a 20! Foi um sacode na opinião
pública. O mote “Criança não é mãe” virou um efeito cascata bombado, inclusive,
pelas escolas de samba cariocas. Tão forte como a informação que a cada 8
minutos uma mulher é estuprada, segundo o Relatório Anual Socioeconômico da
Mulher.
E lá se foram as questões que deveriam estar sendo objetos de
análise parlamentar enquanto, mais uma vez, a sociedade é jogada numa cruzada
moral e ideológica em que o que menos importa é a nossa decisão pessoal, a das mulheres, atingidas pelos rigores da lei
xiita.
Pra mim, danem-se as leis. Sempre foi assim. Meu corpo, minhas
regras. Na vida e aqui no novo caderninho fica o registro: NÃO AO PL 1904!
Boa sorte aos eleitores de Cuiabá e aos do Rio de Janeiro também.
O Delegado Ramagem, candidato do PL a prefeito de lá, foi outro que votou pela
urgência do famigerado projeto.
A campanha eleitoral já começou, infelizmente, com pautas que não
dizem respeito às que deveriam ser a maiores preocupações dos futuros
prefeitos, suas cidades e o bem estar das populações. A sociedade não merece regredir.
Escolham com cuidado seus candidatos, eleitores.
O que for decidido irá para o caderno da História da capital
mato-grossense, da Cidade Maravilhosa e é sua responsabilidade também!
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