Eu dormi no Aeroporto Internacional
de Santiago do Chile, esperando meu voo
de volta ao Brasil, e quando acordei e fui escovar os dentes vi, de longe, meio
de lado, o Miguel. Não demorou mais que um segundo para eu perceber que,
obviamente, não poderia ser o “Mig”. Mas foi um daqueles segundos dos quais
retemos alguma coisa pouco específica e que contamina os segundos sucessivos
causando a impressão de que tudo durou muito tempo. Bem que podia ser o Mig,
vivendo no Chile às escondidas. Se tem alguém que brincaria com a morte sem
nenhum pudor é o Mig. Aliás, ele fez isso várias vezes. Hoje, acordei no Brasil,
fui escovar os dentes e, no facebook, lá estava o Mig de novo, numa lembrança.
É claro que era um outro Mig, um jovem, que eu jamais conheci. O que eu conheci
era velho. Ser velho era uma de suas profissões. Discursava desilusões e nos engrupia uma visão de mundo pessimista,
desesperançosa e cheia de ranços. Fazia isso tudo como um alerta. Contava que
havia visto de tudo e que nada deu certo. A política, o amor, a vida em
geral... mas então, entre um discurso desesperançoso e outro, ele dizia um
poema. Ele dava aquele sorriso contido de quem não pode deixar-se abrir em
gargalhada porque ainda não terminou a frase, porque não terminou o olhar - o Mig
se comunicava muito com olhares e pausas. O Miguel nos enganou tantas vezes, se
fez de morto, se fez de louco... às vezes, se fazia de desesperançado pra nos
atribuir responsabilidades. Noutras, era generoso o bastante pra nos dar
esperanças. Eu e a Val éramos suas maiores vítimas e isso sempre foi uma
espécie de privilégio. O Fred um dia me disse: "existe algo de que jamais
se poderá acusar o Miguel: de não ser condescendente". O Mig morreu pouco tempo
depois de eu ter deixado Uruguaiana. Foi quando percebi o que Heráclito queria
dizer sobre tomar banho duas vezes no mesmo rio... que a cidade que eu tinha
deixado pra trás eu já não conseguiria nem mais visitar, porque já era outra
coisa. Tô compartilhando isso só com vcs dois - Val e Fred -, porque queria
compartilhar com alguém e só talvez pra vcs faça algum sentido. Já que o Miguel
era parte de uma engrenagenzinha da qual vcs também faziam parte e porque ainda
que isso não se diga vcs estão sempre na minha bagagem. Pra onde eu vou e de
onde eu volto. Espero que estejam bem. Meu carinho e minha lembrança.
Siga @jtribuna10
Nenhum comentário:
Postar um comentário