Esse foi um encontro marcado, preparado, muito bem programado, mas só deu certo porque tudo deu errado e acabou sendo fantástico.
Eu era ainda um adolescente e acabara de descobrir, maravilhado, que havia uma vertente, até então impensável para a música e por extensão para a vida. Passou a ser possível expressar sentimentos de uma forma verdadeira, raivosa, sem necessidade de ser romântico, e mais, tinha vida inteligente na música brasileira. Já era possível ouvir em nossa língua, coisas, até então, só faladas em inglês.
Morava em Belo Horizonte e fiquei sabendo que o show do novo ídolo aconteceria em Vitória, no Espírito Santo, num único dia, ou noite, no estádio de futebol. Feita a contabilidade somando: passagem, rango e ingresso, o sonho era impossível para um estudante que vivia de mesada.
Mas a vontade de ir se impunha e virava necessidade. Uma possibilidade apareceu, possível, uma verdadeira aventura, mais uma, pra quem apenas começava a descobrir a vida.
Para encurtar a história, embarquei num trem (de verdade) que fazia Belo Horizonte X Vitória em exatas 22 horas. Era um misto de trem de carga e passageiros. Nenhum conforto, bancos de madeira, um vagão boteco em vez de restaurante e muito, mas muito sacolejo.
Mochila nas costas, a grana do ingresso e mais uns trocados no bolso e o sonho se tornando realidade. A viagem é uma história à parte que um dia contarei.
Cheguei em Vitória já no início da noite, exatamente quatro horas antes do show. A noite estava escura e raios desenhavam figuras muito loucas por todo o céu. Corri para o estádio, literalmente e me deparei com uma fila enorme, desorganizada, mas muito divertida.
Consegui comprar o ingresso e entrar. Um palco mambembe estava armado onde normalmente ficava uma das traves. Já enturmado procurei um bom lugar. Cantávamos e bebíamos e fumávamos naquela expectativa, que muitas vezes é tão boa, ou melhor, do que muito show.
Faltando meia hora para o início previsto, São Pedro abriu a tampa. A tempestade que caiu foi uma coisa de cinema, com efeitos especiais de som e imagem. A ventania praticamente desmanchou o palco. O gramado, onde estávamos, virou piscina. Um caos! E o pior que duas horas depois continuava chovendo muito.
Claro que o show foi cancelado. Nada de mau humor, era tudo festa. Aí uma das moças da turma, me cochichou: “sei qual é o hotel que eles vão ficar e conheço um cara da banda”. Corremos para lá. Quando digo corremos é literal, não rolava dinheiro para ônibus e nenhuma possibilidade de carona, ensopados como estávamos.
Na porta do hotel já se formava uma pequena turma. Logo apareceu um ônibus e os músicos começaram a descarregar os instrumentos. Minha “anja” reconheceu o tal músico e depois de uma rápida conversa, entramos ajudando a carregar as coisas. Um andar estava reservado para a galera e logo acabamos num dos quartos, onde se comemorava o aniversário do batera. Muitas garrafas e fumaça e a noite foi ficando animada. De repente a porta foi escancarada e o grande astro e ídolo fez uma entrada sensacional. Vestido com um paletó de terno cinza e sunga e trazendo um violão e amigas, entrou RAUL SEIXAS.
Sua presença provocou, como sempre acontecia, uma descarga elétrica no quarto. Parecia uma apoteose carnavalesca, todos falavam, gritavam, dançavam, cantavam e parecia que não teria fim. Mas aos poucos fomos nos acalmando e o resto da noite cantamos e rimos muito com as estórias do Raulzito.
Foi o melhor SHOW da minha vida, pelo preço de um ingresso que no outro dia seria devolvido, mas meu trem saía logo cedo.
Raul dos Santos Seixas nasceu em Salvador BA em 28 de Junho de 1945. Sua grande influência foi o rock-and-roll da década de 1950, que ouviu muito nos discos emprestados pelos vizinhos, funcionários do consulado norte-americano em Salvador. Aos 12 anos fundou o conjunto The Panthers (mais tarde Os Panteras), primeiro grupo de rock de Salvador a usar instrumentos elétricos, passando a tocar em cidades do interior baiano. Começou a estudar direito, mas abandonou o curso para se dedicar a música. Em 1967, Jerry Adriani apresentou-se ao vivo em Salvador, acompanhado pelos Panteras, e se entusiasmou com o grupo, convencendo-os a se mudarem para o Rio de Janeiro RJ, onde gravaram pela Odeon (mais tarde EMI) seu primeiro disco LP, Raulzito e os Panteras. De 1968 a 1972 trabalhou como produtor da CBS. Produziu e lançou, em 1971, o LP Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta sessão das dez, com músicas de sua autoria e em parceria com Sérgio Sampaio, tendo ambos como interpretes ao lado de Míriam Batucada e Edy Star. Apresentou-se no VII FIC (transmitido pela TV Globo) em 1972, com duas músicas, Let Me Sing, Let Me Sing e Eu sou eu, Nicuri e o diabo. Contratado em 1972 pela Philips, gravou o LP Os 24 grandes sucessos da era do rock, no qual aparecia creditado apenas como produtor e arranjador (em 1975, com Raul já famoso, este LP seria relançado com seu nome e novo título, 20 anos de rock). Seu primeiro grande sucesso como interprete foi Ouro de tolo, em 1973, incluída em seu primeiro LP solo Krig-há, Bandolo!, do mesmo ano e que incluiu outros êxitos, como Metamorfose ambulante, Mosca na sopa e Al Capone (com Paulo Coelho). Seu sucesso se consolidou com os três LPs seguintes, Gîtâ (1974), Novo aeon (1975) e Há dez mil anos atras (1976). Mudando-se em 1977 para a Warner (que inaugurava sua filial brasileira), gravou três LPs: O dia em que a terra parou (1977), que inclui Maluco beleza (com Cláudio Roberto), que se tornaria um hino da geração hippie, Mata virgem (1978) e Por quem os sinos dobram (1979). Apesar de crescentes problemas de saúde e varias trocas de gravadoras, manteve o prestigio e o sucesso em quase todos seus LPs seguintes: Abre-te sésamo (CBS, 1980), Raul Seixas (incluindo sucessos como Capim-guiné, com Wilson Ângelo, e Carimbador maluco, este incluído no musical infantil Plunct, Plact, Zumm, da Rede Globo, Eldorado, 1983), Metrô linha 743 (Som Livre, 1984), Uah-bap-lu-bap-lah-bdim-bum! (Copacabana, 1987), A pedra do Gênesis (Copacabana, 1988) e A panela do Diabo (em dupla com Marcelo Nova, um de seus maiores discípulos e líder do Camisa de Vênus; Warner, 1989). Seus outros sucessos incluem Como vovó já dizia (com Paulo Coelho, 1975), Rock das "aranha" (1980) e Cowboy fora-da-lei (1987). Com público dos maiores e mais fiel, foi o primeiro artista brasileiro a ter um LP organizado e lançado por um fã-clube, a coletânea de gravações raras Let Me Sing my Rock-and-roll (1985, mais tarde encampada pela Polygram com titulo Caroço de manga), e mesmo após sua morte continua exercendo influência, com músicas regravadas por artistas tão diversos quanto Caetano Veloso (Ouro de tolo), Irmãs Galvão (Tente outra vez), Margareth Meneses (Mosca na sopa), Deborah Blando (A maçã) e o grupo RPM (Gîtâ). Em 1995, varias homenagens marcaram seu aniversário – faria 50 anos. Foram lançados um livro, O trem das sete, Editora Nova Sampa, e um CD, Sociedade Grã-Kavernista apresenta sessão das dez, reedição do LP de 1971. Morreu em São Paulo, em 21 de Agosto de 1989.
Isso é tudo pessoal...
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