Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna Contos dos Cantos da Gente, por Valéria Surreaux.

15 de ago. de 2009

Coluna Contos dos Cantos da Gente, por Valéria Surreaux.

Carmem Rosa

Carmem Rosa caminha pela casa inundando o ambiente com um aroma de lavanda. Chega a ser bom o cheiro enjoativo que dela exala, pois abranda o cheiro de mofo e morte impregnado nas paredes brancas com adornos de gesso e espelhos bisotês. Uma mulher opulenta, de carnes brancas como porcelana e uma maquiagem cor de alabastro que deixa o rosto com uma desumana lisura de cera, parecendo uma pintura saltada das telas sacras do Renascentismo. Os gestos exuberantes e sonoras gargalhadas quase escondem sua interioridade misteriosamente triste, mas colaboram colorindo a casa antiga onde um dia chegou,atraída por um anúncio, oferecendo-se para fazer companhia ao velho Francisco e dar-lhe mais vida e saúde lavando-lhe os olhos com uma sensualidade de leoparda. Gosta de ser chamada de enfermeira, tarefa esta, que nunca executou com devida competência, sendo mais apta para desfilar o corpo carnudo diante dos olhos moribundos do velho. Velho Francisco limitou-se a pequenas alegrias obtidas com a mais paciente colaboração de Carmem Rosa que ouve seus delírios com fingida preocupação e conta-lhe tristes e bizarros episódios de sua vida. A vez que foi currada por sentinelas de um quartel do interior, o homem casado pelo qual se apaixonou e que possuía o órgão sexual mais avantajado que conheceu e que a abandonou numa estrada deserta numa noite de chuva por ela ter-se recusado a oferecer-lhe prazeres pouco ortodoxos, levando com ele a sacola inteira de Avon que ela revendia. O chibeiro com o qual fugiu para o Chile e obrigava-a, sob ameaça de morte a entregar-se a uma africana lésbica enquanto assistia a tudo lambendo o salto de seus sapatos vermelhos. Os olhos de Francisco brilhando efervescentes.
- Que foi velho? Que sorriso debochado é esse pendurado nesta boca murcha? Quer historinhas inteligentes eu sei contar também.
- Nem tente.
- Não sabe que eu também li? Não digo que tenha lido este magote de livros que tem nessas estantes porque nunca fui desocupada. Mas li.
- Eu imagino que tenhas lido bastante.
- Pois li e também tive marido muito letrado, além de bom de cama.
- O que eu gosto de ti é tua disposição e tua ignorância cósmica. Não estraga as coisas. Mas me conta, que conversa tinhas com teu marido letrado?
- Pois eu te digo, que além de ter feito coisas que tu nunca terias imaginação de executar nem no pior chinaredo, quando tu ainda te sustentavas nas pernas, era mais inteligente do que tu.
- Era?
- Tão inteligente que até pra UTI ele já foi
- Ah, bueno, isso realmente não é pra qualquer um. Agora vai lá trazer minha sopa e volta logo para contar da orgia em Moçambique. Ela levanta gargalhando deixando no quarto escuro o cheiro úmido de lavanda e o velho envolto num encantamento que abreviava suas horas arrastadas, contando os segundos para tê-la novamente inteira, no seu mundo inventado, fazendo-lhe despertar do sono triste ao qual se condenou depois da morte de sua esposa de olhos azuis e nome de flor.

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