Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna de Benhur Bortolotto, dia 29/08.

3 de set. de 2009

Coluna de Benhur Bortolotto, dia 29/08.

Lula tem algo que apela a um sentimento em mim que não sei bem qual é, mas que me faz sorrir; e um sorriso não é uma risada. Me causa sabe-se lá que tipo de ternura, enraizada num alívio fugaz, inocente, e, sejamos razoáveis, tolo. Não um alívio de esperança, que agencia uma vontade ou uma fé de mais e melhor, não este alívio futuro de bonanças vindouras, que já se sente quando se inicia um nem sempre irrefreável movimento de encontro. Lula me dá a impressão de consertar algo, não no presente, não para o futuro, mas no passado, algo que graças a sua imagem contextualizada da forma que a temos nos jornais, nos noticiários, não passa batido. É porque num país saqueado intelectualmente por fardas de ignorâncias deliberadas em que cintilavam méritos de valores e princípios e patriotismos e honras; num país em que os propósitos políticos veiculam a malandragem pretensamente elegante de escroques imortalizados por letras mal escritas e não muito bem lidas; em que a elite econômica espúria não precisou sequer construir lobbys porque construiu uma cultura de inveja e ganância com a qual faz orbitar à sua volta um cardume de interesseiros alienados que pescam com anzóis de promessas e fazem emergir como líderes, e são só os patifes ordinários de sempre; num pais que nos últimos anos construiu esse tipo de política, ser politicamente incorreto, pairando sobre isso tudo sem estar alheio às engrenagens desse mecanismo, e mais que isso, sendo peça fundamental nela, é a radicalização possível de toda ética torta que os estes e os aqueles das direitas e esquerdas alegam sonhar. Há uma honestidade brutal no "Sifu" de Lula, algo que achincalha os "Vossa Excelência" que precedem xingamentos inverossímeis e exaltações comedidas pelo decoro embrionário de senadores engravatados que se gabam de fortunas, jatinhos, morenas e vacas. O "Sifu", talvez inapropriado, soa natural, verdadeiro, ficamos diante de um homem se expressando de acordo com o próprio entendimento; despretensioso, quem sabe, até inebriado por uma crença de força e superioridade que por um momento lhe torne invulnerável a mais pretensão que a de ser o homem simples que preside a república sem estudos, sem etiqueta e sem berço. Se Fernando Henrique Cardoso foi um presidente arrojado, didático, paciente e cauteloso; cartesiano, e viu-se em meio a empresários e comerciantes de erudição fajuta que falam em Hegel sem saber o que dizem, e falam em fome sem saber o que arde e falam em justiça social, aí sim, sabendo muito bem o que custa, Lula chegou ao poder com uma revoada de nietzschianos inconseqüentes que falavam em ética sem responsabilidade e em administração sem experiência e em derrubar as elites estabelecidas - mas só para estabelecerem seu corporativismo perigoso e saqueador. E ambos parecem esperar mais ou menos a mesma coisa para o Brasil, cada qual com sua ingenuidade. Que ingenuidade não é coisa que se diga de um professor universitário que lecionou nas mais prestigiadas universidades do mundo, não é verdade: ou não teria sentado na cadeira do prefeito para aquela foto que lhe causou tanto desconforto, nem teria apostado na terceira via de Blair, na social democracia e na capacidade da sociedade brasileira de assumir responsabilidades que julgava perigosas de se atribuir ao mercado e já impossíveis de se confiar ao Estado; ou de um homem que atravessou escândalos com uma resiliência admirável, desfazendo-se do que lhe poderia carcomer a vitalidade eleitoral e construindo um projeto improvisado - talvez nem tanto - numa mulher competente e sobretudo leal, mas que acredita que é possível, salvando Sarney, garantir o apoio de um partido cujas pretensões estão borrifadas em núcleos tão diferentes, de peixes subversivos, ainda na órbita daquilo que almejam, mas tendo eles próprios motivado o circular de novas órbitas, que são como degraus menores para se atingir os objetivos da gente arrivista que anda por aí se digladiando por ilusões de poder, de espaço e de individualidade, tornando-se todos tão iguais que fariam qualquer espectador mais lúcido e compassivo ter pena. Lula, como FHC, difere-se disso, mas, ao proteger José Sarney, perde uma grande oportunidade de deixar claro que esse componente subversivo de sua personalidade é apenas subversão saudável, torna-se duvidoso, adquire, na sua ingenuidade, uma frieza calculista, e castra esse meu sorriso, que precisa contentar-se apenas com o símbolo infrutífero, mas que não é, pelo menos, indigesto. Talvez à noite, em sua cama, protegido da voz entusiasmada de cidadãos enlouquecidos, possa ouvir o medo, a dúvida, esquecer do que é de fato, e lhe caibam então as outras pretensões; assombre-lhe o pavor do dia em que o homem simples, neste país de improbabilidades sucedidas, novamente não seja nada. E, em segredo, diz-se a si mesmo: Há que enternecer, mas sem jamais perder a dureza.

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