Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna de Jayme del Cueto, dia 29/08.

3 de set. de 2009

Coluna de Jayme del Cueto, dia 29/08.

O piloto
Na televisão, sempre que se pretende lançar um novo programa é usual que se faça um piloto. Piloto, para quem não conhece o termo, é um teste, um episódio para que se aquilate a reação do público à novidade. E, mesmo que ela seja favorável, não é improvável que se abandone o projeto. Esse preâmbulo todo é só para informar aos leitores que estarão sendo testados para a remota possibilidade de algum dia eu vir a cometer minhas
Memórias Descompromissadas:
A noite havia sido longa e ansiosa como todas as noites que antecedem a uma viagem rumo ao desconhecido, e põe desconhecido nisso. O guri nunca havia ido mais longe do que Porto Alegre onde estudara nos últimos dois anos e mesmo aí já se sentia desenraizado da sua cidade natal lá fronteira oeste do seu estado onde moravam seus pais e ficaram todos seus amigos da infância, da adolescência e suas primeiras tentativas de namoro. Namoro? Não era bem isso. Às namoradinhas de sua idade preferia as mulheres do meretrício que frequentava desde cedo numa rotina seguida por quase todos os amigos de sua turma: Aos sábados à noite era dia se mandar pro chinaredo, tomar um pilequinho com as percantas e, com sorte ganhar um amorzinho. Sempre de graça, que isso de pagar mulher é coisa pra velho, afinal, segundo seu avô, um ‘viejo’ espanhol: “Gigolô es la única profesion digna de um hombre”. E desde os quinze anos ele tentava seguir à risca o ensinamento do velho, de quem quase não lembrava, já que morrera quando nosso herói ainda usava calças curtas e cabelo cortado no estilo pajem. Isso mesmo, cabelo pajem era a suprema elegância que as mães do inicio dos anos trinta impunham aos seus rebentos. Assim é a mais longínqua lembrança que lhe vem quando escarafuncha os meandros mais profundos de sua memória: Um menino com o cabelo pajem, a camisa branca com jabô e as calças curtas de veludo azul-marinho correndo pela calçada da praça principal tendo debaixo do braço o jornal da capital, recém chegado pelo trem das vinte e quarenta e cinco, com um pequeno atraso de uma hora, que seu pai acabara de receber e ele fingia anunciar aos transeuntes. Os amigos do seu pai também fingiam comprar e menino pegava o dinheiro, mas não lhes entregava o jornal. Muito precoce...
Na vida parece que se está indo sempre ao encontro do desconhecido... Anos, muitos anos mais tarde ele estará numa estação ferroviária com um violão em baixo do braço indo para a fronteira do Paraguai sentindo, como agora, o mesmo frio na barriga fruto de sua insegurança.
Para chegar até àquela madrugada muita coisa havia mudado na sua adolescência recém finda passada quase que inteiramente numa modorrenta cidade às margens do rio Uruguai. Mesmo assim uma saudade antecipada e angustiada apertava seu peito fazendo aumentar a expectativa sobre o que lhe trariam os próximos dias. Como chegara até ali lhe parecia algo meio inexplicável pelo desenrolar dos acontecimentos.
Há somente três anos viera morar na casa de seus avós em Porto Alegre para estudar num estabelecimento símbolo do ensino no estado – o “Julinho”- designação carinhosa do Colégio Estadual Júlio de Castilhos e lá sua trajetória não fora das mais gloriosas. Repetira o primeiro ano do curso cientifico e, diante da ameaça de não ser aprovado também no segundo, decidira-se por prestar exames para a Escola Preparatória de Cadetes onde, com enorme surpresa sua, fora aprovado. Para isso havia trancado sua matricula no Julinho e passara a estudar num cursinho preparatório junto com alguns colegas que moravam numa república onde, com a desculpa de estudar em grupo, tomava pileques de samba em Berlim, o drinque da moda: cachaça com Coca-Cola. No grupo havia um mais responsável que, já tendo tentado aprovação em exames anteriores, procurava sem sucesso impor alguma ordem naquela bagunça. Eram cinco candidatos e, para surpresa de todos os, o único aprovado foi nosso piá da fronteira. Mas, como nada na vida é perfeito, não conseguira vaga na escola de Porto Alegre. Por isso ali estava agora ali, tresnoitado, naquela madrugada de março em que embarcaria para Fortaleza, capital do Ceará, localidade difusa na sua geografia pessoal, distante, naquele tempo, dois dias de vôo da capital dos pampas. Essa perspectiva é que lhe causava aquela sensação de insegurança: a distância e o fato de nunca haver viajado de avião já que nas idas e vindas de sua cidade, sempre usara o trem. Hoje, décadas depois, dessa madrugada o trem, aquele trem, é uma saudade teimosa encravada em sua lembrança, inexplicavelmente preterido pelo progresso, com suas antigas estações abandonadas em paradas e cidades decadentes. Foi-se com ele uma maneira civilizada de viajar tranquila e comodamente. Hoje, só se chega àquele rincão da fronteira oeste gaúcha de ônibus por uma estrada o mais das vezes esburacada e, como tal, perigosa. Acabaram-se as aprazíveis e românticas viagens da velha maria-fumaça quando os passageiros ainda tinham tempo para um convívio mais demorado onde tantas vezes se fizeram novas, e por vezes duráveis amizades...
... TCHAN, TCHAN, TCHAN! Aguardo sua opinião.

Nenhum comentário: