Caminho de volta
Texto foto e vídeo de Valéria del Cueto
Querida cronista. A que voluntariamente enclausurada garantiu sua passagem permanente à maior liberdade que um ser humano pode ter: a interior.Este seu amigo extraterrestre visitante nas noites de lua cheia pela fresta da abertura de sua cela do outro lado do túnel, reconhece a inutilidade do fato e vem mui respeitosamente pedir desculpas por todas as vãs tentativas de insistir em criar uma conexão a este mundo (ir)real.
É daqui, de uma das suas praias, que informo a decisão muito pensada e avaliada de mantê-la alheia aos últimos acontecimentos.
Hoje é um dia lindo, uma segunda-feira de setembro solar. De praia cheia no fim de tarde.
Daquelas que deixam a impressão (pelo efeito fotográfico do contraste explícito na direção do Leblon e do Morro Dois Irmãos) que o mar azul está emoldurado por reflexos rosa/alaranjados nas espumas das ondas e marolas brincalhonas.
Com os movimentos da maré que está subindo se desenham curvas e laguinhos. Imagens efêmeras no vai e vem do mar. Incessantes e hipnóticas.
Nesse espaço semiaquático se veem os contornos dos corpos de quem passa caminhando na linha do mar ou em direção a um mergulho. Foi um desses banhistas que que informou, gritando para o grupo de amigos da barraca na areia, que a água está gelada.
No mesmo contraluz dá para apreciar crianças brincando nas poças que começam a encher aproveitando enquanto o sol não cai por trás das montanhas.
Ainda estamos em setembro e, como você me ensinou, sabemos que somente em dezembro ele cairá no mar, rasgando as águas com seus raios refletidos na superfície oceânica.
Em algumas rodas improvisadas as bolas sobem, descem e, quando podem, fogem dos pés dos atletas de fim de tarde estimulando os malabarismos corporais dos jogadores de altinho.
Vai durar pouco o espetáculo. Com a subida da maré a faixa de areia ficará estreita e íngreme dificultando a prática de um dos esportes preferidos por aqui.
Não pense que estou fazendo essa narrativa somente para você. Espero que esteja gostando. Faço também para mim, pobre Pluct Plact, o viajante interplanetário. Este ser estranho aprisionado nesse mundo. Sem a força propulsora necessária tomar um rumo espacial ou o privilégio de uma cela libertadora como você, amiga e mentora.
Preciso purificar meu olhar, depurar meus sentimentos. É, tipo limpar o HD da minha recém adquirida inteligência emocional. Ocupar meus slots com singeleza. Reprogramar a rotina com gentileza. Exercer a prática sem contra indicações da bondade inerente.
Coisas raras por aqui onde somos bombardeados por torpezas, vilanias, violência e obscurantismo. Não há mais limites para a barbárie. Apenas alvos, disparos, robôs e intolerância destrutiva. Muita.
Por isso, agora quem precisa de você sou eu. Para dar uma guinada no fio que sustenta a pipa que, hoje reconheço, somos cada um de nós vindos de qualquer lugar da terra ou, no meu caso, de fora dela.
Preciso de mais linha, ou que ela seja bruscamente recolhida no carretel, para que possa olhar e ver com outros olhos, captar as sensações de maneira diferente. Estes olhos que já viram muitos mundos e galáxias estão cansados de tanto desamor concentrados num só planeta.
Estou à procura nessas linhas do caminho de volta para a inocência e à pureza. Elas, as que deveriam manter a esperança de harmonia no universo...
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM FIM… delcueto.
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