Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: fevereiro 2020

19 de fev. de 2020

Crônica de um quase carnaval, por Valéria del Cueto

Crônica de um quase carnaval

Texto e foto de Valéria del Cueto
Demorou a hora de falar do carnaval. Foram tantos os percalços nessa temporada que o ano passou enquanto esperávamos no que iam dar.

Teve virada e desvirada de mesa na Liga da Escolas de Samba, a Liesa. Jorge Castanheira, seu presidente, quase foi e voltou. A Imperatriz Leopoldinense, rebaixada em 2019, fez o que podia para ficar no Grupo Especial, mas a manobra foi mal sucedida. Desceu pro Acesso e trouxe para desenvolver seu enredo reprisado “Só dá Lalá”, o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira. Há males que vem pra bem. O realinhamento pode ser uma excelente oportunidade para a escola de Ramos.

Enquanto isso, as escolas aguardavam as decisões das esferas governamentais. Do mato da Prefeitura do Rio de Janeiro, sob o comando de Marcelo Crivella, já se imaginava que pouco ou nada surgiria.
Houve, inclusive, uma tentativa de entregar o Sambódromo para o Estado. O governador Wilson Witzel ficou animado. Mas na véspera da assinatura do convênio, dia 8 de novembro de 2019, a Procuradoria Geral do Município desaconselhou a iniciativa. Alegando que a transferência poderia ser contestada na justiça, já que feita sem a consulta ou o aval do legislativo municipal, cancelaram a cerimônia que aconteceria no Sambódromo.

Atentem para o fato que já era novembro e nada do comprometido no Termo de Ajuste de Conduta. O TAC, firmado entre o MP, a Prefeitura e a Liesa para a realização do desfile de 2019, incluía uma série de obras estruturais na Passarela do Samba. A urgência era maior já que os cuidados com a conservação deixam a desejar desde a última reforma, em 2012.

As obras foram, finalmente, anunciadas dia 13 de novembro. Um mês depois o Ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio e o deputado Flávio Bolsonaro tiravam fotos na Apoteose anunciando os repasses.

Na virada do ano, a prefeitura anunciou a abertura de “50 dias de carnaval” com o Bloco da Favorita, em Copacabana. Pegos de surpresa, agentes públicos de segurança, saúde e limpeza avisaram que não tinham contingente para atender um mega evento em cima do laço. Entre o libera, não libera, a Justiça decidiu que o bloco gigante não poderia se locomover, apenas se apresentar no palco. As cenas lamentáveis do final da festa, com enfrentamento entre polícia e ambulantes e foliões, percorreram o mundo.

A previsão informada na mesma coletiva da Riotur de que o Sambódromo seria entregue no dia 30 de janeiro já era, por si só, uma indicação da falta de planejamento do poder público. Em anos anteriores os ensaios chegaram a começar logo depois do dia Nacional do Samba, 5 de dezembro. Como buscar patrocinadores sem a garantia da entrega do espaço? A Liesa bem que tentou.

Mas podia piorar? Sim. Retardando a entrega da verba para as escolas da Intendente Magalhães (em setembro anunciou que iria triplicar o valor, passando para R$3 milhões). Crivella só efetivou o pagamento dia 13 de fevereiro.

Junto com o atraso das obras do sambódromo houve uma inversão dos gastos com as Escolas de Samba. As dos grupos que desfilam na Sapucaí não receberam subvenção da prefeitura. Essas agremiações vendiam seus ingressos, as da Intendente não. Ruim para o Grupo Especial, com mais viabilidade de patrocínios e venda de transmissão, péssimo para o Acesso com muito menos visibilidade.

Sem ensaios técnicos, com São Paulo dando banho na organização da festa, o final de semana que antecede o carnaval foi esperado com ansiedade pelos sambistas cariocas. O dia do ritual de lavagem da pista e o ensaio da escola campeã, no teste de luz e de som da Sapucaí é de lei. Necessário para “afinar” a estrutura da passarela.  Pois acredite, na sexta-feira ainda não havia confirmação da liberação da Sapucaí. A Riotur informou na véspera: “Na madrugada deste sábado, 15 de fevereiro, o Sambódromo foi liberado para a realização do evento de teste de luz e som com a campeã do Carnaval de 2019 e a tradicional lavagem da Marquês de Sapucaí para domingo”. E choveu a cântaros na hora da lavagem.

Em tempo: o prefeito Marcelo Crivella avisou que “por não saber sambar” não comparecerá aos desfiles.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “É carnaval”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

5 de fev. de 2020

Quase intocável - crônica de Valéria del Cueto

Quase intocável

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Querida cronista voluntária e sabiamente enclausurada do outro lado do túnel. Sem mais delongas eis-me aqui cada vez mais impregnado dos insuperáveis defeitos humanos para dizer (como já fiz antes) que estou em débito moral com você, amiga. Dessa vez confesso sem a menor vergonha na cara que minha ausência foi proposital.

Eu, Pluct Plact, o extraterrestre impedido de sair desse planeta informo, pela fresta de lua que nos une na minúscula janela da sua cela, que me recusei teimosa e peremptoriamente a expô-la aos horrores recorrentes e vigentes aqui do lado de fora.

Não precisei usar nenhum recurso da minha sofisticada (e inoperante no quesito deslocamento) nave interplanetária para concluir que, por maior que fosse o sofrimento da espera vã a que, reconheço, lhe submeti, ele é menor que as palavras ou o olhar de desalento e desesperança que levaria até você. Acho que fui contaminado pelo mal humano do século XXI. A tal depressão.

E olha que, imagine, escrevo diante da visão de um espetacular pôr do sol admirado da praia no meio do caminho entre o Arpoador e Ipanema. Daqueles que enchem os olhos de lágrimas dos que se dispõem a se deixar impregnar por uma beleza natural quase indescritível (olha eu, pretensioso, tentando).

Estou trazendo notícias porque jurei (tem coisa mais humana?) que não deixaria o primeiro mês do ano da graça de 2020 passar sem chegar até você. Para o bem ou para o mal, não consigo carregar minhas reservas de informações por mais tempo. Exauri parte do meu HD de efemérides terrestres. Infelizmente a dos dados negativos.

Não, não estou exagerando nem sendo dramático. Vivemos aqui fora tempos tenebrosos onde o representante governamental da cultura se traveste e ambienta suas aparições com postura, atitudes e frases retiradas do que o mundo produziu de pior, o nazismo. Em que o rock, o rap, o funk e outras manifestações artísticas populares correm risco real e palpável serem enquadrados pela censura!

Aqui a intolerância se sobrepõe e esmaga qualquer movimento ou iniciativa que discorde ou alerte sobre seu avanço. E vale tudo para se impor. A violência e a intimidação viraram a corda dissonante usada para estrangular e tentar sufocar quaisquer tentativas de reações a esse movimento que engolfa e engole o amor, vomitando diariamente sua arrogância e prepotência.

Tento evitar palavras duras para descrever inenarrável, mas reconheço minha incapacidade de amenizar tanto horror. Os humanos não parecem se dar conta de que estão num processo autofágico e irreversível de autodestruição. Jogam bombas, erguem muros, fazem expurgos enquanto desconstroem a humanidade e contaminam seu habitat. Pobre planeta!

Não irei longe para não precisar falar da Austrália que arde em chamas, nem do novo vírus letal que isolou, para iniciar sua missão mortal, uma megalópole chinesa, fechou parte da lendária Muralha da China impedindo, inicialmente, o ir e vir de dezenas de milhões de habitantes da região. No insucesso para conter sua expansão mundo a fora, até a Organização Mundial de Saúde reconheceu a barbeiragem na aplicação dos protocolos mínimos para conter o avanço da doença mortal.

Por aqui, Minas, Espírito Santo e o norte do Rio de Janeiro sofrem com chuvas torrenciais que deixam mortos, desabrigados e um rastro de destruição. O governador fuzileiro do Rio de Janeiro apelou no viva-voz pela ajuda militar ao vice-presidente. Precisam de água potável! Entendeu? Sim, eu disse água potável. Não, não é filme de ficção. Acontece que os reservatórios da CEDAE e os mananciais que abastecem a população fluminense estão contaminados por algas e outras substâncias. Enquanto o governo afirma que está tudo bem e o líquido é consumível, o mau cheiro exala do que jorra pelas torneiras com uma cor de barro quando foge.

Para sua sorte acabou meu espaço para narrar as misérias que nos afligem! Olho para o horizonte onde o sol, majestoso se põe sem medo de não nascer amanhã. Por enquanto. Pela praia vejo correndo, tentando abraçar o horizonte cor de fogo uma menina. Sim, querida. Ainda há esperança.

Ela mora na inocência e na alegria de quem não entende a maldade que soterra o presente e passa saltitante em direção ao mar tranquilo de temperatura cálida. Se junta aquela que persiste, enquanto deixarem. A natureza que, em todo seu esplendor, sobrevive e insiste em permanecer enquanto der, quase intocável...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com


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