De onde sou
cria
Texto e fotos de Valéria del
Cueto
Acontece que estou impregnada do meu amor primeiro, apesar de
traído várias vezes, o Leme. É a ele que o olhar se volta assim que chego perto
da guarita da pedra, na divisa do Forte de Copacabana. Uma mureta e um aramado
impedem a passagem guardada por um soldado vigilante. Pergunto se sabe onde
nascerá a lua. Diz que não com cara de quem não entende muito de coisas de lua.
Natural, espacial nem exotérica. Aviso que é muito sortudo apesar do friozinho.
Do ponto em que está de sentinela verá um lindo anoitecer.
A lua subirá cedo, às 17:42. Enquanto escrevo ergo o olhar e
observo o céu azul sem nuvens. Só com a barra de poluição sendo colorizada em
tons rosados no lusco-fusco. Observo a quantidade de pinguins, os turistas, que
esperam o sol cair para aplaudi-lo em Ipanema. Que contraluz. Tudo lindo!
Acho que expandi a sensibilidade visual ontem no Leme.
Fazia tempo que não ia ao meu paraíso perdido. Achava que seria uma
passagem rápida só pra acarinhar, como sempre, a Pedra do Leme do Caminho dos
Pescadores. O tempo andou manhoso, birrento, cheio de crises de choro. O mar
pesadão sempre em tons de chumbo refletindo o céu cinzento e nublado que trazia
as chuvaradas. Não esperava nada do passeio, só que...
Quando cheguei na subida do Caminho dos Pescadores, já na
estátua de Clarice Lispector e seu cachorro sentada na mureta, vi que o passeio
ia dar liga. A primeira imagem pulou da câmera quando um outro cão se chegou na
poetisa enquanto seu dono estava sentado ao lado. O fundo era aquele visual de
Copacabana inteira. Cortei o dono (que me perdoe) e esperei um tempo até o Totó
olhar para os mistérios de Clarice.
Continuei para o Caminho em busca do ponto em que entre
pichações, grafites variados e, hoje, uma bike camuflada. Me agarro nela, a
pedra, para saudá-la. Imagine a cena, caro eleitor. De costas à beleza
estonteante, mãos e corpo grudados ao monólito como uma lagartixa, conversando
com os meus e os visitantes passando de um lado pro outro. O ritual não é
demorado. É o tempo uma saudação, um Pai Nosso, aquecer a alma e deixá-la ser
embalada pelo som das ondas e marolas do vai-e-vem do mar no costão do Leme.
Estou em casa.
Depois de impregnada da força da pedra é só fazer um giro de 180
graus e abrir, aí sim, a visão para a força estonteante do cenário que se
descortina de lá. Imagino caravelas em tempos antigos acompanhando o deslizar
de um veleiro.
Pode ser que essa beleza não provoque nenhum efeito em outras pessoas.
Em mim é um sopro de vida, numa ressuscitação boca-a-boca. Audição e visão
expandidas à grandiosidade da paisagem. Minha reação é baixar os olhos para o
local que produz o som inconstante que hipnotiza e, achava, estaria turvo,
agitado. Aí, vem o que fez mudar o rumo do registro aqui no caderninho. O
primeiro ponto é a cor da água. O segundo, sua limpidez azul esverdeada. Está
bom? No sobe e desce da maré da lua cheia (olha ela) deu para sentir a sedução?
Enquanto me entregava ao ritmo calmo do mar, vi a dupla
passeando. Duas tartarugas brincavam no play aquático natural do costão entre
cardumes. O tempo parou para nadar com eles e eu engatei nas imagens. Ô sina.
Sabe aquele compromisso? Perdi a hora.
E agora, para finalizar porque o espaço está acabando, vou ali
correndo! Se escrever mais as “tugas” (estou íntima) também me fazem perder a
lua cheia do mês de junho que está nascendo. Onde? Para o lado de onde sou
cria. Do Leme...
#saiodoLememasoLemenaosaidemim
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Texto das
séries “Arpoador
e Ponta do
Leme” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com