Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: 2023

12 de dez. de 2023

Liberdade no coração, salve o Almirante Negro - por Valéria del Cueto



Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto

Finalmente vou falar de carnaval. É claro que com uma virada de maré pela proa. Ia elogiar o mini desfile do Dia Nacional do Samba, os ensaios de rua que agitam as noites nas comunidades cariocas e da região metropolitana que se dedicam à f(r)esta, falar do lançamento dos sambas enredo pela Rio Carnaval nas plataformas musicais e a expectativa na chegada dos ensaios técnicos em janeiro. Faltam só dois meses para o carnaval!

Playlist do mini desfile

https://youtube.com/playlist?list=PLNVGym3VNemBmCWEGksqShl8TYNoiNre1&si=GVK8-rla1F02EZIc

Ia e vou, mas com o olhar voltado para uma escola, um enredo. Pelo menos nessa crônica.

Visitei os enredos para analisar os mais interessantes aos ouvidos e olhares dos leitores, especialmente os de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, que acompanham a longa saga da série “É carnaval” em crônicas, matérias, fotos e vídeos.

De cara pensei no caju, fruta tão cuiabana. Seja perpitola (dane-se a linguagem simples), com seu sabor, aroma e cores, seja na música (de Vera e Zuleica, por exemplo), ou na arte de gente do naipe de Adir Sodré e João Sebastião, lá está a delícia.

Passei pela onça da Grande Rio, pela cigana Esmeralda da Imperatriz e o Lunário Perpétuo da Porto da Pedra. Tudo aí ligado a nosso imaginário popular.



Só que no caminho, antes de terminar a rodada, topei com o Paraíso do Tuiuti, o Almirante Negro e episódio que durante muito tempo não fez parte da história do Brasil. Aquele que a gente conhece da música de Aldir Blanc e João Bosco, censurada na ditadura. A que teve que mudar o título de “Almirante Negro” para “O mestre-sala dos mares” e que no refrão almirante virou navegante. Essa!


O movimento que eclodiu dia 22 de novembro de 1910 e só foi nomeado como Revolta da Chibata em 1959 no livro de Edmar Morel, o primeiro a “retratar” o evento. De 1937 a 1945, por exemplo, a história não pode ser contada por causa da ditadura Vargas. Aquela cujo chefe do DPI, Departamento de Imprensa e Propaganda era Filinto Muller. Ele mesmo. Ela ressurge no samba que viraria um clássico do repertório da MPB em plana ditadura de 1964.

Mas, afinal, onde entra Mato Grosso nesse episódio?

Acontece que a revolta que fez os marinheiros tomarem os quatro maiores navios da esquadra brasileira e voltarem seus potentes canhões para o centro da capital federal, o Rio de Janeiro, foi desencadeada por um castigo corporal imposto a Marcelino Rodrigues Menezes.

É aí que entra o personagem nascido em Nossa Senhora da Conceição do Alto Paraguai Diamantino em 1856, João Batista das Neves. Pelo código disciplinar o castigo poderia ser de, no máximo, 25 chibatadas (!). Só que... Ele, o comandante do couraçado Minas Gerais, ordena que sejam dadas 250. Na frente da tripulação que vê o marinheiro desmaiar e continuar apanhando. Deu ruim.

A ordem do mato-grossense desencadeia a revolta que o levaria à morte, já que voltou ao navio mais cedo de uma homenagem, se recusou a sair da embarcação e feriu um marinheiro revoltoso. Deu muito ruim.

Os insurgentes exigiam o fim dos castigos corporais (90% dos marinheiros eram negros) e melhoria na alimentação. Hermes da Fonseca, presidente que havia assumido uma semana antes, se recusou a dialogar e o Senado Federal assume as negociações que levam a proibição das chibatadas e a anistia dos revoltosos, rapidamente quebrada pelo governo.

Centenas de marinheiros foram fuzilados. 2000 expulsos da força. João Candido, o líder, preso, transferido para Hospital de Alienados, tem alta e volta para a prisão na Ilha das Cobras, até ser absolvido de todas as acusações em 1912. É defendido, a pedido da Ordem de Nossa Senhora do Rosário e dos Homens Pretos pelo jovem jurista Evaristo de Moraes.

Aos gaúchos, curiosos pra saberem qual a relação com essa saga esclareço que João Cândido Felisberto, que recentemente teve seu nome inscrito no livro dos Heróis da Pátria, nasceu na Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul. Hoje, município de Encruzilhada do Sul. Sua origem está na letra do samba enredo que diz:

“Ô,ô, a casa grande não sustenta temporais/ Ô, ô, veio dos Pampas para salvar Minas Gerais”

https://www.flickr.com/photos/delcueto/albums/72177720313139456/

Já a origem do estopim da Revolta da Chibata, essa não faz parte do samba. Uma rua de Cuiabá leva seu nome. Outra em Diamantino. Na capital de Mato Grosso não existe um logradouro com o nome de João Cândido.

Por aqui, depois da pérola musical de João e Aldir, é a vez do carnaval (mais uma vez), agora no Grupo Especial das Escolas de Samba, na composição de Moacyr Luz, contar a saga da “Revolta da Chibata” no samba que o Paraíso do Tuiuti “apura” nos ensaios de rua e levará à Sapucaí. Segura o refrão:

“Liberdade no coração/ o dragão de João e Aldir/ A cidade em louvação desce o morro do Tuiuti/”

Playlist do ensaio de rua 

https://www.youtube.com/playlist?list=PLNVGym3VNemB2dEk9XmAFaXIFMeT-BqV9

*Valériadel Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

28 de nov. de 2023

O cativeiro social e o direito autoral

O cativeiro social e o direito autoral

Texto e foto de Valéria del Cueto

Desenho florezinhas infantis na página que antecede esse texto no caderninho enquanto penso em por onde começar. Onde vou terminar, só o limite imposto pelo espaço do jornal de (mais ou menos, sempre pra mais) duas laudas, dirá.

Não, não sou eu quem me navego. Aprendi a lição com Paulinho da Viola que aprendeu com seu pai, César Faria. Se tivesse esse poder de me navegar não seria jornalista. Os eventos me procuram, não eu a eles e, como ser social, sou impelida a re/agir aos acontecimentos. Jornalisticamente

Essa escrevinhação era para ser sobre o Dia Nacional do Samba, 2 de dezembro. Data especial no calendário de quem, como eu, vê no ritmo uma avenida de prazeres para os necessitados de poesia e movimento se lançarem no período carnavalesco.

Festejos se espalham pela Cidade Maravilhosa. O Trem do Samba parte da Central do Brasil fazendo a ligação com as comunidades que ao longo dos trilhos consolidaram as características identitárias do povo do samba. A festa deságua em Oswaldo Cruz.

Aqui, na ponta do centro da cidade, desde o dia primeiro de dezembro a Cidade do Samba festeja com mais uma edição de mini desfiles, escolha da corte LGBTQIAPN+, shows com Diogo Nogueira e a roda de samba do Beco do Rato, entre outras atividades programadas pela Rio Carnaval, a Liesa e a Riotur.

Entre as duas noites haverá a abertura da exposição “Corpo Popular”, de Leandro Vieira, com curadoria de Daniela Name, no Paço Imperial.

O carnavalesco campeão ocupa um dos mais nobres espaços culturais cariocas com um triplo carpado (estou com mania dessa imagem, daqui a pouco passa) finalizado com perfeição com os pés plantados no sofisticado universo das artes plásticas.

Lá vamos nós, do acervo carnevalerio.com, com algumas fotos para uma das instalações que ele criou. Quais são? Onde estão? Quem procura, acha. Mas vai ter que procurar bastante. Só dou uma dica: parte das imagens selecionadas é daquela por quem #meuamornuncatemfim, a Bateria da Mangueira.

Esse era meu rumo, esse era meu prumo, até a inaceitável abordagem no aeroporto de Brasília ao Cisne da Passarela, a porta-bandeira Vilma Nascimento, revistada em público numa loja do saguão.

Estava ruim? Pois é, como o mar não tem cabelo, pode piorar. Numa postagem nas redes sociais vi uma foto de Vilma, de punhos cerrados, na Sapucaí. Como reconhecê-la entre tantas? Pelo fato que gerou o registro feito no Desfile das Campeãs do carnaval de 2018.

https://www.flickr.com/photos/delcueto/albums/72157695035591631

A escola de samba Paraíso do Tuiuti deu um sacode na Sapucaí com seu enredo e alcançou sua melhor posição no Grupo Especial, o vice-campeonato.  Vilma fazia o gesto com as mãos fechadas no refrão: “Meus Deus, meu Deus, se eu chorar não leve a mal. Pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social”. Vi a primeira vez fora do enquadramento e a acompanhei na pista até que o refrão se repetisse.

E lá estava a imagem nas redes sociais postada pela Anistia Internacional Brasil com o crédito: “reprodução”.

Sim, o carnaval está chegando. Época em que, paradoxalmente, evito as redes onde tenho que ficar brigando por algo que deveria ser óbvio: o direito autoral das imagens do acervo carnevalerio.com, protegidas pela lei 9610/1998.

Pelo “X” pedi que entrassem em contato. O que aconteceu rapidamente. Expliquei que a foto havia sido, inclusive, cortada. Dava pra ver a beira da marca d´água do lado direito. A gentil assessora esclareceu que havia sido capturada na rede, já sem o crédito.

Fui atrás e lá estava ela, publicada pela Veja Rio, na coluna de Bruno Chateaubriand com a marca d 'água e o incrível crédito: “divulgação/divulgação”. Depois de algumas retuitadas o colunista entrou em contato e explicou que a foto chegou com um release sobre a honraria que Vilma recebeu dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Ele também foi gentil, diligente e está sendo muito correto para sanar o uso indevido.

O que chamou minha atenção e demandou a mudança de rumo do meu barco/crônica foi o fato de que, em ambos os casos a responsabilidade pela inserção do material de forma irregular foi creditada a terceiros quando, na realidade, cabe ao editor/responsável pela publicação do material checar a fonte da foto, assim como a das informações veiculadas. Esse é o papel do jornalista. Checar informações. 

A questão do direito autoral é muito séria, envolve interesses conflitantes  e está no foco de discussões nas câmaras parlamentares nacionais e internacionais. Se informe, é o que peço.

É visível e, no meu caso, sentido na pele, o enorme desconhecimento sobre o tema que mudou o rumo da minha prosa para registrar um dos muitos casos que se repetem e multiplicam a cada temporada carnavalesca.

Essa, que não poderia deixar começar com uma saudação especial. Salve o Dia Nacional do Samba! Os sinais indicam que o tempo da folia está chegando.

Evoé, Momo!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

https://youtu.be/1Md4JrXpkbY?si=M4mozY_cZXpJnyfH 

Studio na Colab55

13 de nov. de 2023

O bambu e a flecha, de Valéria del Cueto


O bambu e a flecha  

Texto e foto de Valéria del Cueto

Queria falar de carnaval. Se pudesse. Esse título também caberia na crônica que imaginava escrevinhar no meio do mundo, pra variar, no domingo. O tema seria o samba do Salgueiro, um canto comovente e realista sobre os Yanomami.


Só que... Hoje é 12 de novembro, Dia do Pantanal.

Antes de ligar o bioma a efeméride vejo o drama que se desenrola em parte da maior planície inundável do mundo. Mais uma vez, como em 2020, ela arde sob os olhares complacentes e cúmplices de quem tem o dever constitucional de preservá-la.

Mesmo assim pensei em manter o foco na folia, ou falar dos planos do réveillon carioca, para compensar o peso dos últimos textos sobre os acontecimentos no Oriente Médio.

Resisti até abrir o “X” e me deparar com postagens do PL. Ele, o Partido Liberal, comemorando o Dia do Pantanal nas redes sociais. Ele e, também, sua parlamentar Carla Zambelli, a dona que correu atrás de um eleitor apontando uma arma pelas ruas de São Paulo nas últimas eleições.

https://t.co/SYdGuYH3iI

Foi a gota d´água para mudar minha melodia de um samba enredo para um lamento nativista. Falo de “Queimada”, um dos socos no estômago que levei na 10 Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, a primeira que acompanhei, em 1980. Defendida por Miguel Gonzalez, Os Uruchês e o piano triste e pungente de Cide Guez, sua melodia acompanha e sublima as imagens poéticas da agonia da terra e dos animais. Os versos finais dizem: “É hora do homem parar de agredir, ou gerações futuras serão caravanas errantes, condenadas a morte na fome numa terra que não vai parir”.


Ali caiu minha ficha da responsabilidade que tenho como cidadã desse mundão de não me omitir para alertar, a quem interessar possa, sobre o tamanho da encrenca em que nos metemos ao mexer com o planeta como estamos fazendo. É uma luta longa, muitas vezes inglória e frustrante. Mas, como diz o título do texto, se tem bambu, tem flecha.

E essas são as flechas que carregam mensagens a você, leitor, para alertá-lo a não se deixar enganar por banners motivacionais postados por aqueles que, com seus votos, colaboram de forma direta e criminosa para a destruição de nossas riquezas naturais.

Como assim? O partido que abriga representantes da bancada do agro, (a que quer ampliar a área de plantio às cabeceiras do Pantanal, demarcá-lo na vazante e não na cheia, fazer PCHs - Pequenas Centrais Hidroelétricas, interferindo no curso natural das águas que garantem o frágil equilíbrio do bioma, a mesma que incentiva o avanço indiscriminado agrícola no Cerrado, principalmente na chamada zona do Alto Paraguai), exaltando o Dia do Pantanal? Nele também pontifica a bancada da bala, que avança com projetos de liberação da caça!

Menciono um partido, mas sabemos que esse vírus invasivo permeia outros. Eles desenvolvem ações orquestradas nas câmaras parlamentares municipais, estaduais e federais que corroem a rede de proteção ambiental. O que tem de gente fazendo cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo. O que tem de manipulação de dados e informações!

Todo cuidado é pouco, por exemplo, quando o diligente ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cria de Blairo Maggi, o eterno Motosserra de Ouro, “recorta” dados sobre o agro que não respeita as normas ambientais usando o santo nome de sua colega Marina Silva, do Meio Ambiente, em vão. “Ela disse que menos de 2% dos agricultores cometem delitos”, afirma o pupilo do magnata da soja, “mais de 98% agem de forma correta”, conclui.

Sabe conversa pra boi dormir? É por aí. O que ele não menciona é a quantidade absurda de terras que os “menos de 2%” detém. São os latifundiários que controlam a maior parte. Hoje, 0,7% das propriedades têm área superior a 2 mil hectares. Mas... somadas elas ocupam 50% das terras agricultáveis. Portanto, olha o tamanho do espaço em que esse pequeno e privilegiado contingente pode fazer estragos. Isso se chama manipulação de dados.

E, como ainda tem bambu, não custa nada flechar a meia informação tendenciosa de quem, como gestor público, contribui para colocar lenha na fogueira que arde sem a devida prevenção e contenção no Pantanal e no Cerrado, enquanto vende ao mundo a “defesa” da Amazônia.

Tudo parte do mesmo movimento, o alvo a ser atingido por informações claras que desmascarem a minimização de um problema gigantesco, concentrado e com recursos quase infinitos para patrocinar candidaturas, postergar ações judiciais e vender conceitos como o de que “O AGRO é POP”, botando no mesmo balaio os mega tubarões e o agricultor familiar pra confundir a cabeça do povo. Sinceramente, não acho que seja fácil mensurar o tamanho do problema e das forças que enfrentamos.

Então, deixo uma sugestão. Especialmente aos mato-grossenses que seguiram até aqui a trajetória dessa flecha.

Abra sua janela, tente ver o horizonte e inspire fundo o ar contaminado pelas consequências da ganância que destrói o meio e corrói a qualidade do nosso ambiente. Olhe em volta. Pense no futuro.

Agradeça se (ainda) houver algum bambu a seu alcance. E lute!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM... pantanalsemfim.wordpress.com


 


Studio na Colab55

31 de out. de 2023

(Ch)orando mando a dor embora - crônica de Valéria del Cueto



(Ch)orando mando a dor embora  

Texto e foto de Valéria del Cueto

A casa no meio do mundo é de Oxum. Como eu, ela chora. Vejo fios de suas lágrimas nas paredes azulejadas. Sinto o piso molhado quando caminho descalço em direção as janelas para fechá-las. Hoje isso é um perigo. Um copo escorregou do escorredor e se esfacelou no chão da sala.

A única maneira de secar o pranto acumulado entre as paredes é impedindo a entrada da umidade carregada pelo ar puro do rio que serpenteia ao lado da garagem no andar de baixo.

É como meu reservatório de choração. Nada de conter, tem que esvaziar. Prefiro quando consigo abrir o peito e deixar o choro desabar como cachoeira. Pronto, passou. Mas tem lamento que é de corixo. Vem mansinho, vai longe passeando entre a vegetação ribeirinha e tentando dar uma paradinha. É pranto de remanso. A cada música, lembrança, pensamento...

Esse é aquele que a lágrima fica pendurada e desce devagar, fazendo cócegas no rosto. Até outro dia tinha mantido a promessa de chorar preferencialmente por coisas boas.

Tirando a tristeza, o que me faz chorar com mais facilidade é a raiva. É uma reação imediata. Nem estou “chorando” e as lágrimas já começam a rolar abusadas e desobedientes. Como dizia Carol, chefe de gabinete de Luizinho Soares e escudeira de vida dele, espantada: “E você nem faz careta. Não fica com cara de choro”!

Pois é. O “X” da questão é o que vem depois. Pra mim, esse rompimento de represa é um sinal de que há o risco de virar bicho. Para evitar esse processo tenho corrido de demandas. Deve ser a tal sabedoria da idade. Funciona até a terceira página. Daí pra frente...

Estou chorando. Me prometi uma crônica quinzenal. A meus editores e leitores. Para isso, insisto, logo, penso... E acabo me enroscando porque apesar de ter tanto a dizer (não me pergunte como, depois dessas centenas de textos publicados) não consigo organizar de forma clara as ideias.

Ao som do violão payador de Noel Guarany sigo no ritmo da vassoura com que (esqueci que o piso está chorando) puxo pra fora de casa a poeira em pleno domingo tentando limpar a alma e organizar a crônica. Sou péssima na função, mas gosto de fazer a vassoura riscar o chão chiando e dançando ao ritmo da milonga, no momento.




Para tudo! Corta o plano para quando mal imagino a poeira sufocante e quente da terra arrasada de Gaza. Para não abrir as janelas (mais umidade porque meu choro já começou) corro pra porta. Do lado de fora o vento e os passarinhos. Os que, certamente, não passeiam assanhados entre os escombros provocados pelas mãos dos homens da guerra. E ele rola...

Pra escrevinhar essa crônica meu refúgio é ao lado dela, a queda d’água. Um desvio do rio que já dialogou com você, leitor, em outras ocasiões. Oxum canta pra mim.

Sinceramente, entendo o todo, mas não alcanço os pormenores que fazem alguém achar que tem direito adquirido a qualquer tipo de morticínio. Seja lá quem for. Penso nas mães vendo seus filhos transformados em máquinas assassinas a disposição da sanha de políticos desequilibrados.

Não estou preparada para represar as lágrimas de impotência e desalento diante de tanto horror. Nelas, derramo parte da dor que sinto por quem sofre, os que realmente se esforçam para tentar evitar a barbárie e todos os que, como podem, se manifestam mundo afora pela causa palestina, no caso.

As lágrimas de raiva e revolta vão para aqueles que, por conveniência e oportunismo, passam pano para o espetáculo pavoroso que o mundo acompanha atônito em tempo real.

Aos insanos que promovem e incentivam mais um genocídio com reflexos planetários um alerta divino.  Está tudo lá anotado no caderninho de Deus. Aquele de Amor. A volta, infelizmente, virá. É a lei do retorno em looping universal.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Não sei onde enquandrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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17 de out. de 2023

Fadiga cognitiva - de Valéria del Cueto


Fadiga cognitiva

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista enclausurada do outro lado do túnel. Pela fresta do raio de luar que atravessa a janela de sua cela (ainda) trago notícias do lado de cá. O que deveria ser o escape, pra variar, está em guerra. Mais uma. Eu, que não sou marciano, mas também não sou humano, é quem falo aqui da Terra. Testemunho in lo(u)co o desvario que domina o planeta de onde, sinceramente, gostaria de pirulitar.

Tento dourar a pílula, mas não tem como. Se a coisa já andava ruim por aqui, periclitando ensandecida entre a intolerância costumeira generalizada e o fundamentalismo fanático opinativo, de uma semana e pouco para cá degringolou de vez.

Tá bom, não vou fazer suspense para coloca-la a par dos novos capítulos da saga humana que, parece, estreia uma nova temporada. Pensando bem, talvez, nem tanto assim...

Acontece que, não satisfeitos com os sérios eventos climáticos que pipocam por toda a superfície do planeta (fruto, entre outros fatores, do manejo inadequado de suas reservas naturais, colocadas à disposição da senha dos “ousados”, ávidos e insaciáveis seres humanos), tão pouco preocupados com o excesso de conflitos existentes em vários continentes que afetam a vida das comunidades, especialmente as mais vulneráveis, os habitantes da terra, no caso a prometida, conseguiram extrapolar, mais uma vez, sua capacidade de testar os extremos civilizatórios.

Alguns analistas já previam que países africanos, por exemplo, estavam em pé de guerra. E que estas (várias) arrastariam o mundo que deixou pra trás a pandemia de covid-19 e já se engalfinhava em batalhas sangrentas entre a Rússia e a Ucrânia.

Está acompanhando o raciocínio de Pluct, Plact, seu correspondente extraterreste, cara cronista? Pois é, assim caminhava a (des)humanidade até o sábado, 7 de outubro, do septuagésimo quinto ano de criação do Estado de Israel.

Foi aí que o Hamas driblou o Domo de Ferro, até então o invulnerável sistema de defesa aéreo israelense. Com um trator velho rompeu um trecho da cerca que separa da Faixa de Gaza e, invadindo uma desavisada megapotência no Oriente Médio barbarizou geral, tocando horror em Israel. Estou sendo genérico, se é que isso é possível. Entre centenas de mortos e reféns recolhidos ao território palestino, o que faz o líder atacado que dormiu no ponto e não viu uma marola sequer de preparação das hordas do Hamas e do Hezbollah em seus movimentos coordenados?

Retalia com violência proporcional e, dobrando a aposta, decreta um barata voa para todos os moradores do norte de Gaza. A ordem é para rumarem para o sul, em direção a fronteira egípcia que, ressalte-se, está fechada para refugiados. Inclusive, até outro dia, para cidadãos de outros países, como o Brasil, que estavam na Palestina.

Deu pra ter uma noção geográfica desse mapa da mina explosivo? Então, querida mentora, embaralha tudo com uma overdose de notícias falsas pra tocar fogo no parquinho da geopolítica mundial.

Só penso no tempo em que, graças as suas indicações, mergulhei na história das civilizações(?) tentando entender o que move a ganância humana. Sem esses indicadores e parâmetros não teria argumentos para tentar explicar essa capacidade inerente de autodestruição civilizatória dos habitantes do planeta a meus superiores interplanetários. Maias, astecas, egípcios, gregos, romanos...

Pra que metermos a mão nessa cumbuca? (Imagina euzinho explicando o significado da expressão pra eles.) É só deixar nas mãos dos representantes dos deuses em conflito que a humanidade autofagicamente se depura. Mesmo sabendo que seus atos de barbárie levarão a todos diretamente ao inferno das atrocidades, o que mais se escuta dos líderes mundiais é um brado retumbante e covarde: “eu autorizo”.

As consequências são imprevisíveis porque não há como imaginar os horrores que serão entregues à humanidade ao vivo e a cores, especialmente pelas redes sociais.

Sinto muito, querida amiga, se não tenho nenhuma dose de otimismo e esperança a lhe oferecer aqui de fora.

Meu conselho? Para evitar esse cansaço de pensar que me habita, fique onde está. Foque sua mente na monotonia das paredes nuas da sua cela.

Daí, desloque-se em sua fértil imaginação pelo maravilhoso mundo que conheceu e fez questão de me apresentar antes que essa fadiga cognitiva humana se apoderasse por osmose do seu aventureiro amigo intergaláctico.

E lembre-se: o que é seu está guardado em outra esfera sideral!  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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3 de out. de 2023

Pamplonenado pra carnavalizar - de Valéria del Cueto


Texto e fotos de Valéria del Cueto

Estou querendo falar de Fernando Pamplona mas não sei o dia, nem sei a hora, nossa senhora! Sei onde quero chegar, onde quero passar, mas não como começar. Onde o conheci? Sei lá.

Sei que o que me atraiu na adolescência para as aulas de inglês do curso Lancaster que ficava em cima do teatro Santa Rosa, na Visconde de Pirajá (depois o espaço virou a mítica discoteca New York City), foi saber que o dono do curso, meu professor Frederico, era irmão daquele que, pra mim, já era lenda. Por aí dá pra ter uma ideia do encantamento que sinto desde sempre pelo mundo do carnaval pamplonistico.

Foi esse chamado que me levou anos depois, quando cursava Gestão de Eventos e Festas Carnavalescas, na Estácio de Sá, a um seminário organizado na FINEP, (agência pública Financiadora de Estudos e Projetos). Nele, o jornalista Fábio Fabato mediou um bate papo, em 2012, com craques como as carnavalescas Rosa Magalhães, Maria Augusta, o compositor Geraldinho Carneiro, Milton Cunha e Aydano André.

Joãzinho Trinta, o rei mendigo do carnaval”, colocou Fernando Pamplona e os demais convidados num palco com um piano mergulhado numa luz azulada ao fundo. Lembro que estava com uma câmera compacta e não tinha pedido permissão para fotografar.

Pelos registros, (depois comprovei no texto do álbum do acervo carnevalerio.com), deduzo que fiz as fotos de onde estava sentada na plateia. Via as expressões do carnavalesco emoldurado pelo piano que ele não via. Foi esse quadro que me instigou, chamou minha atenção. “É só reparar nas linhas da tampa do instrumento. Combinavam com as posições de Pamplona apontando ou gesticulando...”, brinquei na ocasião fazendo as fotos e observo agora, novamente, olhando as imagens e contando pra você, leitor.



Esse é só o começo da história que continua quando Fabato, um ano após, edita “O Encarnado e o Branco”, a autobiografia de Fernando Pamplona, e escolhe justamente uma das fotos feitas na FINEP para apresentar o autor na contracapa.

Voltei a cruzar com eles no lançamento do livro, numa festa salgueirense inesquecível no bar do Ernesto, na Lapa. Para essa fui preparada e em vez do piano silencioso ao fundo o estímulo foi uma ruidosa batucada. Nesse registro carnevalerio.com o que não faltou foi movimento...

O acreano inquieto que transformou o carnaval e sua narrativa com seus enredos e comentários, primeiro na TVE e, depois, na Rede Manchete, partiu em 2013 e voltou em espírito à Sapucaí no enredo da São Clemente “A incrível história do homem que só tinha medo da Matinta Pereira, da Tocandira e da Onça Pé de Boi!”, pelas mãos de Rosa Magalhães, em 2015. Chorei no alto da torre ao vê-lo passar sorridente se despedindo entre anjinhos no último carro da escola.

Pula para 2023. Foi quando soube por Tiago Ribeiro, editor da revista do 18º Prêmio Plumas e Paetês, distribuído para os artesãos da folia, que o homenageado da edição seria quem? E lá estão novamente na publicação as imagens que celebram o mestre, distribuídas no mundo do carnaval. (Parênteses para informar que Tiago é autor de “Uma Cidade Arquitetada na Fé”, livro sobre a história do Rio e sua relação com as igrejas católicas, na minha lista de desejos).

Missão cumprida? Ainda não. Faltava uma história, um resgate. Esse, ligado diretamente a Cuiabá, capital de Mato Grosso.

Em janeiro de 1992 assumi a direção de jornalismo da TV Rondon a convite do querido Nelson Réu. Primeiro projeto? Um programa sobre o carnaval cuiabano. Diário. Ao vivo. Durante o mês que antecedia os festejos. Uma loucura. Meire Pedroso na reportagem, Henry Falbo na edição, acho que Rafael de câmera. Fazia as entrevistas de estúdio ao vivo e apresentava a “atração”. Se não me engano, o tema musical era de Roberto Lucialdo. E montamos um pequeno banco de reportagens com histórias carnavalescas cuiabanas. Lembro de ter entrevistado, por exemplo, D. Adelina, mãe de Chico Amorim, esse mesmo.

Segundo projeto: a “transmissão” gravada dos desfiles cuiabanos. Junto com as reportagens, serviram de inserts na programação da Manchete de 1992, um carnaval de mais de 80 horas interruptas. A intenção de interiorizar as imagens da festa era mais um pulo do gato de Pamplona que, infelizmente, naquele ano não estava entre os comentaristas. E lá estava a TV Rondon, mandando ver para o Brasil todo no “Carnaval Campeão”, deixa da emissora. Coube a Pamplona valorizar não apenas o carnaval carioca mas, também, o dos Brasis profundos.

A TV Manchete fechou anos depois, em 1999. Na sua grade de despedida havia um especial sobre saúde repetido várias vezes nas derradeiras transmissões. Numa das matérias mostravam imagens da primeira escola de samba que abordou o HIV e, quebrando tabus, falou da AIDS no país. Era de Cuiabá! Foram registradas para a grande aventura da equipe do mestre Pamplona que apresentava e exigia passagem às manifestações populares brasileiras carnavalescas ali, no horário nobre da folia para o país inteiro.


PS1: Não consegui apurar que escola incluiu o HIV no seu enredo. Estrela do Oriente, talvez o Acadêmicos do Pedroca? Conto com a ajuda dos amantes do carnaval cuiabano para dar o crédito correto.  

PS2: Fazia tempo que queria desenrolar essa história, mas ia enrolando. Até que, numa outra missão, Fabio Fabato me “assombrou” numa imagem de 2022 pra me lembrar de fazer o registro. Olha ele aí...



*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

19 de set. de 2023

Ainda somos. Ainda... - crônica de Valéria del Cueto



Ainda somos. Ainda...

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Buenas que me achego, querida cronista, e vamos ao que interessa pois sei que, por mais humano que ande ultimamente, não posso ser o motivo do atraso da publicação regular dessas crônicas (In)finitas. Seria o fim da picada do Sem Fim que o único frequentador dessas páginas literalmente de outro planeta tenha uma atitude tão característica dos terráqueos: o famoso “deixar o outro na mão”. Destaco que é pelo raio de luar que invade sua cela que lamento a falta de tempo para burilar melhor essa cartinha.

Acontece que os fatos se atropelam e abalroam de uma forma alucinante por aqui. De uma passagem meteórica pela ArtRio, na Marina da Gloria, pra beber da fonte das artes contemporâneas naquela paisagem deslumbrante carioca, vindo das enchentes que assolaram o “Sul Maravilha” (como dizia a iludida Graúna de Henfil), pluctplacteei direto para New York. Aqui, líderes mundiais se reúnem na 78 Assembleia Geral da ONU, com o lema “Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade”. Se quiser acompanhar e ter um choque de (i)realidade é só se ligar no canal da ONU.

Ao contrário dos últimos encontros mundiais, as agendas estão lotadas de reuniões e compromissos brasileiros referentes a temas prementes como a Guerra da Ucrânia, a divisão das riquezas e a erradicação da pobreza, o colapso climático, fontes renováveis de energia, a preservação da Amazônia. De novo é que é o Velho que recoloca o Brasil na foto das pautas essenciais da humanidade.  

Cronista, o planeta está estrilando! Emitindo sinais pra todos os lados que seu esgotamento. Nos continentes e oceanos há indicações desse exaurimento. As emergências climáticas pipocam com força e amplitude. Não precisamos ir longe, geográfica e temporalmente.

Essa semana acaba o inverno e começa a primavera. Depois do junho mais quente, o julho suplantando o mês anterior e um agosto campeão no quesito, a meteorologia alerta que por esses dias as temperaturas serão recordes aí no Brasil. Se no Sul anunciam mais uma “onda de chuvas”, a panela do Planalto Central chia de tão aquecida e irradia seu insuportável calor de mais de 40 graus para o restante do país. Sem o alívio ou pena de quem, apesar dos alertas, anda a devastar a Floresta e o Cerrado acabando com o corredor de nuvens que vem da Amazônia.

Pensa, cara cronista isolada voluntariamente do outro lado do túnel, na diferença de abordagem do Brasil nesses e outros temas perante os governantes globais. Não que adiante muito, já que falar é mais simples que fazer. Mas, convenhamos, já é um avanço.

Enquanto aqui na Terra o pau está quebrando pra todos os lados, num mundo cada vez mais radicalizado em larga ou pequena escala (agora, a República Dominicana fechou suas fronteiras com o Haiti), a exploração espacial avança tão rápida como a velocidade do som multiplicada pela da luz. A Rússia não conseguiu sucesso na sua missão espacial. Já a Índia chegou ao lado escuro da lua. Lembrei muito do dia em que tive o prazer de, por seu intermédio, ouvir “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd. Sabia que lançaram uma versão remasterizada para os 50 anos do grupo? Tão poético...



Também anunciaram a existência de um planeta “com sinais de vida”. O K2-18b é oito vezes maior que a Terra e está logo ali, a 120 anos luz daqui, na constelação, veja só, de Leão. Aliás, assim como quem não quer nada continuam aparecendo evidências de que extraterrestres circulam ou já estiveram no pedaço. Até corpos preservados foram apresentados na Câmara dos Deputados do México!

Cronista, vou parar por aqui. Sei que o assunto parlamentar aguça seu interesse. Mas, parodiando um hino da Portela, composição do saudoso Monarco (aprendi bem) “...se for falar da Câmara dos Deputados brasileira, hoje eu não vou terminar...” E olha que o assunto não envolve corpos de extraterrestres, mas múmias insepultas que assombram a vida política do país. As que tentam deixar o governo federal refém de suas já conhecidas e contumazes falcatruas, como o famigerado orçamento secreto e a distribuição desigual de cargos e ministérios para a aprovação das pautas de interesse popular.

Melhor deixar pra próxima missiva, porque tem assunto pra mais de metro...    

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



Studio na Colab55

6 de set. de 2023

Vai quem quer - crônica de Valéria del Cueto


Texto e fotos de Valéria del Cueto

Não vou nem dar tempo para pensar. É pegar e não largar. Começar a escrever. Como prometi no último texto. Fiquei pensando nessa dificuldade de manter uma produção regular do que escrevo no papel (na cabeça é o tempo todo).

Depois de desistir de encontrar uma causa-mor e com receio de elencar razões tão poderosas que me convençam a, ao materializá-las no papel, largar mão desse que é um dos meus ofícios desde 2004 (se não me falha - o que é possível- a memória, mudei o rumo da prosa. Não chego aos pés da produção sensacional de Gabriel Novis Neves mas garanto um honroso lugar nesse quesito de contação.

Enfim optei por um argumento que, espero, não me leve a nenhuma medida drástica e definitiva. Acontece que no momento estou dando um tiro um pouco mais longo. É um texto com mais do que as duas laudas convencionais do espaço que ocupo e, vez por outra, extrapolo nas páginas do Ilustrado do Diário de Cuiabá.

Cada vez que largo esse trabalho que, diga-se de passagem, vem sendo atropelado por outras missões, mudo o foco e perco o fôlego dessa maratona literária.

Foram algumas paradas para selecionar imagens para as exposições “A força feminina do Samba”, no Museu do Samba, aberta no final de julho; “Artesania Ancestral nos 95 anos da Mangueira”, no CRAB/Sebrae, agora no final de agosto, e a “Mangueira - Carnaval 2023”, no mezanino do Centro de Memória Verde e Rosa do Palácio do Samba. Essa, ainda sem data para a abertura.

Estou concentrada e vendo passar ao longe vários eventos que estão marcando a já iniciada temporada do carnaval 2024.

O mais interessante até o momento é, sem dúvida, a Fênix renascida da escolha do Rei Momo e da Corte Carioca. O que mudou? Pra começar a data da disputa. Saiu de um período cheio de eventos no final do ano para uma época em que há um vácuo na agenda da folia.

A segunda mudança foi a indicação das concorrentes que deixou de ser individual e passou a ser feita pelas agremiações. O povo do samba assumiu disputa e acatou a demanda. Pontaço pra a Riotur. As comunidades vestiram as cores de suas camisas e ocuparam a Cidade do Samba defendendo e torcendo por seus candidatos a Rei Momo, Rainha e Princesas do Carnaval 2024.

Foi um sucesso de público e engajamento nas redes sociais. E, se não rompeu, deixou a bolha carnavalesca em evidência por várias semanas seguidas recheada de mulheres divinas. As eliminatórias e a final transmitidas pelo youtube.

A escolha da corte emenda com as disputas dos sambas enredo que prometem e lotarão as quadras, agitando o mundo do carnaval, até o feriadão de outubro. É o prazo para que as obras sejam definidas e as escolas entrem em estúdio para as gravações oficiais.

Exatamente para fugir dessa agitação é que me isolei no meio do mundo. Também é por isso que me esforço em manter a periodicidade das crônicas novamente. Se não for dessa maneira corro o risco de perder o contato com o mundo exterior, mergulhada no texto e imagens que exigem fôlego de nadador.

No caso atual de nadador com pouca ou nenhuma experiência em tiros longos, como o que me proponho agora. Confesso me dá um certo medinho de morrer nessa praia desconhecida e, por enquanto, inóspita.

O que me salva e segura minha onda são as participações coletivas nas exposições que mencionei, e, informo, ficarão abertas por bastante tempo.

Até o final do ano, no caso da “A força feminina do Samba”, e, esticadas para depois do carnaval, a do CRAB/Sebrae e a do Centro de Memória.

Deixo aqui, caros e fiéis leitores que passarem pela Cidade Maravilhosa, um convite para visita-las. Quem sabe, avisando com antecedência, não saio do meio do mundo para uma visita guiada?

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

22 de ago. de 2023

Mundo e meio - crônica de Valéria del Cueto


Mundo e meio

Texto e foto de Valéria del Cueto

Perdão aos fiéis leitores pela ausência prolongada. Quase pulei a escrevinhação de novo. Acontece que estou de muda e quem me acompanha sabe das preferências que cultivo para desenhar em palavras as imagens que descrevo nessa série das crônicas.

Sim, faltam elementos quase essenciais nesse momento. A praia e o barulho do mar. Sem eles, sabe o que me estimulou e empurrou para o inevitável caderninho? Um momento clássico que já inspirou o início de vários textos. “Hoje é sexta-feira, meio da tarde e estou no sol...” e por aí vai. É um chamado praticamente irresistível, pelo menos pra mim!

Então, pergunte amigo, o que faltava para impedir essa longa ausência? E respondo: Ele, o sempre requisitado caderninho.

Acontece que em diversas idas e vindas para o meio do mundo, onde não tem praia, o objeto essencial e do qual sou dependente e carente havia ficado pra trás, esquecido na bancada do quarto, em Copacabana.

Sim, já escrevi crônicas diretamente no computador em algumas viagens. Só que... não é a mesma coisa. Gosto de desenhar as letras, caligrafando as imagens nas frases enquanto a caneta corre desembestadamente veloz atrás dos pensamentos que tento amarrar no papel.

Papel, entendeu?

Aceitei a ausência do hábito de escrevinhar até conseguir me adequar a nova paisagem. Canga? Tem. Mas não na areia. Num deck de ripinhas torturantes se estiver na posição errada. Que o digam os ossinhos do meu tornozelo magrelo.

Natureza? Também tem. E com uma vantagem. Em vez dela dominar 180 graus da cena como na praia (onde a outra metade é dominada pelos prédios da orla), aqui, a mãe Terra me acolhe em 360 graus de verde e exuberância.

Em vez do chacoalhar das ondas vejo o vento balançando árvores e-nor-mes e a amoreira (que outro dia estava pelada) e já começa a frutificar depois da florada.



A primeira leva de jabuticabas já se foi devorada pelos passarinhos (com minha ajuda), ou derrubada na última ventania. Comi lembrando do pé inesgotável do jardim da fada Louriza, na Chapada dos Guimarães.

O barulho do mar, esse não tem. Foi substituído pelo som da queda d’água desviada do rio. Ela abastece a piscina de água natural e jorra copiosamente. É uma delicia de massagem. Geladona! Só que hoje é tarde de sexta-feira e, apesar de ser inverno e agosto, o sol está de rachar. Sim, vai rolar um mergulho quando dispensar você junto com o caderninho, amigo.

Estou quase lá. Chego depois de deixar de lado a gêmea incutida de Manoel de Barros, o poeta mato-grossense das miudezas e delicadezas que me habita e protege das notícias do mundo louco que rola desgovernado logo ali.

Por enquanto me limito a observar o entrono exuberante que me cerca enquanto literal e praticamente bebo dessa fonte de água natural.

Não sei você. Mas, no meu caso, foi esse distanciamento silencioso e voluntário que ganhei de presente para ultrapassar os dias turbulentos que vivemos.

Quer saber onde estou? Não conto. Aqui parece um sonho e tenho a impressão de que se contar vou acordar. Me lembro dele, Luizinho Soares, e um de seus ditos preferidos: “Quanto menos conversa, nenhuma”. Então, guardo segredo (não sei até quando) pra não quebrar o encanto. Me divirto no difícil desfio de não entregar o ouro. Nem a você, leitor amigo, nem aos bandidos que pululam por aí, prontos pra darem o bote e acabarem com paraísos que nunca os abrigarão. Afinal, eles, os paraísos, são feitos apenas para quem, como você e eu, fazemos por merecê-los!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Essa crônica faz parte da série “Não sei onde enquadrar”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

17 de jul. de 2023

Perda total - crônica de Valéria del Cueto


Perda total

Texto e foto de Valéria del Cueto

Cronista, cronista... O mundo voando baixo desgovernado e eu rezingando pra contar as novidades. Me sinto TÃO humano, tão pouco extraterrestre. É que os fatos estão atropelando o tempo que corre cada vez mais. Sem dar conta de abarcar os acontecimentos.

O que me faz pensar na vida mansa dos escribas do antigo Egito, por exemplo, em comparação com a tarefa insana dos que têm que registrar as efemérides (palavra antiga, mas cheia de conteúdo, que não perde a importância) atuais. Piscou? Já mudou ou perdeu o significado. Não a palavra, mas os eventos. É como se o ser humano estivesse num redemoinho em direção ao fundo de um espiral cada vez mais apertado e veloz. Lascou, né?

É nesse mundo, do qual você voluntariamente se isolou, que sigo pluctaplacteando pra cima e pra baixo sem conseguir romper essa camada estratosférica e seguir viagem. Agora, então... Cheguei à conclusão que me querem aqui. Nada explica essa falha persistente em minha nave. Já tentei, inclusive, o auxílio da queridinha do momento, a AI, Inteligência Artificial. Ai, ai, Iaiá. Ainda não tem AI pra tudo.

Como todo bom ser humano, as Ais disputam uma corrida insana para o aprimoramento de suas “inteligências”. Agora, o Bard do Google chega ao Brasil e a UE, União Europeia. Pra lhe informar, Elon Musk, dos carros voadores, das viagens espaciais, da incrível desconstrução do bom e velho twitter (que você usou desde 2008, quando ainda se socializava com esse planeta), o que chamou Zuckerberg para a porrada, como contei na última cartinha, vem com sua Xai, quer dizer xAI. Tão Eike Batista com seus Xs. Aquele que, entre outras façanhas, repaginou o lindíssimo Hotel Serrador (SQN)

Opa! Você sabe o que é SQN (Só Que Não)? Pergunto por constatar que fazem quase 10 anos (eu disse 10 anos!) que nos comunicamos pela primeira vez. Tanta coisa mudou de lá pra cá querida cronista que tão bem me recebeu quando comecei a pipocar nesse planeta. Tem até quem ache que o mundo começou um pouco antes disso!

Enquanto parte dos humanos navega por mares das redes sociais, compara e alimenta as AIs, sem entender o alcance das ferramentas, (como a do bilionário que quer “entender a verdadeira natureza do universo”) e, para isso, gasta fortunas incalculáveis, o planeta agoniza. Ciclones varrem continentes, o calor assola o hemisfério norte e por aí vai. As guerras? Aos montes. Há, inclusive, a “ameaça” de deflagração da terceira mundial. É justamente ela, a natureza mencionada agora a pouco que manda alertas que, parece, não surtam efeitos práticos.

Além das atrocidades humanas cada vez mais bárbaras, já que instrumentalizadas com requintes de covardia, é a vez do mundo animal, especialmente os marinhos, se manifestarem e intrigarem os humanos. São as orcas que atacam barcos pesqueiros. Será por que, cara cronista, perguntam os cientistas? Tem gente esperando que as Ais respondam...

Tirei um sorriso do seu rosto, não é, amiga?

Vou tirar outro quando contar que vem do seu amado Mato Grosso a nova modalidade de estupidez legislativa. Um personagem patético que os votos dos eleitores da capital do estado de políticos como Dante de Oliveira (sempre lembrado por sua emenda das Diretas Já que mobilizou o país pelo fim da ditadura), quase levou à prefeitura de Cuiabá há 3 anos atrás.

Cronista, devia ter sido eleito. Sua performance escalafobética estaria restrita ao âmbito municipal e seria uma confirmação do ditado que diz: “quem pariu Mateus que o embale”. Como não ganhou em 2020, eleito deputado federal, assombra as sessões legislativas federais.

Usa, entre outros artifícios, o bordão do professor Enéas, repetindo em suas lacrações, quer dizer, gravações, a abertura “meu nome é Abílio”. Feio, cronista, muito feio seu papel e dos marqueteiros que chuparam o mote. Há uma diferença primordial entre os dois personagens. Um era inteligente, um cientista. A cópia fake, para não usar adjetivos degradantes, é, no mínimo, tosca. Tosca mesmo. Sem pudores ou vergonha.

A única esperança para quem acompanha os trabalhos legislativos federais é que a triste figura se lance novamente candidato a prefeito de Cuiabá. Se ganhar o pleito livra Brasília e o Congresso de sua presença inconveniente, vergonhosa e nada propositiva. Mato Grosso jogou fora a chance de contribuir com o aprimoramento do sistema democrático brasileiro ao eleger como um de seus representantes uma caricatura de maus modos.

Não há AI capaz (ainda) de tal feito. Foram os eleitores mato-grossenses mesmo...   

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Essa crônica faz parte da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

 

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