Quase nossa
Texto e fotos de Valéria del
Cueto
Dia claro,
céu sem nuvens, ondas médias. Praia? Aceitável para um dia de semana, mesmo que
o último. O verão está indo embora. Os turistas? A maioria já partiu. Digo a
maioria por experiência própria. Há um desequilíbrio visível entre o número de
banhistas e de ambulantes que circulam oferecendo seus produtos.
À minha
direita, na direção do perfil dos Dois Irmãos e do Vidigal, um casal de
argentinos parece ser a rapa do tacho da temporada internacional. Corpos
sarados, com experiência de praia. Dá pra notar pelas atitudes. Um mergulho
aqui, uma tostadinha ali.
O marido
puxa conversa com um dos muitos vendedores de queijo coalho que passam e tenta
regatear o preço do produto. Diz ao rapaz que havia comprado “dos por diez”.
Depois faz de conta que tem dificuldade para entender a explicação do ambulante
que diz que cada palito custa R$12,00 e pode, no máximo, fazer um por R$10,00.
Combinado o
valor ele informa ao vendedor, que furiosamente abana o braseiro, puxando assunto:
“soy argentino”. (Cá pra nós, nenhuma novidade para quem trabalha nas areias
dessa área no verão. É o que mais tem.) Daí pro futebol não precisou nem
ajeitar a bola, quer dizer, o esbaforido ambulante responder e já veio a
declaração de que torcia pelo Boca Júnior.
Nenhuma
reação do preparador do queijo coalho e uma nova declaração, com um certo
desdém do argentino: “Acá todos son Flamengo”. Nenhuma reação. “...Vasco?”,
arrisca. O vendedor preferiu não responder em palavras, apenas abanar com ainda
mais vigor a brasa que não tinha força, ainda, para derreter o queijo. A reação
do morador da Vila São Luíz (descobri depois e é spolier) foi nenhuma. Mas algo
me disse que ele era torcedor do Mengão.
Com o
abanico na mão, subindo e descendo (e nada do queijo chega no ponto), ele
entabula assunto com outro coalheiro (acabei de inventar a designação, acho)
que largando o braseiro, os ingredientes numa caixa de isopor e a camisa na
areia, não sem antes pedir para que o colega desse uma olhada, voltava de um
mergulho refrescante.
Depois de discutirem
o calendário do Campeonato Carioca e informar ao gringo que teria jogo no final
de semana, justamente Flamengo e Vasco, decidindo que irá à final com o
Fluminense, mudaram de assunto.
Passaram a
lamentar a morte de um “fechamento” que aconteceu numa quebrada da região
metropolitana. Uma chacina em que acabou sobrando para os moradores, pra
variar. Foi aí que pesquei que o ambulante que preparava o queijo coalho era do
bairro de Duque de Caxias, a Vila São Luiz. Eles comentaram um vídeo da
execução que, deu pra entender, receberam de vários canais de redes sociais. Cá
pra nós, um tema mais urgente que time de futebol para eles que esmiuçavam os
motivos que levaram ao trágico desenlace.
Ao lado, o
argentino que minutos antes fazia de conta que não entendia o que o rapaz dizia
durante a negociação do preço da mercadoria, fazia sinais (discretos) à mulher
para ficar de olho nos seus pertences que estavam na areia. Os ambulantes nem
notaram. O queijo havia ficado pronto. Foi entregue e, surpresa, os R$10,00
foram pagos sem barganha ou comentários.
O assunto
prosseguiu entre os ambulantes. Pela toada, entendi que esse era o estopim da
interrupção do tráfego na Rodovia Washington Luiz, que vai para a região
serrana do estado, na véspera. Deu um nó no fluxo da região. Realmente, um tema
muito mais urgente no cotidiano dos locais. Cariocas ou da região
metropolitana. O futebol? A alegria do povo ficou pro domingo.
Saindo da
praia, descobri que dois enormes transatlânticos estão ancorados no Rio, o que aponta
a razão de nossa praia ainda não ter sido 100% devolvida. Não, o verão real ainda
não terminou.
PS: O Mengão
ganhou por 3X1 do Vasco e é finalista do Campeonato Carioca.
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Texto da série “Arpoador” do SEM
FIM... delcueto.wordpress.com
Bônus
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