ou Ainda somos crianças
de Gustavo Cambraia do Canto para o Tribuna
- edição de 300710
Nunca foi tão difícil mudar um hábito. Nossa espécie desafia os darwinistas mais ferrenhos e convictos de que uma população prolifera-se à medida que se adapta ao meio. Vivenciamos o inverso: o meio converge às nossas vontades e, com mais gravidade, esperamos que os outros o façam também. Por isso, o homem na sua plenitude – condicionada pelas sucessivas revoluções nas esferas tecnocientíficas – tem a esperança de que o universo orbite em torno do seu mundo, das suas leis.
Acima do código jurídico há uma pragmática individual que dirige as nossas vidas. Dessa forma, relativizamos problemas universais (como a fome, a guerra e a miséria) em prol dos nossos problemas que, todos sabem, são os maiores do mundo. A nossa miserabilidade, a despeito da fome absoluta que abate comunidades inteiras distantes à nossa realidade, é por emagrecer. Como resultado, relacionamo-nos com a barriga encolhida em nome da perfeição. E pior, esperamos que os outros façam o mesmo por nós e se enquadrem na nossa concepção de ideal, do contrário, a validade da relação é questionada. Assim vivemos em busca de uma harmonia agregada a uma relação – na qual sacrifício é moeda de troca – que alimente as nossas expectativas e em que o outro acredite na nossa perfeição. Nossas superficiais relações têm a curta validade de um conflito no qual ficam explícitas as frustrações diante a onda de expectativas e a prática da obsessão por controle e segurança conforme o código limitado ao nosso pequeno universo.
Por certo, a premissa de que todo homem é igual é fruto desse raciocínio egocêntrico. Ora, todo o homem é mais ou menos parecido; no entanto, a semelhança está na intolerância com a diferença, da qual não apenas os homens, mas todas as mulheres, assim como todas as gerações modernas padecem. Abrimos mão da subjetividade das relações e escanteamos o nosso parceiro quando a incompatibilidade deste com o nosso estereótipo de ideal fica inviável. Senão, adequamos-nos às nossas possibilidades e nos iludimos com o nosso casamento perfeito, com a nossa família perfeita. Se esperarmos que os nossos parceiros, o padre e o mundo se dobrem à nossa versão de felicidade, o universo seria muito limitado, e nós, intransigentes e infelizes, uma vez que tais concepções são individuais e, portanto, nossas expectativas impossíveis.
É muito vantajoso que não atinjamos a perfeição, haja vista que de outra forma não haveria evolução, e, assim, permaneceríamos estacionados na busca por alguém que concorde com as nossas intransigências. Parafraseando José Saramago, ter é a pior maneira de gostar, e gostar, a melhor maneira de ter. Quem sabe se abrirmos mão de tanta exigência ganhemos espaço para sermos nós mesmos, permitindo-se um relacionamento que dure mais do que uma verdade pouco conveniente e que, principalmente, desmistifique essa perspectiva de que o universo está conspirando por nossas vontades. Senão permaneceremos crianças, crentes no hábito de que alguém vai nos alimentar emocionalmente a confirmar a nossa superioridade.
Gustavo Cambraia do Canto