Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: setembro 2019

17 de set. de 2019

Caminho de volta, crônica de Valéria del Cueto

Caminho de volta

Texto foto e vídeo de Valéria del Cueto
Querida cronista.  A que voluntariamente enclausurada garantiu sua passagem permanente à maior liberdade que um ser humano pode ter: a interior.

Este seu amigo extraterrestre visitante nas noites de lua cheia pela fresta da abertura de sua cela do outro lado do túnel, reconhece a inutilidade do fato e vem mui respeitosamente pedir desculpas por todas as vãs tentativas de insistir em criar uma conexão a este mundo (ir)real.

É daqui, de uma das suas praias, que informo a decisão muito pensada e avaliada de mantê-la alheia aos últimos acontecimentos.

Hoje é um dia lindo, uma segunda-feira de setembro solar. De praia cheia no fim de tarde.
Daquelas que deixam a impressão (pelo efeito fotográfico do contraste explícito na direção do Leblon e do Morro Dois Irmãos) que o mar azul está emoldurado por reflexos rosa/alaranjados nas espumas das ondas e marolas brincalhonas.

Com os movimentos da maré que está subindo se desenham curvas e laguinhos. Imagens efêmeras no vai e vem do mar.  Incessantes e hipnóticas.

Nesse espaço semiaquático se veem os contornos dos corpos de quem passa caminhando na linha do mar ou em direção a um mergulho. Foi um desses banhistas que que informou, gritando para o grupo de amigos da barraca na areia, que a água está gelada.

No mesmo contraluz dá para apreciar crianças brincando nas poças que começam a encher aproveitando enquanto o sol não cai por trás das montanhas.

Ainda estamos em setembro e, como você me ensinou, sabemos que somente em dezembro ele cairá no mar, rasgando as águas com seus raios refletidos na superfície oceânica.

Em algumas rodas improvisadas as bolas sobem, descem e, quando podem, fogem dos pés dos atletas de fim de tarde estimulando os malabarismos corporais dos jogadores de altinho.
Vai durar pouco o espetáculo. Com a subida da maré a faixa de areia ficará estreita e íngreme dificultando a prática de um dos esportes preferidos por aqui.

Não pense que estou fazendo essa narrativa somente para você. Espero que esteja gostando. Faço também para mim, pobre Pluct Plact, o viajante interplanetário. Este ser estranho aprisionado nesse mundo. Sem a força propulsora necessária tomar um rumo espacial ou o privilégio de uma cela libertadora como você, amiga e mentora.

Preciso purificar meu olhar, depurar meus sentimentos. É, tipo limpar o HD da minha recém adquirida inteligência emocional. Ocupar meus slots com singeleza. Reprogramar a rotina com gentileza. Exercer a prática sem contra indicações da bondade inerente.

Coisas raras por aqui onde somos bombardeados por torpezas, vilanias, violência e obscurantismo. Não há mais limites para a barbárie. Apenas alvos, disparos, robôs e intolerância destrutiva. Muita.
Por isso, agora quem precisa de você sou eu. Para dar uma guinada no fio que sustenta a pipa que, hoje reconheço, somos cada um de nós vindos de qualquer lugar da terra ou, no meu caso, de fora dela.

Preciso de mais linha, ou que ela seja bruscamente recolhida no carretel, para que possa olhar e ver com outros olhos, captar as sensações de maneira diferente. Estes olhos que já viram muitos mundos e galáxias estão cansados de tanto desamor concentrados num só planeta.

Estou à procura nessas linhas do caminho de volta para a inocência e à pureza. Elas, as que deveriam manter a esperança de harmonia no universo...
 
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

4 de set. de 2019

Havia uma pedra, crônica de Valéria del Cueto

Havia uma pedra

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Incêndio na Flotropi. E não é pouco fogo não. A bicharada está em pânico e entre uma tossida e outra, uma ajuda a um irmão encurralado e as tentativas de fugir das chamas que engolem a floresta se pergunta: “como chegamos a esse ponto?”

A formigas trabalhadoras já haviam sentido em suas caminhadas no leva e traz de folhas e galhinhos para os formigueiros que algo não estava bem. A começar pela falta de chuvas e o descuido com os preparativos para o período da seca, ao menos para proteger a clareira real. As cigarras estavam mais roucas por causa da fumaça!

O eleito da vez, com mania de dinastia e império, não só deixou de fazer o beabásico, como incentivou a desobediência às regras de queimadas na área florestal. Seu assessor, encarregado das ações preventivas visando proteger o habitat, já dava sinais que estava mais para coração de pedra que coração de leão. E que de protetor e mantenedor do meio ambiente da Flotropi e seus habitantes, animais, vegetais e, por que não, minerais, não tinha nada!

Começou sua obra transferindo o responsável pela proteção dos golfinhos para o lado mais seco do país, alocando-o numa parte semiárida do território.

Nessa época do ano, qualquer animal de boa cepa sabe, em vez de gastar os recursos do tesouro florestal com a medida que, logo depois, foi derrubada no tribunal dos bichos, ele deveria estar estruturando a fiscalização e punindo os infratores que, já no início do inverno e do tempo seco, se preparavam para tocar fogo nas matas. E o que o animal fez? Nada!

Se limita a desqualificar os guardiões e, devidamente motorizado nas redes sociais, agradecer os aplausos dos demais membros do conselho florestal do atual governante, todos interessados em enfraquecer e dizimar os valores primordiais do meio ambiente da Flotropi: o ar, as matas e seus habitantes.

Nem o aparecimento de imagens terríveis de animais carbonizados, da vegetação sendo engolida pelo fogo, nem os gemidos da floresta serviram para sensibilizar os cruéis e gananciosos governantes de Flotropi. Quem imaginaria que as coisas chegariam a esse ponto?

Quando os representantes de outros ecossistemas começaram a se movimentar para impedirem a destruição em massa as hienas e os chacais do conselho continuaram fazendo cara de paisagem (variadas, conforme o setor de atuação) até que o presidente da Flotrofran botou a boca no trombone e levou o caso ao conselho mundial dos mais poderosos sistemas ecológicos do planeta.

E deu no que deu. Ou seja, o eleito (bem feito!) e já não tão amado assim, como bom mico bateu boca com o líder que expôs suas mazelas, partiu para a baixaria pessoal marital, recusou ajuda para conter as queimadas e, vestindo a roupa nova de seus asseclas costureiros, achou que estava tudo dominado.

E não teve manifestação nem passeata da bicharada indignada que amolecesse a moleira e abrisse a “caixola” dos donos da clareira.

Não contaram com a reação que levou o coração de pedra para a lona. A informação de que os produtos da Flotropi estavam fora da pauta de importação de grandes consumidores dos produtos flotropicais.

Deu xabu, deu piti e terminou com uma passagem pela CTI. O que era pedra não furou (ainda), mas começou a propagar, quem nem gota n’água, as consequências de sua inconsequência. O rastilho alcançou vários setores e está fazendo a bicharada ficar de antenas e orelhas em pé.

Rapidamente começaram a operação enxuga gelo para apagar o fogo. Jogando mais lenha em outras “fofogueiras”, baboseiras e besteiras.

Mais ou menos, porque agora a floresta palpitante e o mundo vigilante não vão deixar de cuidar da natureza. Ela não tem dono. É de todos os habitantes. Pelo menos aqui, na Flotropi, onde quem manda sou eu.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55