Mundo e meio
Texto e foto de Valéria del Cueto
Perdão aos fiéis leitores pela ausência prolongada. Quase
pulei a escrevinhação de novo. Acontece que estou de muda e quem me acompanha
sabe das preferências que cultivo para desenhar em palavras as imagens que descrevo
nessa série das crônicas.
Sim, faltam elementos quase essenciais nesse momento. A
praia e o barulho do mar. Sem eles, sabe o que me estimulou e empurrou para o
inevitável caderninho? Um momento clássico que já inspirou o início de vários
textos. “Hoje é sexta-feira, meio da tarde e estou no sol...” e por aí vai. É
um chamado praticamente irresistível, pelo menos pra mim!
Então, pergunte amigo, o que faltava para impedir essa
longa ausência? E respondo: Ele, o sempre requisitado caderninho.
Acontece que em diversas idas e vindas para o meio do
mundo, onde não tem praia, o objeto essencial e do qual sou dependente e
carente havia ficado pra trás, esquecido na bancada do quarto, em Copacabana.
Sim, já escrevi crônicas diretamente no computador em
algumas viagens. Só que... não é a mesma coisa. Gosto de desenhar as letras,
caligrafando as imagens nas frases enquanto a caneta corre desembestadamente
veloz atrás dos pensamentos que tento amarrar no papel.
Papel, entendeu?
Aceitei a ausência do hábito de escrevinhar até conseguir
me adequar a nova paisagem. Canga? Tem. Mas não na areia. Num deck de ripinhas
torturantes se estiver na posição errada. Que o digam os ossinhos do meu
tornozelo magrelo.
Natureza? Também tem. E com uma vantagem. Em vez dela
dominar 180 graus da cena como na praia (onde a outra metade é dominada pelos prédios
da orla), aqui, a mãe Terra me acolhe em 360 graus de verde e exuberância.
Em vez do chacoalhar das ondas vejo o vento balançando
árvores e-nor-mes e a amoreira (que outro dia estava pelada) e já começa a frutificar
depois da florada.
A primeira leva de jabuticabas já se foi devorada pelos
passarinhos (com minha ajuda), ou derrubada na última ventania. Comi lembrando
do pé inesgotável do jardim da fada Louriza, na Chapada dos Guimarães.
O barulho do mar, esse não tem. Foi substituído pelo som
da queda d’água desviada do rio. Ela abastece a piscina de água natural e jorra
copiosamente. É uma delicia de massagem. Geladona! Só que hoje é tarde de
sexta-feira e, apesar de ser inverno e agosto, o sol está de rachar. Sim, vai
rolar um mergulho quando dispensar você junto com o caderninho, amigo.
Estou quase lá. Chego depois de deixar de lado a gêmea
incutida de Manoel de Barros, o poeta mato-grossense das miudezas e delicadezas
que me habita e protege das notícias do mundo louco que rola desgovernado logo
ali.
Por enquanto me limito a observar o entrono exuberante que
me cerca enquanto literal e praticamente bebo dessa fonte de água natural.
Não sei você. Mas, no meu caso, foi esse distanciamento
silencioso e voluntário que ganhei de presente para ultrapassar os dias
turbulentos que vivemos.
Quer saber onde estou? Não conto. Aqui parece um sonho e
tenho a impressão de que se contar vou acordar. Me lembro dele, Luizinho Soares,
e um de seus ditos preferidos: “Quanto menos conversa, nenhuma”. Então, guardo
segredo (não sei até quando) pra não quebrar o encanto. Me divirto no difícil
desfio de não entregar o ouro. Nem a você, leitor amigo, nem aos bandidos que
pululam por aí, prontos pra darem o bote e acabarem com paraísos que nunca os
abrigarão. Afinal, eles, os paraísos, são feitos apenas para quem, como você e
eu, fazemos por merecê-los!
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Essa crônica faz
parte da série “Não sei onde
enquadrar”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com