Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: outubro 2023

31 de out. de 2023

(Ch)orando mando a dor embora - crônica de Valéria del Cueto



(Ch)orando mando a dor embora  

Texto e foto de Valéria del Cueto

A casa no meio do mundo é de Oxum. Como eu, ela chora. Vejo fios de suas lágrimas nas paredes azulejadas. Sinto o piso molhado quando caminho descalço em direção as janelas para fechá-las. Hoje isso é um perigo. Um copo escorregou do escorredor e se esfacelou no chão da sala.

A única maneira de secar o pranto acumulado entre as paredes é impedindo a entrada da umidade carregada pelo ar puro do rio que serpenteia ao lado da garagem no andar de baixo.

É como meu reservatório de choração. Nada de conter, tem que esvaziar. Prefiro quando consigo abrir o peito e deixar o choro desabar como cachoeira. Pronto, passou. Mas tem lamento que é de corixo. Vem mansinho, vai longe passeando entre a vegetação ribeirinha e tentando dar uma paradinha. É pranto de remanso. A cada música, lembrança, pensamento...

Esse é aquele que a lágrima fica pendurada e desce devagar, fazendo cócegas no rosto. Até outro dia tinha mantido a promessa de chorar preferencialmente por coisas boas.

Tirando a tristeza, o que me faz chorar com mais facilidade é a raiva. É uma reação imediata. Nem estou “chorando” e as lágrimas já começam a rolar abusadas e desobedientes. Como dizia Carol, chefe de gabinete de Luizinho Soares e escudeira de vida dele, espantada: “E você nem faz careta. Não fica com cara de choro”!

Pois é. O “X” da questão é o que vem depois. Pra mim, esse rompimento de represa é um sinal de que há o risco de virar bicho. Para evitar esse processo tenho corrido de demandas. Deve ser a tal sabedoria da idade. Funciona até a terceira página. Daí pra frente...

Estou chorando. Me prometi uma crônica quinzenal. A meus editores e leitores. Para isso, insisto, logo, penso... E acabo me enroscando porque apesar de ter tanto a dizer (não me pergunte como, depois dessas centenas de textos publicados) não consigo organizar de forma clara as ideias.

Ao som do violão payador de Noel Guarany sigo no ritmo da vassoura com que (esqueci que o piso está chorando) puxo pra fora de casa a poeira em pleno domingo tentando limpar a alma e organizar a crônica. Sou péssima na função, mas gosto de fazer a vassoura riscar o chão chiando e dançando ao ritmo da milonga, no momento.




Para tudo! Corta o plano para quando mal imagino a poeira sufocante e quente da terra arrasada de Gaza. Para não abrir as janelas (mais umidade porque meu choro já começou) corro pra porta. Do lado de fora o vento e os passarinhos. Os que, certamente, não passeiam assanhados entre os escombros provocados pelas mãos dos homens da guerra. E ele rola...

Pra escrevinhar essa crônica meu refúgio é ao lado dela, a queda d’água. Um desvio do rio que já dialogou com você, leitor, em outras ocasiões. Oxum canta pra mim.

Sinceramente, entendo o todo, mas não alcanço os pormenores que fazem alguém achar que tem direito adquirido a qualquer tipo de morticínio. Seja lá quem for. Penso nas mães vendo seus filhos transformados em máquinas assassinas a disposição da sanha de políticos desequilibrados.

Não estou preparada para represar as lágrimas de impotência e desalento diante de tanto horror. Nelas, derramo parte da dor que sinto por quem sofre, os que realmente se esforçam para tentar evitar a barbárie e todos os que, como podem, se manifestam mundo afora pela causa palestina, no caso.

As lágrimas de raiva e revolta vão para aqueles que, por conveniência e oportunismo, passam pano para o espetáculo pavoroso que o mundo acompanha atônito em tempo real.

Aos insanos que promovem e incentivam mais um genocídio com reflexos planetários um alerta divino.  Está tudo lá anotado no caderninho de Deus. Aquele de Amor. A volta, infelizmente, virá. É a lei do retorno em looping universal.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Não sei onde enquandrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

  Studio na Colab55

17 de out. de 2023

Fadiga cognitiva - de Valéria del Cueto


Fadiga cognitiva

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista enclausurada do outro lado do túnel. Pela fresta do raio de luar que atravessa a janela de sua cela (ainda) trago notícias do lado de cá. O que deveria ser o escape, pra variar, está em guerra. Mais uma. Eu, que não sou marciano, mas também não sou humano, é quem falo aqui da Terra. Testemunho in lo(u)co o desvario que domina o planeta de onde, sinceramente, gostaria de pirulitar.

Tento dourar a pílula, mas não tem como. Se a coisa já andava ruim por aqui, periclitando ensandecida entre a intolerância costumeira generalizada e o fundamentalismo fanático opinativo, de uma semana e pouco para cá degringolou de vez.

Tá bom, não vou fazer suspense para coloca-la a par dos novos capítulos da saga humana que, parece, estreia uma nova temporada. Pensando bem, talvez, nem tanto assim...

Acontece que, não satisfeitos com os sérios eventos climáticos que pipocam por toda a superfície do planeta (fruto, entre outros fatores, do manejo inadequado de suas reservas naturais, colocadas à disposição da senha dos “ousados”, ávidos e insaciáveis seres humanos), tão pouco preocupados com o excesso de conflitos existentes em vários continentes que afetam a vida das comunidades, especialmente as mais vulneráveis, os habitantes da terra, no caso a prometida, conseguiram extrapolar, mais uma vez, sua capacidade de testar os extremos civilizatórios.

Alguns analistas já previam que países africanos, por exemplo, estavam em pé de guerra. E que estas (várias) arrastariam o mundo que deixou pra trás a pandemia de covid-19 e já se engalfinhava em batalhas sangrentas entre a Rússia e a Ucrânia.

Está acompanhando o raciocínio de Pluct, Plact, seu correspondente extraterreste, cara cronista? Pois é, assim caminhava a (des)humanidade até o sábado, 7 de outubro, do septuagésimo quinto ano de criação do Estado de Israel.

Foi aí que o Hamas driblou o Domo de Ferro, até então o invulnerável sistema de defesa aéreo israelense. Com um trator velho rompeu um trecho da cerca que separa da Faixa de Gaza e, invadindo uma desavisada megapotência no Oriente Médio barbarizou geral, tocando horror em Israel. Estou sendo genérico, se é que isso é possível. Entre centenas de mortos e reféns recolhidos ao território palestino, o que faz o líder atacado que dormiu no ponto e não viu uma marola sequer de preparação das hordas do Hamas e do Hezbollah em seus movimentos coordenados?

Retalia com violência proporcional e, dobrando a aposta, decreta um barata voa para todos os moradores do norte de Gaza. A ordem é para rumarem para o sul, em direção a fronteira egípcia que, ressalte-se, está fechada para refugiados. Inclusive, até outro dia, para cidadãos de outros países, como o Brasil, que estavam na Palestina.

Deu pra ter uma noção geográfica desse mapa da mina explosivo? Então, querida mentora, embaralha tudo com uma overdose de notícias falsas pra tocar fogo no parquinho da geopolítica mundial.

Só penso no tempo em que, graças as suas indicações, mergulhei na história das civilizações(?) tentando entender o que move a ganância humana. Sem esses indicadores e parâmetros não teria argumentos para tentar explicar essa capacidade inerente de autodestruição civilizatória dos habitantes do planeta a meus superiores interplanetários. Maias, astecas, egípcios, gregos, romanos...

Pra que metermos a mão nessa cumbuca? (Imagina euzinho explicando o significado da expressão pra eles.) É só deixar nas mãos dos representantes dos deuses em conflito que a humanidade autofagicamente se depura. Mesmo sabendo que seus atos de barbárie levarão a todos diretamente ao inferno das atrocidades, o que mais se escuta dos líderes mundiais é um brado retumbante e covarde: “eu autorizo”.

As consequências são imprevisíveis porque não há como imaginar os horrores que serão entregues à humanidade ao vivo e a cores, especialmente pelas redes sociais.

Sinto muito, querida amiga, se não tenho nenhuma dose de otimismo e esperança a lhe oferecer aqui de fora.

Meu conselho? Para evitar esse cansaço de pensar que me habita, fique onde está. Foque sua mente na monotonia das paredes nuas da sua cela.

Daí, desloque-se em sua fértil imaginação pelo maravilhoso mundo que conheceu e fez questão de me apresentar antes que essa fadiga cognitiva humana se apoderasse por osmose do seu aventureiro amigo intergaláctico.

E lembre-se: o que é seu está guardado em outra esfera sideral!  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55



3 de out. de 2023

Pamplonenado pra carnavalizar - de Valéria del Cueto


Texto e fotos de Valéria del Cueto

Estou querendo falar de Fernando Pamplona mas não sei o dia, nem sei a hora, nossa senhora! Sei onde quero chegar, onde quero passar, mas não como começar. Onde o conheci? Sei lá.

Sei que o que me atraiu na adolescência para as aulas de inglês do curso Lancaster que ficava em cima do teatro Santa Rosa, na Visconde de Pirajá (depois o espaço virou a mítica discoteca New York City), foi saber que o dono do curso, meu professor Frederico, era irmão daquele que, pra mim, já era lenda. Por aí dá pra ter uma ideia do encantamento que sinto desde sempre pelo mundo do carnaval pamplonistico.

Foi esse chamado que me levou anos depois, quando cursava Gestão de Eventos e Festas Carnavalescas, na Estácio de Sá, a um seminário organizado na FINEP, (agência pública Financiadora de Estudos e Projetos). Nele, o jornalista Fábio Fabato mediou um bate papo, em 2012, com craques como as carnavalescas Rosa Magalhães, Maria Augusta, o compositor Geraldinho Carneiro, Milton Cunha e Aydano André.

Joãzinho Trinta, o rei mendigo do carnaval”, colocou Fernando Pamplona e os demais convidados num palco com um piano mergulhado numa luz azulada ao fundo. Lembro que estava com uma câmera compacta e não tinha pedido permissão para fotografar.

Pelos registros, (depois comprovei no texto do álbum do acervo carnevalerio.com), deduzo que fiz as fotos de onde estava sentada na plateia. Via as expressões do carnavalesco emoldurado pelo piano que ele não via. Foi esse quadro que me instigou, chamou minha atenção. “É só reparar nas linhas da tampa do instrumento. Combinavam com as posições de Pamplona apontando ou gesticulando...”, brinquei na ocasião fazendo as fotos e observo agora, novamente, olhando as imagens e contando pra você, leitor.



Esse é só o começo da história que continua quando Fabato, um ano após, edita “O Encarnado e o Branco”, a autobiografia de Fernando Pamplona, e escolhe justamente uma das fotos feitas na FINEP para apresentar o autor na contracapa.

Voltei a cruzar com eles no lançamento do livro, numa festa salgueirense inesquecível no bar do Ernesto, na Lapa. Para essa fui preparada e em vez do piano silencioso ao fundo o estímulo foi uma ruidosa batucada. Nesse registro carnevalerio.com o que não faltou foi movimento...

O acreano inquieto que transformou o carnaval e sua narrativa com seus enredos e comentários, primeiro na TVE e, depois, na Rede Manchete, partiu em 2013 e voltou em espírito à Sapucaí no enredo da São Clemente “A incrível história do homem que só tinha medo da Matinta Pereira, da Tocandira e da Onça Pé de Boi!”, pelas mãos de Rosa Magalhães, em 2015. Chorei no alto da torre ao vê-lo passar sorridente se despedindo entre anjinhos no último carro da escola.

Pula para 2023. Foi quando soube por Tiago Ribeiro, editor da revista do 18º Prêmio Plumas e Paetês, distribuído para os artesãos da folia, que o homenageado da edição seria quem? E lá estão novamente na publicação as imagens que celebram o mestre, distribuídas no mundo do carnaval. (Parênteses para informar que Tiago é autor de “Uma Cidade Arquitetada na Fé”, livro sobre a história do Rio e sua relação com as igrejas católicas, na minha lista de desejos).

Missão cumprida? Ainda não. Faltava uma história, um resgate. Esse, ligado diretamente a Cuiabá, capital de Mato Grosso.

Em janeiro de 1992 assumi a direção de jornalismo da TV Rondon a convite do querido Nelson Réu. Primeiro projeto? Um programa sobre o carnaval cuiabano. Diário. Ao vivo. Durante o mês que antecedia os festejos. Uma loucura. Meire Pedroso na reportagem, Henry Falbo na edição, acho que Rafael de câmera. Fazia as entrevistas de estúdio ao vivo e apresentava a “atração”. Se não me engano, o tema musical era de Roberto Lucialdo. E montamos um pequeno banco de reportagens com histórias carnavalescas cuiabanas. Lembro de ter entrevistado, por exemplo, D. Adelina, mãe de Chico Amorim, esse mesmo.

Segundo projeto: a “transmissão” gravada dos desfiles cuiabanos. Junto com as reportagens, serviram de inserts na programação da Manchete de 1992, um carnaval de mais de 80 horas interruptas. A intenção de interiorizar as imagens da festa era mais um pulo do gato de Pamplona que, infelizmente, naquele ano não estava entre os comentaristas. E lá estava a TV Rondon, mandando ver para o Brasil todo no “Carnaval Campeão”, deixa da emissora. Coube a Pamplona valorizar não apenas o carnaval carioca mas, também, o dos Brasis profundos.

A TV Manchete fechou anos depois, em 1999. Na sua grade de despedida havia um especial sobre saúde repetido várias vezes nas derradeiras transmissões. Numa das matérias mostravam imagens da primeira escola de samba que abordou o HIV e, quebrando tabus, falou da AIDS no país. Era de Cuiabá! Foram registradas para a grande aventura da equipe do mestre Pamplona que apresentava e exigia passagem às manifestações populares brasileiras carnavalescas ali, no horário nobre da folia para o país inteiro.


PS1: Não consegui apurar que escola incluiu o HIV no seu enredo. Estrela do Oriente, talvez o Acadêmicos do Pedroca? Conto com a ajuda dos amantes do carnaval cuiabano para dar o crédito correto.  

PS2: Fazia tempo que queria desenrolar essa história, mas ia enrolando. Até que, numa outra missão, Fabio Fabato me “assombrou” numa imagem de 2022 pra me lembrar de fazer o registro. Olha ele aí...



*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55