Poder Judiciário do
Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 11200029270
Comarca: Uruguaiana
Órgão Julgador: 2ª Vara Cível
Julgador: Karina de Oliveira Leonetti Padilha
Vistos. Cuida-se de ação civil pública por
improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face de JOSÉ
FRANCISCO SANCHOTENE FELICE, do MUNICÍPIO DE URUGUAIANA, bem como das Rádios
CHARRUA LTDA, SÃO MIGUEL LTDA, PAMPEANA LTDA e IMBAÁ LTDA. Afirma, o Autor que
a partir do inquérito Civil Público n. 00922.00084/2011, constatou-se que o
Município de Uruguaiana contratou indevidamente excessivos serviços de
publicidade sem prévio procedimento licitatório exigível à espécie e, ainda,
que o co-demandado José Francisco Sanchotene Felice, Prefeito Municipal de
Uruguaiana, vem usando os espaços pagos pelo erário para autopromoção e/ou para
atingir adversários políticos, violando, assim, os princípios da Administração
Pública da legalidade, economicidade, impessoalidade e moralidade, além de não
enriquecimento ilícito. Discorreu sobre o Direito aplicável e afirmou que o
prejuízo ao erário atingiu o montante de R$ 900.375,00, relacionado aos
contratos firmados com as empresas radiofônicas desde 2009, defendendo,
sobretudo, a necessidade de coibir as ilicitudes apontadas. Requereu, em sede
de tutela antecipada, a decretação da indisponibilidade dos bens de José
Francisco Sanchotene Felice em, no mínimo, R$ 900.375,00, com expedição de
ofício ao Registro de Imóveis, DETRAN/RS e instituições bancárias e a abstenção
por parte do mesmo em realizar, em qualquer meio de comunicação, publicidade
autopromocional custeada pelo erário; a suspensão, pelo Município de
Uruguaiana, de toda a inserção ou propaganda televisiva que possua símbolos,
slogans, imagens ou jingles que façam referência ao Prefeito, bem como a
suspensão da transmissão do programa ¿Uruguaiana Vencerá¿ e dos contratos nº
93/2012, 96/2012, 94/2012 e 95/2012, firmados entre o Município de Uruguaiana e
as empresas de radiodifusão demandadas até o julgamento final da lide, tudo sob
pena de multa de R$ 10.000,00 por evento. Foram acostados documentos, fls.
29/565. É o sucinto relatório. DECIDO. Conforme relatado, cuida-se de ação
civil pública por ato de improbidade administrativa imputado ao gestor do
Município, José Francisco Sanchotene Felice, por celebração de contratos
administrativos sem prévia e legal licitação com os meios de comunicação,
especificamente os de radiodifusão, como forma de autopromoção e publicidade em
prejuízo ao erário. Compulsando os autos, verifico que somente parte dos
pleitos liminares exige deferimento. Pela análise sumária que requer a medida
quando postulada initio litis, suficientemente indiciada restou, nos moldes do
que exige o art. 273, caput, do CPC, a prática, pela parte demandada, de ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública, consistente na utilização do instituto da inexigibilidade de licitação
para contratação de serviços de publicidade pelo Município de Uruguaiana, em
desacordo com as determinações legais (art. 25 da Lei de Licitações). Embasam
essa assertiva as peças que acompanham a inicial, em especial os relatórios de
auditoria ordinária tradicional do Tribunal de Contas do Estado (anos de
2006/2010, fls. 410/475) que apuraram a ilegalidade da contratação direta das
empresas de radiodifusão em detrimento da possibilidade de competição em
relação ao objeto do contrato. Disse o TCE (fl. 473): ¿Conforme já foram
ventiladas, as contratações das emissoras de rádio ocorreram por
inexigibilidade de licitação, como constam dos respectivos avisos de
inexigibilidade de licitação (inexigibilidade 008/2009, fl. 838, 034/2010, fl.
839 e 184/2010, fl. 840), tomando por fundamento legal o dispositivo no art. 25
da Lei 8.666/93, considerando inviável a competição, no ponto em que a
pretensão da administração era de contratar todas as rádios legais do
município. No entanto, entende-se que não se caracteriza hipótese de
inexigibilidade de licitação, tendo em vista que outras emissoras de rádio
poderiam ser sintonizadas no município, além daquelas legalmente instaladas em
seu território. Outrossim, considera-se exagerada a contratação de mais de uma
rádio para transmissão de programa semanal de uma hora, formando uma espécie de
cadeia radiofônica. Saliente-se, ainda, que o estabelecimento de cadeia
radiofônica, por menor que seja, tolhe, em parte, o direito de escolha por
outra programação, no mesmo horário, do cidadão acostumado a ouvir as rádios
encadeadas. Entende-se, assim, que veiculação, da forma como se apresenta, fere
o princípio da economicidade (art. 70, caput, da Constituição Federal, e art.
19 da Constituição Estadual), no todo e, em parte, o direito de opção do
cidadão uruguaianense.¿ Há elementos para se concluir, a priori, que a
inexigibilidade de certame a que alude o artigo 25 da Lei nº 8.666/83 não
alcança a situação retratada nos autos, seja porque há demais empresas de
radiodifusão passíveis de serem sintonizadas neste município não contempladas,
seja porque o art. 25, III, in fine, da lei em comento é expresso a ressalvar
sua aplicação ¿para serviços de publicidade e divulgação¿, bem como porque há
indícios de que a dita contratação de todas as empresas de radiodifusão
sediadas neste Município, ocorrida após 2009 apenas (de 2006 a 2009 somente uma das
rádios prestava o serviço, sem licitação), algo que se deu depois do
apontamento da irregularidade pelo TCE, deu-se de forma excessiva, onerando em
demasia e desnecessariamente o erário, em detrimento do princípio da
economicidade, e de forma a driblar o comando inserto na lei das licitações, em
detrimento do princípio da legalidade. Trata-se de hipóteses tipificadas no
art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Nessa linha, é razoável a
suspensão dos contratos firmados sem prévia licitação entre o Município de
Uruguaiana e as empresas de radiodifusão demandadas, bem assim, portanto, das
prestações que deles decorrem, inclusive a veiculação do programa a eles
relacionado ¿Uruguaiana Vencerá¿. Cuida-se de se evitar o risco de dano de
difícil reparação consistente na persistência dos efeitos das contratações
irregulares, onerando-se indevidamente os cofres públicos e os próprios
envolvidos nas contratações apontadas como irregulares. Vê-se, ainda, que o
Ministério Público pretende, em sede liminar, seja o Município genericamente
compelido a suspender ¿toda inserção ou propaganda televisiva que possua
símbolos, referências, slogans, imagens ou jingles que façam referência ao
Prefeito Municipal José Francisco Sanchotene Felice¿. Ainda, há pedido no
sentido de que ¿José Francisco Sanchotene Felice abstenha-se de, na condição de
Prefeito, realizar, em qualquer meio de comunicação, publicidade
autopromocional custeada pelo erário, caracterizada pela presença de símbolos,
slogans, imagens ou jingles que façam alusão a sua pessoa¿. Em primeiro lugar,
não se pode afirmar que toda a forma de publicidade do Poder Público não possa
¿fazer referência¿ ou ¿alusão¿ à figura do Prefeito já que tal não implica
necessariamente a vedada promoção pessoal. É plenamente possível que haja
propaganda televisiva, verbi gratia, noticiando feitos da Administração
Pública, em que apareça a figura do atual gestor sem que tal implique promoção
deste. Faz-se necessária a análise do caso concreto, não sendo viável o comando
abstrato e genérico postulado na inicial. Além disso, já há normas que regulam
impedimento de promoção pessoal de autoridades às custas do erário: o art. 37,
§1º, da CF1, bem como o art. 9.°, XII2 e o art. 113, ambos da Lei 8.429/92.
Descabe ao Juízo, nessa esteira, declarar sua vigência em tese e, ainda,
compelir quem quer que seja ao seu cumprimento repetindo comando hipotético
previsto no ordenamento jurídico. Na eventual hipótese de apontado
descumprimento do comando, além da possibilidade de incidência das penalidades previstas
na Lei de Improbidade Administrativa, poderá ser o pleito refeito com vistas à
abstenção do ato improbo a ser precisamente apontado. De qualquer forma, no
caso dos autos em que se examina especialmente o programa radiofônico em
questão, já houve determinação de suspensão, por ora por fundamento diverso,
sem prejuízo da análise dos outros fundamentos expostos no momento oportuno.
Por fim, registra-se descabida a tutela antecipada de decretação de
indisponibilidade de bens da pessoa física demandada na hipótese dos autos em
que não há alegação nem comprovação, ainda que sumária, de que o demandado
esteja se desfazendo ou pretenda se desfazer de seu patrimônio ou, ainda, de
que não disponha de meios para garantir eventuais danos a que seja condenado a
reparar, prova esta que não é diabólica, mas de possível produção, como ocorre
nos demais processos cíveis onde são postuladas medidas cautelares similares.
Destaque-se que não obstante haja comando específico na lei de improbidade
relacionado à decretação da indisponibilidade de bens (art. 7.°4), tal não
elide a necessidade de exame de todos os requisitos do art. 273 do CPC, quando
postulada initio litis, dentre eles a configuração do ¿fundado receio de risco
de dano irreparável ou de difícil reparação¿ ou do ¿abuso de direito de defesa
ou o manifesto propósito protelatório do réu¿. E, no caso de um provimento
antecipado de nítido caráter acautelatório do resultado útil do processo ao
final, equiparável ao arresto previsto entre os artigos 813 a 821 do CPC, exigível a
demonstração do periculum in mora, através da alegação e da demonstração, ainda
que sumária, dos fatos que o caracterizam, algo ora inocorrente. Na mesma
linha: ¿AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
INDISPONIBILIDADE DOS BENS. PROVIMENTO CAUTELAR. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DA
VEROSSIMILHANÇA E DO RISCO DE DANO. PENHORA ON LINE SOBRE ATIVOS FINANCEIROS.
NECESSIDADE DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. O art. 16 da Lei
8.429/92 dispõe sobre o ajuizamento de ação cautelar autônoma, por provocação
da comissão processante incumbida de investigar fatos supostamente
caracterizadores de improbidade, antes mesmo da existência de processo
judicial. Não há, em princípio, qualquer óbice a que o mesmo pedido seja formulado
incidentalmente, nos próprios autos da ação principal, como permite o art. 273,
parágrafo 7º do CPC, tal como aqui se deu. De qualquer modo e em qualquer caso,
indispensável se afigura a inequívoca demonstração da verossimilhança e do
risco de dano, pressupostos inerentes aos provimentos cautelares ou
antecipatórios. A utilização do Sistema Bacen-Jud importa quebra do sigilo
bancário, e implica indevida intromissão na privacidade do cidadão,
expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, X). Por isso,
somente poderá ser utilizado em situações excepcionais, após exauridas todos os
demais meios, e não localizados bens outros passíveis de penhora. Agravo
provido, por maioria. (Agravo de Instrumento Nº 70023194228, Vigésima Primeira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges,
Julgado em 19/03/2008).¿ Grifei. ¿AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. PROVIMENTO CAUTELAR.
DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DA VEROSSIMILHANÇA E DO RISCO DE DANO. PENHORA ON LINE
SOBRE ATIVOS FINANCEIROS. NECESSIDADE DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO.
IMPOSSIBILIDADE. O art. 16 da Lei 8.429/92 dispõe sobre o ajuizamento de ação
cautelar autônoma, por provocação da comissão processante incumbida de
investigar fatos supostamente caracterizadores de improbidade, antes mesmo da
existência de processo judicial. Não há, em princípio, qualquer óbice a que o
mesmo pedido seja formulado incidentalmente, nos próprios autos da ação
principal, como permite o art. 273, parágrafo 7º do CPC, tal como aqui se deu.
De qualquer modo e em qualquer caso, indispensável se afigura a inequívoca
demonstração da verossimilhança e do risco de dano, pressupostos inerentes aos
provimentos cautelares ou antecipatórios. A utilização do Sistema Bacen-Jud
importa quebra do sigilo bancário, e implica indevida intromissão na
privacidade do cidadão, expressamente amparada pela Constituição Federal
(artigo 5º, X). Por isso, somente poderá ser utilizado em situações
excepcionais, após exauridas todos os demais meios, e não localizados bens
outros passíveis de penhora. Agravo provido, por maioria. (Agravo de
Instrumento Nº 70023345952, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 23/04/2008).¿ Grifei.
¿AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. TUTELA ANTECIPADA.
DEFERIMENTO. A tutela antecipada deve ser concedida quando presentes os requisitos
autorizadores: prova inequívoca de modo que se convença da verossimilhança da
alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art.
273, I, do CPC). Caso em que a medida liminar de indisponibilidade de bens
mereceu ser deferida em face da verossimilhança das alegações do Ministério
Público, havendo perigo de prejuízo iminente ao erário público. AGRAVO DE
INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70046011276, Primeira Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado
em 15/02/2012).¿ Grifei. Nesses últimos aspectos, ausentes os pressupostos do
art. 273 do CPC, inviável o deferimento da tutela antecipada. Nesses termos,
evidenciada a presença dos requisitos previstos no art. 273 do CPC relativamente
aos pleitos arrolados nos itens ¿e¿ e ¿c¿ do item V.1 da inicial e, com base no
disposto na Lei de Improbidade Administrativa, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR PLEITEADA, determinando unicamente a
suspensão dos contratos nº 93/2012, 94/2012, 95/2012 e 96/2012, firmados entre
o Município de Uruguaiana e as empresas de rádio demandadas, bem assim das
prestações a eles relacionadas, inclusive a veiculação do programa radiofônico
¿Uruguaiana Vencerá¿, neles amparado, sob pena de multa de R$10.000,00 a cada
demandado em caso de descumprimento, por evento constatado. Intimem-se.
Notifiquem-se os demandados nos termos do art. 17, §7.º, da Lei n.º 8.429/92.
Decorrido o prazo, voltem conclusos para análise, consoante art. 17, §8.º, da
LIA.