A Porta da Esperança
Texto e foto de Valéria del
Cueto
Melhor assim,
diante dos incríveis acontecimentos que venho contar. Antes de mais nada, deixo
claro que aqui não há um único desvario ou delírio. Afinal, quem está voluntariamente
nessa cela não sou eu, é você.
Fica o registro
juramentado, por meus poderes intergalácticos de extraterrestre, que reportarei
apenas a verdade e que não tomei água oferecida nos bloqueios e manifestações
que percorri, o que parece ter provocado alterações significativas no
comportamento dos revoltosos que, em nome da liberdade, pediam (juro que é
verdade) intervenção militar no governo do presidente. Aquele que fizeram o (im)possível
para ver reeleito.
Leia de
novo o último parágrafo, por favor, estimada amiga. E vamos ao início do
capítulo que, depois de tantas peripécias poderia até se tornar um tomo completo.
Um livro inteiro em episódios burlescos, com um enredo rocambolesco coroado por
um final cheio de falsas premissas decepcionantes para seus aloprados protagonistas.
Pode me
elogiar, cara cronista, pela erudição e a falsa modéstia. Nasceram das sementes
que você plantou quando me acolheu na minha chegada ao planeta Terra. Um extraterrestre
de passagem, preso na atmosfera poluída e, consequentemente, sem propulsão para
ultrapassar a camada de ozônio pluctplacteando ao léu mundo a fora. Lição
número um: esse planeta não é para amadores! O Brasil então...
Já aticei
sua curiosidade? Nada do que imaginar chegará próximo dos acontecimentos
ocorridos e fartamente registrados. Começando pelo dia da votação do segundo
turno.
Tudo normal
até o registro da passagem de uma eleitora, cujo voto não indaguei por ser
secreto, pela moldura da imagem que ilustra essa mensagem. Como uma porta da
esperança, sabe? Uma previsão como tantas outras. Essa, do que está por vir.
Com uma
fluidez que não se verificou no primeiro turno e sem atropelos a votação
transcorreu na calmaria. O resultado apertado de 50,9 a 49,1 para Lula foi
anunciado e rapidamente confirmado pelas autoridades constituídas. Menos...
pelo presidente da República. Que emudeceu.
Seu
silêncio serviu de fermento no bolo que se formou na garganta de seus seguidores
derrotados. Foram às ruas e estradas e nelas amanheceram segunda-feira bloqueando
rodovias em surto coletivo. Marcharam, oraram e brigaram enquanto a Policia Rodoviária
Federal fazia a egípcia nas vias de abastecimento de todo o país. Foram mais de
1.050 bloqueios.
Quem
conseguiu começar a liberar os gargalos, acredite, foram as torcidas
organizadas. Abriram os caminhos ao se locomoverem para as partidas de futebol fora
de casa no feriado de finados.
Mesmo com o
fim da afonia presidencial os manifestantes verde e amarelos bandeira não arrefeceram
o pedido de intervenção militar. Também, com tantas notícias falsas
disseminadas pela rede de informações dos insurgentes, como acreditar num
combalido capitão, vestido de Zelenskyy, pedindo os desbloqueios? Depois de
anunciada e muito comemorada, entre outras coisas, a prisão de Xandão, o
presidente do TSE, demorou um tempo para uma troca de estratégia.
Agora,
fazem manifestações exigindo a quebra da constitucionalidade nos portões dos
QGs militares. Repito: pedem intervenção militar! O que pressupõe o fim do
governo que votaram para continuar. E perderam.
Tudo isso
com os deuses da meteorologia despejando muita água e frio país a fora. Uma
loucura coletiva onde, entre rezas, penitências e saudações nazistas, cantaram
o Hino Nacional fazendo continência a um... pneu!
O raio de
luar está por um fio, mas preciso de um espaço extra para registrar dois fatos
que marcaram o período. Carla Zambelli, a parlamentar, correndo com uma arma
pelas ruas de São Paulo atrás de um eleitor que declarou na véspera do pleito a
ela “Te amo, espanhola”, é um deles. O outro “evento” é um caminhão com um abilolado
de amarelo colado no gradil frontal em alta velocidade. O motorista querendo
passar e o empresário Júnior Cesar Peixoto “grudou” no veículo. O caminhoneiro,
louco para ver os filhos, tocou em frente. Verdade ou não, dizem os memes que o
parvo foi visto até em Marte.
Posso
garantir que não desembarcou na Lua. O dragão de São Jorge negou guarida soltando
fogo pelas ventas simbolicamente enrolado no manto vermelho do santo. Lá, Lula
ganhou com 2 votos. Deu 100% na urna lunar, a dos poetas, seresteiros e
namorados!
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas
Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com