Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: 01/24/23

24 de jan. de 2023

Deixar pra trás, jamais - crônica de Valéria del Cueto


Deixar pra trás, jamais!

Texto e foto de Valéria del Cueto

Eis-me aqui, cara cronista, cada vez mais “osmosezoado’. Só a osmose humana explica esse mau hábito de ficar sem dar notícias. Dizer que vou ali e não voltar porque fui pra outro lugar.

A ultima mensagem pelo raio de luar que invade sua cela foi... ano passado! Desleixo. Maior se considerar que, para lembrar onde paramos, recorri aos arquivos da nave. HDs passados, tantas coisas aconteceram nesse intervalo. Espero sinceramente que tais fatos não chegaram até a cela do outro lado do túnel em que, voluntariamente (é sempre bom registrar, caso seja sua decisão abandonar o refúgio), você se recolheu. Eu Pluct Plact, seu amigo extraterreste, entendo, respeito e corroboro sua opção de isolamento.

A vida não está para amadores. Foram alguns deles que, empoderados e num delírio (que só overdose de cloroquina explica), se acharam os donos do pedaço.

Estou dando voltas e dourando a pílula, mas é melhor ir direto ao “L” da questão. Lembra daqueles que na última cartinha, contei que tentavam contato com os alienígenas pedindo ajuda para salvar o Brasil? Agindo por conta própria ampliaram o delírio sintonizando outros insatisfeitos e marcharam para Brasília!

Não é brincadeira, cronista. Antes da festiva posse do presidente eleito pela maioria dos votos dos brasileiros o candidato derrotado pegou um avião e, desrespeitando os ritos protocolares, esquivou-se de passar a faixa ao sucessor. Menos mal. Lula a recebeu das mãos de representantes do povo brasileiro numa cerimônia emocionante.

Dias antes uma meia dúzia de três ou quatro tentou colocar, pasme, uma bomba num caminhão combustível próximo ao aeroporto. Um checklist de rotina fez do caminhoneiro o herói do dia. Nele, encontrou o artefato cujo acionador... não funcionou.

Imagina a estrutura da segurança na posse. Especialmente se considerar que Lula fez questão de seguir o cerimonial. Ele incluía do desfile em carro aberto no Rolls Royce de Getúlio Vargas.  Foi bonita a festa pá, todos contentes. Vida que segue com questões pertinentes aos novos tempos no Brasil?

Só que não. Nas redes sociais a senha “Festa da Selma” bombava e, no domingo seguinte, do ninho bolsonarista em frente ao QG do Exército (onde eram paparicados por milicos), turbinados por aloprados que chegaram em centenas de ônibus, marcharam com a complacência e a cumplicidade de forças policiais militares e autoridades golpistas, em direção a Esplanada.

Invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Planalto (Lula estava em São Paulo) e o prédio do STF. Certos da vitória registraram para a posteridade as ações predatórias nos perfis. Se vangloriando, geraram provas cabais da destruição diante de todo o país que assistia o espetáculo macabro. Entre eles, autoridades constituídas que deveriam zelar pela segurança do Plano Piloto e das sedes dos Poderes.

Não, querida cronista, não estou delirando. Quem tomou cloroquina foram eles, já antecipei acima.

A reação começou por policiais e militares conscientes de seus deveres institucionais. Horas depois o saldo era de milhares de “cidadãos de bens” encaminhados ao ginásio da Academia da Policia Federal e posteriormente, a novos endereços: a Papuda e a Colmeia. São quase mil prisioneiros e mais chegarão. Com o enquadramento veio a compreensão tardia de que os delírios golpistas têm preço e será $ub$tantivo.

Da insatisfação ao terrorismo a linha foi ultrapassada sem que o mito guia abrisse a boca de seu refúgio perto da Disney. O silêncio, interpretado como consentimento e apoio à barbárie, continuou na passagem pelo hospital americano (mais uma) e a pungente e chorosa lembrança da antiga e sempre lembrada facada.

Noves fora, pensa na limpa. Mal começou e vai espalhar como gota em superfície de água parada. Foram feitas forças tarefas para resguardar e recuperar imagens e áudios, provas incontestes da autoria dos prejuízos de dezenas de milhares de reais que incluem obras de arte vandalizadas e destruídas.

Claro que, agora, os terroristas descobriram como a banda vai tocar. Reclamando, entre outras coisas, das condições das penitenciárias. As mesmas que incentivaram no último governo a degradar ainda mais, quando repetiam o slogan “bandido bom é bandido morto”. Vão provar do próprio veneno. Alguns entenderão que foram massa de manobra. Se depender da disposição de Xandão, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, todos terão o que merecem.

O espaço já acabou e sei qual é a pergunta que não quer calar. O líder? Está sendo o que sempre foi. Covarde. Seus asseclas estão na fogueira enquanto procura refúgio num país amigo. Aqui, o mote é “anistia não”.

Como se não bastasse, o drama vivido pela nação Yanomami também caiu (tardiamente) na sua conta. Vários ex-ministros estão na canoa furada do genocídio perpetrado contra os indígenas que o governo deveria proteger: Damares Alves e Marcelo Queiroga, podem ser considerados o casal de mestre-sala e porta-bandeira. O Grêmio Recreativo dos Genocidas tem outros componentes. De autoridades a garimpeiros e empresários, todos sedentos pelas riquezas das reservas indígenas.

Nas páginas da História do Brasil sua obra está registrada na posteridade como a do presidente que insuflou parte do país, jogou com o amor de seus seguidores e, como sempre, fugiu de suas responsabilidades. Bolsonaro, o paraquedista, nunca foi um SEAL, desconhece o significado do lema “nunca deixar um companheiro para trás”.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com 

Studio na Colab55