Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: novembro 2023

28 de nov. de 2023

O cativeiro social e o direito autoral

O cativeiro social e o direito autoral

Texto e foto de Valéria del Cueto

Desenho florezinhas infantis na página que antecede esse texto no caderninho enquanto penso em por onde começar. Onde vou terminar, só o limite imposto pelo espaço do jornal de (mais ou menos, sempre pra mais) duas laudas, dirá.

Não, não sou eu quem me navego. Aprendi a lição com Paulinho da Viola que aprendeu com seu pai, César Faria. Se tivesse esse poder de me navegar não seria jornalista. Os eventos me procuram, não eu a eles e, como ser social, sou impelida a re/agir aos acontecimentos. Jornalisticamente

Essa escrevinhação era para ser sobre o Dia Nacional do Samba, 2 de dezembro. Data especial no calendário de quem, como eu, vê no ritmo uma avenida de prazeres para os necessitados de poesia e movimento se lançarem no período carnavalesco.

Festejos se espalham pela Cidade Maravilhosa. O Trem do Samba parte da Central do Brasil fazendo a ligação com as comunidades que ao longo dos trilhos consolidaram as características identitárias do povo do samba. A festa deságua em Oswaldo Cruz.

Aqui, na ponta do centro da cidade, desde o dia primeiro de dezembro a Cidade do Samba festeja com mais uma edição de mini desfiles, escolha da corte LGBTQIAPN+, shows com Diogo Nogueira e a roda de samba do Beco do Rato, entre outras atividades programadas pela Rio Carnaval, a Liesa e a Riotur.

Entre as duas noites haverá a abertura da exposição “Corpo Popular”, de Leandro Vieira, com curadoria de Daniela Name, no Paço Imperial.

O carnavalesco campeão ocupa um dos mais nobres espaços culturais cariocas com um triplo carpado (estou com mania dessa imagem, daqui a pouco passa) finalizado com perfeição com os pés plantados no sofisticado universo das artes plásticas.

Lá vamos nós, do acervo carnevalerio.com, com algumas fotos para uma das instalações que ele criou. Quais são? Onde estão? Quem procura, acha. Mas vai ter que procurar bastante. Só dou uma dica: parte das imagens selecionadas é daquela por quem #meuamornuncatemfim, a Bateria da Mangueira.

Esse era meu rumo, esse era meu prumo, até a inaceitável abordagem no aeroporto de Brasília ao Cisne da Passarela, a porta-bandeira Vilma Nascimento, revistada em público numa loja do saguão.

Estava ruim? Pois é, como o mar não tem cabelo, pode piorar. Numa postagem nas redes sociais vi uma foto de Vilma, de punhos cerrados, na Sapucaí. Como reconhecê-la entre tantas? Pelo fato que gerou o registro feito no Desfile das Campeãs do carnaval de 2018.

https://www.flickr.com/photos/delcueto/albums/72157695035591631

A escola de samba Paraíso do Tuiuti deu um sacode na Sapucaí com seu enredo e alcançou sua melhor posição no Grupo Especial, o vice-campeonato.  Vilma fazia o gesto com as mãos fechadas no refrão: “Meus Deus, meu Deus, se eu chorar não leve a mal. Pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social”. Vi a primeira vez fora do enquadramento e a acompanhei na pista até que o refrão se repetisse.

E lá estava a imagem nas redes sociais postada pela Anistia Internacional Brasil com o crédito: “reprodução”.

Sim, o carnaval está chegando. Época em que, paradoxalmente, evito as redes onde tenho que ficar brigando por algo que deveria ser óbvio: o direito autoral das imagens do acervo carnevalerio.com, protegidas pela lei 9610/1998.

Pelo “X” pedi que entrassem em contato. O que aconteceu rapidamente. Expliquei que a foto havia sido, inclusive, cortada. Dava pra ver a beira da marca d´água do lado direito. A gentil assessora esclareceu que havia sido capturada na rede, já sem o crédito.

Fui atrás e lá estava ela, publicada pela Veja Rio, na coluna de Bruno Chateaubriand com a marca d 'água e o incrível crédito: “divulgação/divulgação”. Depois de algumas retuitadas o colunista entrou em contato e explicou que a foto chegou com um release sobre a honraria que Vilma recebeu dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Ele também foi gentil, diligente e está sendo muito correto para sanar o uso indevido.

O que chamou minha atenção e demandou a mudança de rumo do meu barco/crônica foi o fato de que, em ambos os casos a responsabilidade pela inserção do material de forma irregular foi creditada a terceiros quando, na realidade, cabe ao editor/responsável pela publicação do material checar a fonte da foto, assim como a das informações veiculadas. Esse é o papel do jornalista. Checar informações. 

A questão do direito autoral é muito séria, envolve interesses conflitantes  e está no foco de discussões nas câmaras parlamentares nacionais e internacionais. Se informe, é o que peço.

É visível e, no meu caso, sentido na pele, o enorme desconhecimento sobre o tema que mudou o rumo da minha prosa para registrar um dos muitos casos que se repetem e multiplicam a cada temporada carnavalesca.

Essa, que não poderia deixar começar com uma saudação especial. Salve o Dia Nacional do Samba! Os sinais indicam que o tempo da folia está chegando.

Evoé, Momo!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

https://youtu.be/1Md4JrXpkbY?si=M4mozY_cZXpJnyfH 

Studio na Colab55

13 de nov. de 2023

O bambu e a flecha, de Valéria del Cueto


O bambu e a flecha  

Texto e foto de Valéria del Cueto

Queria falar de carnaval. Se pudesse. Esse título também caberia na crônica que imaginava escrevinhar no meio do mundo, pra variar, no domingo. O tema seria o samba do Salgueiro, um canto comovente e realista sobre os Yanomami.


Só que... Hoje é 12 de novembro, Dia do Pantanal.

Antes de ligar o bioma a efeméride vejo o drama que se desenrola em parte da maior planície inundável do mundo. Mais uma vez, como em 2020, ela arde sob os olhares complacentes e cúmplices de quem tem o dever constitucional de preservá-la.

Mesmo assim pensei em manter o foco na folia, ou falar dos planos do réveillon carioca, para compensar o peso dos últimos textos sobre os acontecimentos no Oriente Médio.

Resisti até abrir o “X” e me deparar com postagens do PL. Ele, o Partido Liberal, comemorando o Dia do Pantanal nas redes sociais. Ele e, também, sua parlamentar Carla Zambelli, a dona que correu atrás de um eleitor apontando uma arma pelas ruas de São Paulo nas últimas eleições.

https://t.co/SYdGuYH3iI

Foi a gota d´água para mudar minha melodia de um samba enredo para um lamento nativista. Falo de “Queimada”, um dos socos no estômago que levei na 10 Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, a primeira que acompanhei, em 1980. Defendida por Miguel Gonzalez, Os Uruchês e o piano triste e pungente de Cide Guez, sua melodia acompanha e sublima as imagens poéticas da agonia da terra e dos animais. Os versos finais dizem: “É hora do homem parar de agredir, ou gerações futuras serão caravanas errantes, condenadas a morte na fome numa terra que não vai parir”.


Ali caiu minha ficha da responsabilidade que tenho como cidadã desse mundão de não me omitir para alertar, a quem interessar possa, sobre o tamanho da encrenca em que nos metemos ao mexer com o planeta como estamos fazendo. É uma luta longa, muitas vezes inglória e frustrante. Mas, como diz o título do texto, se tem bambu, tem flecha.

E essas são as flechas que carregam mensagens a você, leitor, para alertá-lo a não se deixar enganar por banners motivacionais postados por aqueles que, com seus votos, colaboram de forma direta e criminosa para a destruição de nossas riquezas naturais.

Como assim? O partido que abriga representantes da bancada do agro, (a que quer ampliar a área de plantio às cabeceiras do Pantanal, demarcá-lo na vazante e não na cheia, fazer PCHs - Pequenas Centrais Hidroelétricas, interferindo no curso natural das águas que garantem o frágil equilíbrio do bioma, a mesma que incentiva o avanço indiscriminado agrícola no Cerrado, principalmente na chamada zona do Alto Paraguai), exaltando o Dia do Pantanal? Nele também pontifica a bancada da bala, que avança com projetos de liberação da caça!

Menciono um partido, mas sabemos que esse vírus invasivo permeia outros. Eles desenvolvem ações orquestradas nas câmaras parlamentares municipais, estaduais e federais que corroem a rede de proteção ambiental. O que tem de gente fazendo cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo. O que tem de manipulação de dados e informações!

Todo cuidado é pouco, por exemplo, quando o diligente ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cria de Blairo Maggi, o eterno Motosserra de Ouro, “recorta” dados sobre o agro que não respeita as normas ambientais usando o santo nome de sua colega Marina Silva, do Meio Ambiente, em vão. “Ela disse que menos de 2% dos agricultores cometem delitos”, afirma o pupilo do magnata da soja, “mais de 98% agem de forma correta”, conclui.

Sabe conversa pra boi dormir? É por aí. O que ele não menciona é a quantidade absurda de terras que os “menos de 2%” detém. São os latifundiários que controlam a maior parte. Hoje, 0,7% das propriedades têm área superior a 2 mil hectares. Mas... somadas elas ocupam 50% das terras agricultáveis. Portanto, olha o tamanho do espaço em que esse pequeno e privilegiado contingente pode fazer estragos. Isso se chama manipulação de dados.

E, como ainda tem bambu, não custa nada flechar a meia informação tendenciosa de quem, como gestor público, contribui para colocar lenha na fogueira que arde sem a devida prevenção e contenção no Pantanal e no Cerrado, enquanto vende ao mundo a “defesa” da Amazônia.

Tudo parte do mesmo movimento, o alvo a ser atingido por informações claras que desmascarem a minimização de um problema gigantesco, concentrado e com recursos quase infinitos para patrocinar candidaturas, postergar ações judiciais e vender conceitos como o de que “O AGRO é POP”, botando no mesmo balaio os mega tubarões e o agricultor familiar pra confundir a cabeça do povo. Sinceramente, não acho que seja fácil mensurar o tamanho do problema e das forças que enfrentamos.

Então, deixo uma sugestão. Especialmente aos mato-grossenses que seguiram até aqui a trajetória dessa flecha.

Abra sua janela, tente ver o horizonte e inspire fundo o ar contaminado pelas consequências da ganância que destrói o meio e corrói a qualidade do nosso ambiente. Olhe em volta. Pense no futuro.

Agradeça se (ainda) houver algum bambu a seu alcance. E lute!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM... pantanalsemfim.wordpress.com


 


Studio na Colab55