Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: abril 2020

22 de abr. de 2020

Coronga é a vovozinha! - Fábula Fabulosa de Valéria del Cueto

Coronga é a vovozinha!

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista sem mais delongas na sua ausência voluntária incorporei seu papel de jornalista e, aceitando a sugestão de Bebeto, entrevistei a pseudo causa de todos os males que assolam a humanidade nesse momento, a Covid-19.

Pluct Plact - Olá, senhora Covid-19, como está vendo esse momento de “evidência”, por assim dizer?
Cvd19 – Estou estupefata e carente. Afinal, mesmo novinha, parece que me responsabilizam por todos os problemas do mundo.

PLct – E não é esse seu papel no contexto atual?
Cvd19 – Claro que não! Fico indignada com essa visão reducionista. Tudo bem que não vim a esse mundo a passeio, mas vamos botar os pingos nos “i”s: Covid-19 só tem uma! Cadê o pingo da crise da saúde ignorada? E veja que não foi por falta de aviso. E da economia esgotada? Do tal do capitalismo globalizado ensandecido?

PLct – Sem querer botar lenha na fogueira (mais um pingo) capitalismo em dose dupla.
Cvd19 – E se pingo é letra, meio ambiente também. Esses ignorantes brincaram com coisa séria e agora jogam o esgotamento planetário nas minhas costas.

PLct – E, na sua opinião, qual é a solução para que o impasse que obriga a humanidade a se esconder da vida e correr da senhora mais que o diabo corre da cruz?
Cvd19 – É sério, caro Pluct Plact, que o senhor supõe que eu tenho essa resposta?

PLct – Quem sabe...
Cvd19 – Pois não tenho e não cabe a mim responder. Já me basta levar nas costas a culpa de todos os males do mundo. “Faliu a saúde?” É a Covid -19. “Os empregos sumiram?” Vai para a conta do coronavirus da vez. “Os transportes subiram as tarifas?” Covid-19. “O petróleo despencou, a bolsa caiu, o dólar subiu?” Por que a Covid-19 se expande... Tudo cai na minha conta!

PLct – Mas qual a luz no fim do túnel, a senhora sabe?
Cvd19 – Tenho cara de cientista, extraterrestre? Sou consequência. Pergunte a quem faz balbúrdia, como diz o ministro da educação especializados em tolices ou, talvez, o astronauta que depois de ir à lua admite se juntar a quem acha que a terra é plana para ser chamado de ministro da tecnologia.

PLct – Ah, Covid, o Brasil está num mato sem cachorro...
Cvd19 – Naninanaum. Tem o capetão para tocar horror na rapaziada. Seus seguidores que oram nas calçadas e se entregam ao Jim Jones do terceiro milênio que brada “Eu sou a Constituição”. O Brasil está bem na foto da loucura mundial.

PLct – E então...
Cvd19 – Enquanto os loucos uivam e ameaçam o povo, ou parte dele, demostra o que tem de melhor. Há muito tempo palavras como solidariedade andavam sem significado. Sem destaque nesse mundo véio e mal tratado. Agora, não!

PLct – Deduzo que a senhora acha que tem jeito...
Cvd19 – Eita, não bote palavras nas minhas verruguinhas poderosas. Só água e sabão para me deter. Palavras o vento leva, já dizia o poeta.

PLct – Nesse caso...
Cvd19 – Não tem caso nem acaso. Só pesquisa, resistência e união (e olha que essa parte está difícil) para conter minha disseminação. Ah, e o esforço sobre humano dos verdadeiros heróis da pandemia. Agentes de saúde, por exemplo. Também destaco e aplaudo incondicionalmente os garis, não deixando de lado os caminhoneiros e quem continua produzindo alimentos.

PLct – E quem são os vilões dessa história macabra?
Cvd19 – São muitos, mas é melhor não citar ninguém. Pode ser que cometa uma injustiça, deixando uma família, um burocrata ou ministro qualquer fora da lista. Especialmente daqui do Brasil.

PLct – Já que a senhora foi tão específica, mais uma pergunta: por que me escolheu para fazer essa entrevista exclusiva?
Cvd19 – Elementar, meu caro Pluct Plact, para me manifestar tinha que ser no epicentro da ignorância consentida. Poderia ter sido nos EUA, quase no mesmo nível da lei de Gerson. O presidente de lá também gosta de levar vantagem em tudo. Mas aqui, além da maldade aprimorada e potencializada, qual a curva ascendente de contaminados e vítimas, tem algo que nenhum outro lugar tem.

PLct – O que seria?
Cvd19 – Um extraterrestre residente, ora. Com a desconstrução da imagem da imprensa e dos jornalistas, quem teria isenção e credibilidade para levar a minha mensagem ao mundo? Só um ser interplanetário.

PLct – Muito obrigado pela distinção, Dona Coronga, afinal, fazer uma exclusiva com a senhora é uma honra!
Cvd19 – Você me chamou de que? Abusado.

PLct – Queira desculpar, cara Covid-19, escapou sem querer seu apelido...
Cvd19 – Você está humano demais. Aprendeu a brincar com coisa séria. Coronga é a vovozinha! Pronto... só de raiva desenvolvi uma mutação que não tem restrição de idade. Agora é assim, pega um, pega geral!

PLct – Foi ato falho.
Cvd19 – Na próxima garanto que vou incluir extraterrestres na lista de infectáveis.

PLct – Então é melhor encerrarmos a entrevista, senhora. Vou ali tentar um novo lançamento para o espaço. Quem sabe escapo da sua ira que, reconheço, é plenamente justificável...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

14 de abr. de 2020

Que mundo é esse? - Fábula Fabulosa de Valéria del Cueto

Que mundo é esse?

Texto e foto de Valéria del Cueto

Querida cronista estou aqui, mais uma vez, para dar notícias do lado de cá. Falo dessa maneira porque não posso dizer que seja um informe do seu mundo. Aquele que, sinto comunicar de supetão, não existe mais!

Para situá-la, lamento dizer que não escrevo do lugar de sempre. Troquei a ponta do Arpoador, agora inacessível, pelo telhado de um prédio próximo.

Não está entendendo nada desse relato, não é? Nem você nem os bilhões de habitantes desse planeta que, egoistamente, todos se acostumaram a chamar de SEU. Concluo diante do que tenho visto que esse sentimento de posse pode ter sido uma das causas das atuais circunstâncias, as que tento relatar. Sei que a narrativa deve estar gerando confusão. Mas a vida é assim, como no futebol, uma caixinha de surpresas. E as últimas têm sido estarrecedoras.

Definitivamente, meus estudos interplanetários de extraterrestres de passagem indicam que por se achar dono do mundo o ser humano, que idiota, pensou que poderia fazer gato e sapato do planeta. Tanto tentou e cutucou a onça com vara curta que o felino se irritou e resolveu reagir a altura.
Eu, que bati nesses costados na minha missão de explorador das galáxias e vi minha nave.

interplanetária não ter potência para sair da armadilha atmosférica da detonada e maltratada camada de ozônio, eu, amigo confidente e correspondente dessa cronista enclausurada por vontade própria do outro lado do túnel, tenho a triste e frustrante missão de informá-la pela fresta de luar que invade sua cela que nem os alertas dos cientistas, nem meus avisos desesperados surtiram qualquer efeito para impedido o desastre. O mundo acabou!

Seu fim veio de forma invisível e silenciosa. Ao contrário de todas as previsões não houve maremoto nem terremoto. Não foi pelo fogo, pela água ou pela seca.

Foi, simplesmente, pelo alastramento de um vírus mutante capaz de dizimar parte da população. Tirando em poucos dias a capacidade das pessoas respirarem! Começou na China, passou pela Itália e se espalha por todos os continentes.

Sei que você deve estar pensando que este quadro é fruto da minha imaginação, provocado pelo uso experimental desses alucinógenos que, você sabe, andei testando nas minhas andanças... Gostaria que fosse isso. Pelo bem dessa humanidade que, perplexa, hoje se esconde em suas casas, estoca alimentos e se comunica pelas redes sociais esperando um milagre da ciência.

Os governos que não acreditaram na potência e na letalidade da Covid-19 (é assim que essa variante do coronavirus se chama) estão pagando um preço altíssimo e, acredito, ainda serão responsabilizados criminalmente por suas escolhas equivocadas na condução desse “processo”.
Cronista querida, aqui no seu país os governantes no início da pandemia estavam preocupados sabe com o que? Como o mercado! Como se o “Deus” do capitalismo fosse capaz de evitar a quebra de todos os paradigmas sociais e econômicos do mundo inteiro!  Quanta ignorância...

Além disso, para piorar a situação, um louco desequilibrado conduz o Brasil num momento dramático como esse. Ele diz que o evento que paralisou o planeta, impedindo a circulação de pessoas, a aproximação entre os humanos, separando famílias por causa do seu incrível grau de contágio e letalidade, é apenas “uma gripezinha”.

Abraçar? Não pode. Beijar? Nem pensar. Tocar? Transmite o vírus. Os costumes mudaram, os valores também. Mas o delirante mandatário contraria todas as normas e cuidados definidos por quem está no meio da tempestade viral tentando conduzir o barco.

Lá, no resto do mundo, fronteiras foram fechadas. É terminantemente proibido sair às ruas a não ser para comprar comida, remédio ou procurar ajuda médica. Só serviços essenciais funcionam. Sistemas de saúde entram em colapso. Sem mencionar as mortes velozes, os corpos cremados ou enterrados sem velórios, quando não ficam abandonados nas habitações para serem recolhidos.

Enquanto isso aqui, até em rede nacional, se incentiva o povo a não respeitar o isolamento social necessário para refrear o avanço da calamidade em larga escala.

Cronista, sinto informar, mas é tudo verdade! E, com essa forma empírica que adotei de me fazer humano por osmose nessa missão intergaláctica interminável aqui na Terra, descobri um sentimento terrível até agora desconhecido. O medo.

Foi ele que me trouxe a este novo cenário, o telhado. Único lugar em que alcanço a luz do sol e vejo, ao longe, seres humanos em suas enclausuras.

Para terminar, uma esperança. Essa que segue, valente, imune ao vírus. Com a paralisia compulsória, poucos veículos circulando, com o colapso econômico e o recolhimento social, a Mãe Terra se recupera das agressões cotidianamente provocadas pelos humanos. A poluição diminui, o mundo respira e conspira por uma mudança radical de comportamento.

Em resumo, enquanto castiga severamente seus algozes, o planeta agradece a pausa obrigatória e se regenera.

Fico por aqui. Gostaria de estar ao seu lado, dando maiores esclarecimentos sobre os fatos relatados. Mas, para sua própria segurança, prefiro me manter afastado procurando, junto com muitos outros valorosos cientistas, uma forma de ajudar na preparação para o novo mundo que surgirá. Espero que em breve...

Saudações do seu extraterrestre e confidente, Pluct Plact.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55