Falhando, mas entregando!
Texto e foto de Valéria del Cueto
Estou me apegando a todos os santos e
mandingas pra fazer esse texto pegar no tranco. Sorte que não sou um mecanismo
digital ou hidramático, o que significa que um bom empurrão faz algum efeito
sobre uma bateria exaurida. No caso, a minha.
Daqui a pouco ninguém mais vai saber do
que trata essa metáfora automotiva do milênio passado, eu sei. Como também sei
que estou, de novo, passando por aquele momento “se não tenho nada pra acrescentar,
o melhor é calar”.
Só que essa hipótese pode trazer um
prejuízo irrecuperável à regularidade das crônicas do Sem Fim. Queria que esse
fosse o dilema atual da escrevinhadora. Só que não é. Os motivos das últimas
rateadas são mais prosaicos.
Depois de eleger as areias das praias
cariocas como espaço/tempo para desenhar as sempre mal traçadas linhas das
páginas de muitos caderninhos - primeiro, na Ponta de Leme, de onde sou cria,
há décadas atrás e, mais tarde, no paredão do Arpoador ou na sempre invisível
Praia do Diabo, saí procurando outro paraíso que estimulasse, se não minha
imaginação, ao menos meus vastos e inconstantes pensamentos catapultados pelo
oceano de informações que, hoje, chegam a qualquer lugar pelas ondas indomáveis
da Nazaré das redes sociais.
É justamente esse tsunami e todos os
rejeitos que ele produz em sua rota de destruição que acaba provocando uma
inversão na dinâmica de produção de conteúdo.
Em vez de garimpar pepitas brutas
escondidas nas dobras do pensamento que chegam com as marés somos obrigados a
virar catadores nos lixões irregulares transbordantes de chorume, com espumas
de tolices, gosmas de sandices e dejetos movediços de horrores que nos impedem
de depurar sentimentos, “dexavar” ideias, burilar conceitos.
Somos movidos por efemérides pré-estabelecidas
e teorias rasamente concebidas por algoritmos gerados e comandados pela... inteligência
artificial.
Aquela que dita regras como a de que “temos
que ter um nicho” de ação na rede, por exemplo. Postar várias vezes ao dia,
outra exigência. Ter uma “comunidade”, mais uma. Mostrar a cara. Expor sua
rotina...
Estou lascada já na largada para esse
“salto mortal digital” com esse meu complexo de senzala, como diz meu pai, que
me impede de obedecer a qualquer regra ditada por sei lá quem quando era gente
e o que pra IA que nos comanda e nem ser humano é. Sempre fui guiada por uma
força estranha que me impede de ter amo e/ou senhor, como dizia o samba do
Paraíso do Tuiuti de 2018. Não à toa um dos meus codinomes era “rebelde”.
Não foi por falta de tentativa de fazerem
da minha, uma vida mais fácil nesse mundo que já não existe mais. Mundo esse, em
que a individualidade tinha algum valor e bastava que essa chama fosse sempre
(bem) alimentada com o conhecimento que gerasse argumentos para resistir ao
assédio do mais do mesmo.
Dancei. Ou não, porque nem assim sucumbi
e me orgulho de seguir pensando e expondo meus delírios nos últimos 20 anos.
Meu problema é com uma consequência
dos ouvidos moucos feitos por todos os que, voluntariamente, ou não, ignoraram
todos os alertas sobre as mudanças do planeta. Sim são eles, já cantados por Jorge
Mauter e Nelson Jacobina no século passado: os mosquitos!
Especificamente o Aedes que transmite
Zika, dengue, Chikungunya e, desde sempre a febre amarela, agora adormecida.
Doenças virais capazes de tocar horror no sistema de saúde e exponencializar meu
impedimento de uma produção literária sacralizada.
Eles mordem! E, cá entre nós, não se
assustam mais com DDT, sprays e receitas caseiras de proteção. Estão dando de
mão e comandando o jogo da saúde popular. E da minha crônica. Foi uma mordida
no joelho repleto de creme protetor fedorento que me fez, mais uma vez, fechar
o caderninho e dar por encerrado esse texto.
Mas só esse. Porque, assim como posso
ignorar a ditadura artificial, serei capaz de mudar meu ritual e seguir
falhando, mas entregando os rabiscos e fotos que registram meu tempo e o que
vejo no planeta.
*Valéria del Cueto é
jornalista e fotógrafa. Crônica das séries “Não
sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
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