Carnaval, resistência cultural
No axé, um canto de amor. Reage, Rio!
Texto e fotoa de Valéria del Cueto
Se o ano passado era crise, esse ano é perplexidade e arrependimento. O mundo do samba, declaradamente, ajudou a eleger seu principal algoz, o prefeito Marcelo Crivella.
Tem um quesito que as escolas são doutoras - e a cada ano aprimoram mais. A gestão do processo de produção carnavalesca envolve recursos e rubricas específicas de desembolso do início do segundo semestre em diante.
O corte na subvenção da prefeitura, sem aviso prévio e em cima da hora do repasse da primeira parcela da verba das escolas de samba (que só chegou no final do ano), foi apenas o prenúncio do desastre anunciado. A largada, dada com a fase inicial de produção nos barracões comprometida. Imaginem os efeitos nos grupos de Acesso. Eles só viram a cor do dindim oficial no dia 15 de janeiro, a menos de um mês do carnaval. Não adianta anunciar, no dia 11 de janeiro, R$ 38,5 milhões de patrocínios. Não há dinheiro que compre o tempo perdido de produção na gigantesca máquina da indústria do carnaval carioca de 2018.
O atraso piorou com a interdição da Cidade do Samba pelo Ministério do Trabalho, por mais de 30 dias, no último trimestre de 2017. Nesse período as escolas deveriam estar a pleno vapor produzindo fantasias, alegorias e carros. Para finalizar, nada de ensaios técnicos na Sapucaí. No lugar, a volta dos que não foram: foi anunciada com pompa e circunstância pela Riotur a Arena do Carnaval, na Barra da Tijuca. O “blocódromo” da Barra da Tijuca foi adiado 15 dias antes da folia e transferido para julho, acredite. Faltou gestão. Perdeu, Rio...
“
Mas o samba faz, essa dor dentro do peito ir embora”, então, vamos brincar mesmo com uma “atravessada” dessas...
Domingo de maratona: 7 agremiações
O poeta mato-grossense Manoel de Barros e suas miudezas embalaram o campeonato da Série A do Grupo de Acesso de 2017. É missão da comunidade da Serrinha abrir o desfile do Grupo Especial apresentando “
O Império do Samba na Rota da China”, do carnavalesco Fábio Ricardo. “
Deixa o povo cantar, matar a saudade do Império Serrano”.
Com “
Academicamente Popular”, enredo de Jorge Silveira, a São Clemente avisa: “
Hoje quem chorava vai sorrir!” e viaja pelos 200 anos da arte acadêmica na Escola de Belas Artes, fonte de tantos talentos do carnaval carioca.
“
O povo do samba é vanguarda popular”, ensina a Vila Isabel. “
Corra que o futuro vem aí!” é o tema de Paulo Barros. O carnavalesco garantiu na apuração o campeonato de 2017 à Portela. Ele começa do fogo pré-histórico para imaginar onde chegaremos.
“
Não sou escravo de nenhum senhor...” avisam os compositores do belíssimo samba encomendado da Paraíso de Tuiuti. Jack Vasconcelos, seu carnavalesco, pergunta:
“Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? A escola tenta superar a tragédia com seu carro alegórico ano passado.
Com “
Vai para o trono ou não vai?” a Grande Rio homenageia Chacrinha. “
Eu não vim para explicar, eu vou te confundir” é a dica do que esperar da estreia de do Mago Renato e Márcia Lage na escola de Caxias.
Leandro Vieira lançou o desafio: “
Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”! E a Mangueira, sendo “
mestre-sala na arte de improvisar”, responde batucando que “
se faltar fantasia alegria há de sobrar, bate na lata pro povo sambar”.
A manhã vai chegar com a Mocidade Independente de Padre Miguel, protagonista de um episódio conturbado na Liga das Escolas de Samba, a Liesa. O que acabou, depois da abertura das justificativas dos jurados de 2017, lhe dando, também, o título de campeã, dividido com a Portela. E aí, “
Padre Miguel chamou Shiva pro carnaval” no enredo de Alexandre Louzada “
Namastê... A Estrela que habita em mim saúda a que existe em você”. “
Pela tolerância entre os desiguais”, Altay Veloso e Paulo César Feital lideram o grupo de compositores que evocam “
Nehru, Dom Hélder, Chico Xavier” em busca do “
triunfo do bem e da fé”.
Maioria das campeãs desfila na segunda
“
Um coração urbano: Miguel, o Arcanjo das Artes, saúda e povo e pede passagem”, da Unidos da Tijuca, abre a segunda noite na Sapucaí. Num refrão, a intenção de dar a volta por cima e novamente protagonizar um carnaval: “
As lágrimas de outrora já não rolam mais, se rolarem é de emoção”, referência ao segundo acidente com carro alegórico no desfile de 2017.
“
Vixi Maria lá no meio do caminho tem pirata no navio” para atrapalhar a viagem dos judeus de Pernambuco para Nova Iorque. Derrepentemente, “
De repente de lá pra cá e dirrepente de cá pra lá...” a campeoníssima Rosa Magalhães vai atrás do título, dividido com a Mocidade no último carnaval. Madureira avisa, em alto e bom som, que “
Lá vem Portela, é melhor se segurar, coração aberto quem quiser pode chegar”.
A União da Ilha canta o “
Brasil bom de boca”, enredo de Severo Luzardo que “
põe lenha no fogão, o aroma está no ar” para levar para a avenida “
uma receita impossível de esquecer. Duas pitadas de amor, eu e você juntando a fome com a vontade de vencer”.
A mesma vontade que dá ao Salgueiro “
calor que afaga, poder que assola”, para beber na fonte dos enredos africanos. Com “
Senhoras do Ventre do Mundo” Alex de Souza busca na “
herança que vem de lá, na ginga que faz esse povo sambar”, as raízes do melhor carnaval salgueirense.
Cahê Rodrigues “
gira a coroa da Majestade Imperial”, no enredo “
Uma noite real no Museu Nacional”. Da Imperatriz Leopoldinense para a Imperatriz Leopoldina, uma homenagem aos 200 anos de sua chegada ao Brasil e da criação dessa importante Instituição Cultural que ajuda a sacramentar: “
samba de verdade, identidade Nacional”
O dia raiará sob o arco da Apoteose com a Beija-flor e sua comissão de carnaval botando o dedo na ferida: “
Você que não soube ensinar, você que negou o amor, vem aprender com a Beija-flor!”. Seu enredo é “
Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”. E tenho dito!
*O samba fala por si. Os textos em itálico foram pinçados das letras das composições das respectivas escolas.
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “
É carnaval”, do SEM FIM...
delcueto.wordpress.com
Ordem dos desfiles:
Dom: Império Serrano, São Clemente, Vila, Paraíso do Tuiuti, Grande Rio, Mangueira e Mocidade
Seg: Tijuca, Portela, União da Ilha, Salgueiro, Imperatriz, Beija-Flor
Studio na Colab55