Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: julho 2020

22 de jul. de 2020

Pose de gostosa, crônica de Valéria del Cueto

Pose de gostosa

Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse texto também sai da foto que o ilustra. Por si só ela dá seu recado para quem, além de olhar a imagem, consegue ver a mensagem. Não espere que ela seja descrita por aqui. É ponto de partida. Ou de chegada, dependendo da interpretação de cada um.

A minha é que estamos assim, colados na rede, sem saber se vivos, por um fio, ou já secando sem saber.

Nas duas hipóteses, o que resta é a trama. Para o bem ou para o mal, a gosto do freguês.
Mudando a abordagem, temos o ferro, mineral sustentando a planta, vegetal. A rigidez dando suporte à flexibilidade do abraço orgânico enquanto se submeter a teia.

É vida real em que toda regra tem exceção. No caso, ainda no quadro visual do quinto andar, cercado de prédios pelas quatro ruas que o compõe, divisa de Copacabana e Ipanema, onde os muros das muitas garagens e poucas áreas de lazer se tocam formando uma ilusão de rascunho de desenho geométrico a lá Mondrian ainda não colorido (estou  ressignificando quase tudo no quarto mês de isolamento).

Visualizou o solo? Então, agora, levanta o olhar. No tédio insuportável da monotonia, convido você a contar o número de janelas que nos observam. Acima, já sabe: biruta, jardins suspensos, grades, antenas emolduram o céu azul.

A exceção mencionada anteriormente é composta por três elementos. Casas de uma vila com entrada ensanduichada entre dois prédios da Sá Ferreira e, no meio de seus telhados se lançam para o alto uma mangueira e outra árvore majestosa. Seus galhos e ramadas, pelas minhas contas, atingem até o oitavo andar, interferindo na paisagem de lego emoldurada pelas janelas dos apartamentos.

Não sei o efeito dessa informação para os leitores do restante do país, mas garanto que, para quem conhece Cuiabá e outras regiões de norte a sul, esse detalhe tem um significado especial. Com gosto, textura, aroma e lambança de fruta comida com a mão. Não sei você, mas sou adicta. Ter uma mangueira no raio visual sempre será um privilégio e uma forma ludicamente biológica de acompanhar o desenrolar do tempo.

Folhas novas, brotos, botões, florezinhas espevitadas amarelas, calor (chuva da manga em Cuiabá, já ouviu falar? Também tem a do caju...). Ouvir os uivos de agosto, mês do cachorro louco, derrubarem as mais frágeis. Calor, calor, vento e campana para ver os frutos crescerem e amadurarem. Tem que colher e, se possível, esperar ficar perpitola. Nunca chego lá. Gosto de frutas mais pra verde.

Já cheguei na colheita imaginária, mas a verdade é que nunca comi os frutos do pé de manga do quadrado. Pensando bem, acho que não costumo estar no Rio na época. Posso estar comendo manga em Mato Grosso, em Uruguaiana e até em Belém do Pará, a Mangueirosa, como me ensinou Ismaelino Pinto apresentando as maravilhas amazônicas.
Ano passado estava na fronteira do Paraguay com Mato Grosso do Sul. Beirando o Pantanal, flanando por Campo Grande e vendo a explosão dos Ipês Rosa.

Esse ano, a mangueira do quadrado emoldurada por sua amiga gigante é a salvação da pátria verde e amarela. Sua copa alimenta meus olhos, atiçando a imaginação.

Os movimentos dos seus galhos e o balanço das folhas ao vento acariciam, sem me tocar. Ao contrário dos moradores que, ao abrirem suas janelas, são abraçados pelo atrevimento da natureza, abusada.

Para mim, ela, essa mangueira que não é o Chapéu, minha comunidade, como dizia o grande Bola, nem a verde e rosa, só acena a distância fazendo pose de gostosa. E quer saber? Parece pouco, porém está de bom tamanho. Daqui a pouco vem o fruto e recomeça o ciclo...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

9 de jul. de 2020

Biruta batuta, crônica de Valéria del Cueto

Biruta batuta

Texto e foto de Valéria del Cueto
Dessa vez começo pela foto que também é vídeo e ilustra essa crônica. É da biruta que habita uma cobertura da Souza Lima, em Copacabana, em meio a exuberantes folhagens ornamentais e ramos de palmeiras do jardim suspenso de algum morador felizardo.

Não tenho jardim suspenso, mas quem sou eu para desdenhar da minha laje no telhado? Ao lado do puxadinho (mais um de muitos) que protege as caixas d´água do prédio e seus canos de ferro do sol e de fios, cabos, antenas e parabólicas, não tenho do que reclamar.

Ou melhor, tenho sim (é a força do hábito) das coberturas de amianto que, criminosamente, com o passar do tempo, substituíram as telhas de barro da cobertura do edifício, pra começar.

Posso dar meu testemunho afetivo porque, antes da pandemia, há décadas atrás, a meninada do condomínio, na qual me incluía, costumava frequentar o telhado. Naquela época, inclusive, dava para viajar aqui por cima e dar a volta pelos tetos até chegar a Souza Lima, um quarteirão depois.

Agora é impossível já que, como diz o ditado “o que os olhos não veem a fiscalização não atinge". As partes superiores dos arranha-céus de Copacabana viraram emaranhados de objetos inúteis, caso de cabos, e antenas obsoletos, substituídos por equipamentos mais modernos sem o devido descarte dos antigos que vão ficando por ali num emaranhado confuso.

Nem assim estou reclamando, apenas constatando e avaliando o material disponível para os ensaios fotográficos e literários quando se trata de falar da realidade do entorno (com um certo ar de Mad Max pandemia de Covid-19)  sem direito a escapes como a imaginação ou temas visuais que nos transportem para outros mundos, de preferência mais delicados que o nosso.

Por isso a biruta é tão significante no universo real onde habito. Ela, que é um peixe, me dá o rumo e indica o prumo dos ventos. Me conta por que vias eles andam circulando lá no alto.

Quando a meteorologia anuncia ventos e tempestades é para ela que meus olhos se voltam tentando mensurar a intensidade da tormenta por cima do quadrado de prédios que, como guerreiros com sua barreira de escudos, protegem a área formada pelos pátios internos, solitários e egoístas de cada prédio.

O flanar do peixe biruta indica a intensidade e a direção da ventania.

As mais severas são aquelas que o rabo do peixe saracoteia para todos os lados, inflados pela boca que engole e engasga com o vento. Sem direção. Na dúvida entre a eira e a beira, dá umas paradas, como se descansasse de tanta agitação e precisasse respirar. Mas, logo em seguida, recomeça sua dança alucinada, para um lado, para o outro, no meio...

Em volta, as folhagens da cobertura fazem coreografias, contrastando com as rígidas barras brancas da grade que protegem os vasos do chacoalho.  Ás vezes suaves, outras vigorosas, tentam descabeladas acompanhar o peixe biruta guia.

Qualquer semelhança com a nossa biruta Covid-19 não é mera coincidência. É contraste.
O peixe/biruta está seguro, agarrado no mastro da ponta da varanda da cobertura. Já o vírus biruta, vagueia desgovernado, sem eira nem beira, distribuindo suas consequências nefastas e deixando seu rastro de morte por onde passa.

Pobre corona sem noção. De batuta não tem nada, biruta, segue flanando na inconsequência irresponsável que o impele e rasga o pais.


*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com
Studio na Colab55

1 de jul. de 2020

Quem vem lá? - crônica de Valéria del Cueto

Quem vem lá?

Texto e foto de Valéria del Cueto
Hoje o assunto é a bicharada, mas não a da Flotropi. A que me cerca nesse isolamento da Covid-19. Bem aqui, na quebrada da Bulhões, quase Sá Ferreira, em Copacabana.

Depois de meses de reclusão tudo vira motivo de observação para um olhar treinado, porém acostumado as imensidões e horizontes vastos, como os das Pontas do Leme e do Arpoador.
Comecei procurando o céu pela janela do apartamento. Continuei ampliando a dimensão do voo das gaivotas e urubus que ficam rodeando o maciço do PPG (os morros do Pavão, Pavãozinho e o Cantagalo), ou cruzam de leste para oeste e vice-versa, dependendo dos bons ventos seguindo a orla carioca, na cobertura do prédio.

Pelo telhado também passam pombos, mas esses não circulam em bando, não têm um desenho de voo tão harmonioso e preferem voar mais baixo, procurando comida.

Fico pensando como estão se virando com menos gente nas ruas e, principalmente nas praias. Era lá que eles bicavam os resíduos deixados pelos “generosos” banhistas nas areias.

Também recebo a visita de um ou dois bem-te-vis. Sempre dão uma paradinha numa antena de TV de antigamente, encravada entre parabólicas de canais de HDTV.

Já consegui fotografa-los uma vez, mas costumo ser lenta no desenrolar da abertura da bolsa em busca da câmera. Foram muitas as vezes que os danadinhos me escaparam enquanto me enrolava nos zippers e cordéis da sacola de telhado, uma bolsa de praia com o conteúdo adaptado para as necessidades do banho de sol nas alturas.

Em casa costumo das bom dia a um bem-te-vi que passeia entre as floreiras das janelas. Ele saltita entre a azaleia e o pé de camélia cheio de botões que, sabe-se lá por que motivo, nunca desabrocham.
Aqui começa, justamente nele, meu exíguo contato com o mundo animal. Me dedico (sem muito sucesso) a diminuir o vai-e-vem de micro formigas que circulam e botam ovos nas folhas e brotos do pé de camélia.

Quando apertei o olhar descobri que os antúrios também andam nas mãos do exército de formigas! Minha estratégia será partir para uma pesquisa em busca do formigueiro central. Como não tenho fumo de rolo, estou lavando as folhas das plantinhas com água e sabão de coco, pra ver se espanto os batalhões.

Foi esse olhar microscópico que me fez localizar os caramujinhos e minhocas. Agora, nas plantas da área de serviço.

Essas tomam menos sol. O local é ideal para samambaias e outras espécies que preferem locais mais sombreados e protegidos do vento do mar que encana por entre os prédios.
A gente também recebe visitantes!

Outro dia, nos maços de verduras orgânicas que vieram do mercado, apareceu um mini grilo. Um filhotinho perdido. Deu até para gravar sua passagem aqui pelo quinto andar, bem verdinho e olhudo.
Partiu e, dias depois, me deixou outro “grilo”. Dessa vez na cabeça, com a notícia das nuvens de gafanhotos que passeiam pelo sul da América do Sul. Teria sido um aviso?

Bom, a última novidade foi o aparecimento de Joanita, a joaninha. Justamente no dia 25 de junho, dia de... São João, ela deu um giro pelas floreiras das janelas.

Se for um sinal, meu desejo mais profundo é que seja alvissaro. Estamos todos precisando de boas novas.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55