Adivinha? Apesar das previsões de
Esmeralda, a cigana leopoldinense em busca do bicampeonato, os búzios do jogo caíram
todos abertos do outro lado da ponte, em Niterói. Assim estavam os caminhos da
Viradouro em seu desfile do Grupo Especial do Rio de Janeiro no carnaval 2024,
o dos 40 anos do Sambódromo.
Leandro Vieira esteve próximo da
vitória durante 24 horas. A escola de Ramos foi a última a desfilar no raiar do
primeiro dia de disputa. Manteve o favoritismo até a madrugada seguinte quando as
guerreiras voduns do carnavalesco Tarcísio Zanon se apossaram da Marquês de
Sapucaí. Não teve pra ninguém. Nem na bolha carnavalesca das redes sociais, nem
na leitura das notas dos jurados. A escola terminou com um ponto à frente da
vice-campeã.
A luz do amanhecer valorizando o conjunto alegórico da Imperatriz
Ambas se valeram da luz do amanhecer
para emoldurarem seus vaticínios e enriquecerem as palhetas de cores dos
enredos. A luz cenográfica, turbinada por tintas e tecidos fluorescentes, mudou
o visual do espetáculo. A novidade escondeu ainda mais o povo do samba, já
mascarado por efeitos de maquiagem. Também derrubou quem não soube utilizar os
recursos.
Brasilidade tropical explícita na Mocidade.
Foi a ambientação, por exemplo, que
penalizou a Vila e a Portela na apresentação dos casais de mestre-sala e
porta-bandeira. No caso da Vila com um agravante. Paulo Barros depois de tocar fogo na
porta-bandeira Lucinha Lins tempos atrás na Mocidade e, ano passado, vestir o
casal na pista, apagou a apresentação do pavilhão e colocou no lugar lasers
multicoloridos acoplados nas vestimentas do casal da terra de Noel Rosa. Perdeu
décimos preciosos, junto com o samba de Martinho da Vila(!) e o enredo de
Oswaldo Jardim.
Maria Bethânia pede passagem. Homenagem a Alcione na Mangueira.
As justificativas exporão os critérios
dos julgadores que deixaram de fora das campeãs a Mangueira, homenageando Alcione
(perdeu no quesito de desempate, fantasia, a sexta posição), a Beija-Flor com Maceió,
e acharam cica no caju tropical da Mocidade em vários quesitos incluindo o
enredo, tão original, e... o samba! A Porto da Pedra teve passagem fugaz pelo
Grupo e volta para o Ouro de onde sobe a campeã Unidos de Padre Miguel.
DESFILE DAS CAMPEÃS – Vila, Portela,
Salgueiro, Grande Rio, Imperatriz e Viradouro.
Na Vila, só alas de comunidade, o chão de Noel.
A reedição da Vila de "Gbalá", enredo de Oswaldo
Jardim de 1993, abre a noite das Campeãs trazendo o axé das crianças salvando o
planeta ao realimentar as energias de Xangô ao som da bateria de Mestre Macaco
Branco e o lindo samba de Martinho da Vila canetado em 2 décimos.
O tempo passa, o “defeito de cor” permanece. Marinete Franco e outras mães relembram suas dores.
A Portela a volta às campeãs depois de
ficar de fora no ano de seu centenário. O enredo “Um defeito de cor” conseguiu
mais um recorde carnavalesco. O livro de Ana Maria Gonçalvez se esgotou na
gigante Amazon! Que rapidamente repôs o estoque do fenômeno literário.
Vida na tribo Yanomami, janela aberta para o mundo pelo Salgueiro
O Salgueiro é a primeira das três
agremiações que desfilaram na noite de domingo a retornar a avenida. “Hutukara”
trará de volta o casal Marcella Alves e Sidcley. Assim como os casais da Imperatriz,
Grande Rio e Mangueira, eles gabaritaram no quesito mestre-sala e
porta-bandeira. Dos quatro, o único que não se apresenta no sábado é Cintya
Santos e Matheus Olivério, da verde e rosa.
A onça da Comissão de Frente da Grande Rio
Na Grande Rio,
com “Nosso destino é ser onça”, a proposta de Gabriel Haddad e Leonardo Bora
teve um bom desempenho nos quesitos plásticos inovando novamente nos materiais.
A clareza do enredo, o samba e harmonia não deixaram a onça beber a água de
mais um campeonato. Destaque aos felinos da alegoria da comissão de frente e o
de Paola Oliveira, reinando na bateria.
A Imperatriz Leopoldinense, última
escola a desfilar no domingo planejou seu desfile para o amanhecer. Vamos ver
como as criações de Leandro Vieira se comportarão na luz noturna. Tomara que
seja fixa, ou se altere suavemente. Os recursos do neon e da fluorescência acabarão
cansando. Não precisa de búzios nem bola de cristal para chegar a essa
conclusão.
Rute Alves e Julinho Nascimento, o casal campeão
A Viradouro encerra o sábado das
campeãs, comemorando merecidamente seu terceiro título com “Arroboboi,Dangbé”
e dando uma aula sobre a serpente, símbolo da vida, regeneração e recomeço nos
cultos voduns vindos da Costa da Mina, na África. Uma aula. Mais uma lição das
escolas de samba da cultura popular brasileira.
O desfile das Campeãs do RJ será transmitido no sábado, no
Multishow a partir das 21:30h, horário de Brasília.
Uma série de muitas temporadas passa pela cabeça de quem
testemunhou a revolução que a obra arquitetônica (construída em 120 dias pelo
governador Leonel Brizola, incentivado pelo antropólogo Darcy Ribeiro e criada
por Oscar Niemeyer no berço do samba carioca), produziu na manifestação que se
transformou num dos maiores espetáculos de cultura popular da Terra. O desfile
das escolas de samba da elite do carnaval, ano após ano, alcança milhões de
espectadores ao redor do planeta.
A pista da Passarela do Samba é caixa de ressonância de temas explorados
pelas agremiações em seus enredos trabalhados por meses a fio pelas comunidades
da
região metropolitana envolvidas na preparação da f(r)esta.
Paola Oliveira precisa de legenda?
Nesse período, que virou o século e ultrapassou o milênio, quantas
vezes se decretou que “o samba sambou”? A festa se renova e adapta aos novos
tempos. Incorpora tecnologia, quebra
barreiras de modismos e se ressignifica conforme a dança enquanto luta heroicamente
para não perder sua essência, preservar a ancestralidade e preparar os futuros
sambistas.
Furando a bolha - Entre muitas tentativas de atrair a
atenção das novas gerações com o incremento de ações de marketing, que
incluíram o lançamento das latinhas de cerveja homenageando as agremiações e a
aposta maciça em conteúdos nas redes sociais, o que acabou sendo o agente
catalizador que marcará o carnaval de 2024 e explodiu, como há muito tempo não
se via, no pré-carnaval foi... um samba!
Campeã nas paradas de sucesso desde o réveillon, a composição
canta as qualidades de um produto tipicamente brasileiro, o caju. Defendida
performaticamente por Zé Paulo Sierra, exalta a fruta tropical e a irreverência
numa letra cheia de picardia que tem, entre seus autores, o humorista Marcelo
Adnet. O refrão chiclete da Mocidade Independente de Padre Miguel caiu na boca
do povo pelo país afora!
Ensaios técnicos - Foi o caju que botou a Sapucaí para
cantar já na abertura dos ensaios técnicos dos finais de semana de janeiro realizados,
pra variar, em meio as chuvas que castigaram o Rio. Justiça seja feita: as
tempestades que fecharam, por exemplo, a principal artéria metropolitana, a
Avenida Brasil, não alagaram a Marquês de Sapucaí. Sinal que esse ano o dever
de casa foi feito com antecedência e o sistema de drenagem de esgotos do local
previamente limpo. Os sambistas molhados, mas não empoçados, agradecem!
Parangolé cenográfico - Na missão de se adequar às exigências
das transformações tecnológicas de produção de mega espetáculos vamos para o
terceiro ano de implantação da iluminação cênica da pista. Assim como na
questão do gigantismo das comissões de frente, ainda não há unanimidade na
utilização dos 570 refletores e todo o caríssimo aparato envolvido.
Nem todas as escolas vão aderir a utilização dos recursos disponibilizados. Caso da
campeã de 2023, a Imperatriz Leopoldinense. Seu carnavalesco, Leandro Vieira,
foi protagonista de uma das polêmicas pré-carnaval nas redes ao afirmar que a
luz privilegia os carros alegóricos, mas esconde os sambistas e as fantasias
criadas para contar o enredo.
Cig(Bai)anas da Imperatriz, o bi traçado na palma da mão?
Nos intervalos entre os desfiles a ambientação do sistema de
iluminação deixa a pista parecendo “casa da luz vermelha”. Aquelas das
currutelas do sertão profundo. Cansa. Vamos combinar que sua melhor utilização
foi justamente quando ela se apagou, no ensaio técnico do Salgueiro, para que
os vagalumes/lanternas dos componentes passeassem pela penumbra da floresta Yanomami
do enredo Hutukara.
A fila anda e o que foi revolucionário há 40 anos ganha novos
contextos. Algumas intervenções são absorvidas, outras ficam na pista. A nova
geração que assumirá os destinos da LIESA, a Liga da Escolas de Samba, implanta
a marca @RioCarnaval. Sob o comando do herdeiro de Anísio Abraão David,
Gabriel, ela repagina a folia e delineia, mais uma vez, o avanço dos camarotes
temáticos sobre as frisas da passarela.
O culto a ancestralidade garante a aposta: o futuro é o samba.
A pista, por enquanto, continua sendo território demarcado do
povo samba. Corpo, voz, consciência e chão da essência de valor incalculável de
uma das manifestações culturais mais relevantes do Brasil.
Domingo
11 de fevereiro
Quem
abre os desfiles do carnaval 2024 é a Porto da Pedra, campeã do acesso. O
carnavalesco Mauro Quintaes aposta no cordel do "Lunário Perpétuo - A profética do saber popular" celebrando seus ensinamentos e desdobramentos com Antônio da
Nóbrega como guia do enredo da comunidade de São Gonçalo.
Também vem do nordeste o tema da Beija-Flor"Um delírio de Carnaval na Maceió de Rás Gonguila". Nilópolis chega com sua força máxima, capitaneada por
Neguinho da Beija-Flor, os condutores de seu pavilhão, Selminha Sorriso e
Claudinho, e a força de sua comunidade.
Na pista e nas arquibancadas, o protesto pela proteção aos indígenas
É
"Hutukara" o
grito de protesto do Salgueiro que o carnavalesco Edson Pereira faz retumbar na
Sapucaí sobre a questão Yanomami. A comissão de frente de Patrick Carvalho
promete impactar a plateia. Até o ator Leonardo di Capri já mencionou o enredo
em suas redes sociais. Furou a bolha...
A Grande
Rio em “Nosso destino é ser onça”, de Leonardo Bora e Gabriel Haddad, faz uma viagem antropológica
pelo Brasil profundo. Vamos ver se a onça vem beber água na Sapucaí.
A onça, nossa conhecida, a protagonista do desfile da Grande Rio
"O Conto de Fados" da
Unidos da Tijuca quer revelar em seu samba fadado, com grandeza e encantos,
segundo o carnavalesco Alexandre Louzada, versos do pequeno imenso Portugal na
voz de seu interprete Ito Melodia.
A Imperatriz Leopoldinense tenta o
bicampeonato e fecha a noite de domingo falando do universo cigano no enredo "Com a sorte virada pra lua, segundo o testamento da cigana
Esmeralda". Sem luz cenográfica,
já que Leandro Vieira pretende usar a luz do nascer do dia para valorizar a
estética de sua proposta.
Segunda 12 de fevereiro
Quem abre a noite é Mocidade Independente com a
sinopse tropicalista criada por Fábio Fabato e desenvolvida por Marcus
Ferreira, “Pede Caju Que Dou… Pé de Caju Que Dá”. Já vimos nos ensaios técnicos o efeito
Zé Paulo Sierra e da Não Existe Mais Quente, a bateria de Mestre Dudu, nas
arquibancadas da Sapucaí. Será um sacode. Todos torcem para que essa catarse se
reproduza nos demais quesitos da escola.
Tropicalismo, a aposta estética da Mocidade
“Um Defeito de Cor”,
enredo da Portela, é o ponto de partida de Antônio Gonzaga e André Rodrigues
para criar a carta de Luiz Gama para sua mãe, protagonista do livro de Ana
Maria Gonçalvez. Atenção às bossas da Tabajara do Samba, de Nilo Sérgio, com
toques dos santos e a parceria inédita do casal de porta-bandeira e mestre-sala
Squel Jorgea e Marlon Lamar.
Na Vila
Isabel a reedição o enredo de“Gbalá: uma viagem ao Templo da Criação”, de 1993, criado por Oswaldo Jardim, está sob
responsabilidade de Paulo Barros. Embalada pelo belo samba de Martinho da Vila
que prega que é preciso resgatar o futuro e, para essa tarefa, só as crianças
estão aptas. A Vila já fechou com a equipe atual para o carnaval 2025.
Sou da Vila não tem jeito: o amor declarado do ritmista
A dupla Annik Salmon e Guilherme Estevão com "A Negra Voz do Amanhã", homenageia Alcione. A cantora é
fundadora da escola mirim Mangueira do Amanhã. Justa homenagem em vida da
comunidade verde e rosa a uma incentivadora apaixonada da Estação Primeira.
A Revolta da Chibata, de 1910, é o
ponto de partida da proposta de Jack Vasconcelos no enredo do Paraíso do Tuiuti,
“Glória ao Almirante Negro!”.
Pixulé puxa o samba de Moacyr Luz e a rainha Mayara Lima coreografa as bossas
da Bateria Super Som, de Mestre Marcão, estandarte de ouro no último carnaval.
Markinhos e Mestre Marcão
Quem fecha os desfiles do Grupo
Especial é a vice-campeã de 2023, a Viradouro. Tarcísio Zanon explora o texto
de João Gustavo Melo sobre uma divindade vodum, “Arroboboi, Dangbé” para, com a bateria
de Mestre Ciça, a Rainha Erika Januza e o novo
reforço Wander Pires, tentar o campeonato.
Viradouro e a divindade vodum cultuada na Bahia
Desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro
Domingo 11/02 - Porto da Pedra, Beija-Flor, Salgueiro, Grande Rio,
Unidos da Tijuca, Imperatriz Leopoldinense
Segunda 12/02 - Mocidade Independente, Portela, Vila Isabel,
Mangueira, Paraíso do Tuiuti, Viradouro
Transmissão TV Globo e Globoplay às 22h. Sugestão: comentários da Tupi.fm
Agradecimentos à @riocarnaval, Liesa, Riotur e, especialmente, ao povo do samba que faz a festa acontecer.