Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Coluna Dito e Feito, de Valéria del Cueto, no jornal Tribuna, dia 21/03/2009.

24 de mar. de 2009

Coluna Dito e Feito, de Valéria del Cueto, no jornal Tribuna, dia 21/03/2009.

Valéria & Passarinho
Sempre fui de poucas palavras, muitas sequer de minha de minha autoria, mas aproveito esse descuido do Senhor de Todos os Campos, no dia dos 60 anos do meu nascimento, pra te dirigir algumas delas.
Sei que andas aí, por Uruguaiana, tentando reunir lembranças e registros de minha trajetória e te sentes meio órfã de meus dizeres e quereres. Por isso, e por saber que, acima de tudo, crês nessa sintonia transcendente é que te escrevo. Não procures ter mais de mim do que sou no teu coração, o que não é pouco, (o sei por que daqui o sinto), já que ajudastes a continuar sendo o que fui.
Não te lembras? Sei que sim... Foi há quase trinta anos. Te convocaram para fazer a que poderia ser a derradeira entrevista do amigo que vos fala, num leito da enfermaria da Santa Casa quando, lá estava eu, querendo que a vida me deixasse em paz, durante uma crise que minha mãe Eloy te disse ser de pneumonia. “O problema”, ela decifrou com seu sentimento maternal, “é que ele não quer mais viver, acha que não tem por quê...”
Quando chegastes junto ao meu leito, ainda me lembro, com um ar revoltado e indignado, dissestes sem rodeio. “ Vim por que me mandaram fazer a última entrevista contigo, mas não quero acreditar que isso seja verdade”. Pra tua decepção e tristeza, sem olhar nos teus olhos, virei pro lado sem reagir e meu silêncio apenas confirmou o que te recusavas a aceitar.Seguistes falando e me interrogando, que esse é um dom que sempre tivestes, assim como o meu sempre foi o de cantar. E, pelas tantas, com a câmera gravando, me perguntastes: “Afinal, o que te faz sentir, do que tens saudades?”. Parei para pensar, (fisgastes, danada, minha atenção), e te respondi: “Os aplausos”.
“Então fecha os olhos e imagina que acabastes de cantar no palco da Califórnia. Não queres mais ter essa sensação?”, e continuastes: “Passarinho, te aplaudem por que reconhecem teu cantar. Cante! Os aplausos sempre virão, por que são eles a reação natural ao teu dom” Ri fracamente e argumentei: “ Cantar aqui?”.
“Por que não?”, me desafiastes petulantezinha e provocadora. “ Tua voz tem o poder de reanimar os que sofrem, assim como os aplausos farão o mesmo por ti”. E eu cantei. A princípio, fracamente. Até que ouvi o primeiro aplauso, vindo do leito vizinho. E ele aumentava e crescia pela enfermaria e os corredores do hospital. Ao teu lado, as lágrimas corriam pelo rosto da minha mãe, que via ainda não era daquela vez que seu filho partiria. Muitas coisas ainda aconteceriam antes desse dia....
Amiga, o que são as palavras e fotos e imagens que procuras, diante da força descomunal de tuas lembranças? Tens a elas e a meu canto que, bem sabes, sempre foi só emoção. Tens momentos, como a primeira Califórnia em que me vistes, menina de tranças e boina vibrando na platéia do Cine Pampa. Tens os cafés da manhã que tomamos juntos. Eu, emergindo de mais uma noitada e tu, começando teu dia na TV Uruguaiana.
Sabemos que fizestes o possível para que, além do meu canto, houvesse registros do meu ser e viver e que te entristece descobri-los perdidos. Mas e daí? Estou em ti. Sou teu aplauso. E meu canto sempre vai te acompanhar, te consolar, já me dizias naquele tempo. Somos outono e opostos. Eu do segundo dia e tu do penúltimo. Não mulher, nada de chorar!
Me voy por que já falei demais. Estoy siempre a lo largo e os que, como tu, me tem, o sabem carregando os dizeres do meu canto.
Fica bem, por que aqui, é assim que me sinto ao comemorar meus 60 anos (quem diria) renascendo cada vez que alguém, como tu fazes, escuta minha voz, que sempre dissestes aveludada e cristalina, nos cantares desta ave que vos fala. Bati asas, mas permaneço em ti, já te disse e repito.
Teu amigo, Passarinho.
PS: Um beijo de amor aos meus (Eva e César). Diz a eles que aqui estou, com Deus...

2 comentários:

Rubens Montardo disse...

Valéria, emocionante teu texto, "de quebrar o vidro dos olhos", numa arquitetura de palavras, lembranças e muito talento. Gracias.

Valeria del Cueto disse...

O Montardo, demorei mas li. Obrigado!